Por Saul Leblon, no sítio Carta Maior:
Quem vai fazer o serviço?
A sedimentação da agenda conservadora para 2014 envolve a adesão de um pedaço da esquerda e o silencio desfrutável de outro.
O padrão foi testado e bem sucedido no cerco ao reajuste do IPTU em São Paulo.
Os interesses atingidos só tiveram sucesso em sabotar a medida graças à omissão dos que sabiam o que estava em jogo, mas preferiram silenciar.
É essa capacitação ao exercício da cumplicidade que a emissão conservadora opera de forma explícita nos dias que correm.
Colunistas e editores espetam sinais para ordenar o fluxo na direção almejada: a seringa do piquete onde se conta o rebanho.
Quantas cabeças teremos para oferecer aos mercados?
Nas manchetes e fotos, mais que nos textos, espetam-se os ferros com as iniciais do dono.
O ponto de encontro tem data e local definidos: 12 de junho de 2014, 17 hs, estádio do Itaquerão, onde o Brasil abre a Copa do Mundo diante da Croácia.
Durante um mês, até 13 de julho, novas oportunidades se abrem: há jogos distribuídos nas principais capitais do país.
Alguém duvida que a tabela será explorada na emissão conservadora como ponto de encontro de gente ansiosa para mostrar o seu valor a fotógrafos e cinegrafistas generosos?
Textos gordurosos como os autores, tortuosos como seus valores, arregimentam as adversativas do léxico para assegurar o verniz ‘jornalístico’ à panfletagem.
Não importa o tema da coluna.
O objetivo predefinido é dar suporte a logos, títulos e manchetes que disseminem ordem unida.
‘Em 2014, vem prá rua você também’, convocava-se na Folha no dia de Natal; ou o soberbo, ‘Não vai ter Copa’, abraçado neste domingo por um vulgarizador do mercadismo no mesmo veículo.
À falta de projeto defensável à luz do dia – arrochar 70% do país para lubrificar 30% só rende votos em saraus elegantes-- escava-se o vazio em busca de chão firme.
De joelhos e com as unhas, se preciso for para satisfazer os sinais vindos das direções de redação.
O tesouro cobiçado é tanger multidões à frente única em curso para enfrentar Dilma em outubro próximo.
Procura-se, em suma, alguém que faça o serviço que os cabedais do conservadorismo, sozinhos, são incapazes de entregar.
É esse vazio adicionado de urgência que reduz colunistas à função rastaquera de insuflar a indignação sem explicar a fórmula do elixir que vai contemplá-la.
Se quiser, o público alvo –as organizações com capacidade de mobilização - tem elementos para confrontar o aceno dos charlatães com os ingredientes da gororoba historicamente despejada por eles na goela do país – não raro com funil e camisa e força.
A sedimentação golpista de uma parte da opinião pública brasileira não ocorreu por acaso nos últimos anos.
Trata-se de obra deliberada de gente bem paga --e eficiente, diga-se, na arte de popularizar generais redentores, santificar consensos neoliberais, incensar janios, collors, demóstenes , carlinhos cachoeira, joaquins, serras e assemelhados.
O florescimento desse acervo não prosperaria sem o trabalho prestimoso dos que esculpem o seu busto em bronze de credibilidade e veneração.
É um equívoco dissolver essa assinatura numa edulcorada predisposição da sociedade ou de parte dela para ser canalha ou 'egoísta'.
Ainda que exista a receptividade estrutural em certas camadas, é indispensável o fermento que transforme o instinto em história.
Incensar os joaquins e Demóstenes; satanizar os lulas e respectivas agendas é uma parte do bicarbonato requerido na receita.
Sem ele a massa não cresce.
Antecedentes referenciais testemunham o notável desempenho da emissão conservadora na tarefa de sovar a massa.
Escondidas até agora nos arquivos da Unicamp, para onde foram exiladas pelo próprio Ibope, pesquisas de opinião feitas às vésperas do golpe de 1964 mostram, todavia, que o labor midiático sozinho não leva a receita ao ponto.
Os dados dissecadas em entrevista recente do pesquisador Luiz Antônio Dias à revista Carta Capital, transcrita no blog de Luis Nassif , detalham o paradoxo:
- em junho de 1963, Jango tinha 66% de aprovação em SP;
- em março de 1964, caso fosse candidato no ano seguinte, ele teria mais da metade das intenções de voto na maioria das capitais;
- o apoio à reforma agrária, então satanizada pelas elites, era superior a 70% em algumas capitais;
- na semana anterior ao golpe, as pesquisas mostravam que Jango tinha 72% de aprovação popular –entre os mais pobres, o índice chegava a 86%.
O mesmo conservadorismo que hoje torce por protestos na Copa colocaria então milhares de pessoas nas ruas de São Paulo, em 19 de março de 1964, na Marcha da Família Com Deus pela Liberdade.
O movimento ecoado na mídia como a evidência cabal do isolamento (inexistente) do governo não saltou espontaneamente das páginas da imprensa para o asfalto.
Foi preciso organizá-lo meticulosamente.
A mídia cumpriu a sua parte, como o faz hoje, legitimando a ‘revolta da sociedade e da família contra o desgoverno’.
Mas coube a Igreja e às ligas de senhoras católicas, com forte participação de esposas de empresários, botar a mão na massa.
Senhoras da elite usaram sua ascendência para intimar famílias operárias, sobretudo as mulheres, a integrarem e divulgar o movimento.
Quase 50 anos depois, a regressão conservadora não dispõe mais da estrutura capilar de mobilização de que lançou mão às vésperas do golpe de Estado que prendeu, torturou, matou, decretou a censura à imprensa e às artes e colocou os partidos e sindicatos na ilegalidade.
Escribas do jornalismo isento sugerem que podem superar as mais dilatadas expectativas no esforço para reeditar o mutirão cinquentenário na presente intersecção entre a Copa do Mundo e as eleições presidenciais de outubro.
Para que ele signifique alguma coisa de equivalente ao papel legitimador desempenhado pela Marcha da Família, quando Jango tinha mais da metade das intenções de votos –como Dilma as tem-- alguém terá que puxar o cordão.
A coalizão conservadora espera que cada um cumpra o seu dever.
Ou seja, que um pedaço dos setores progressistas insatisfeitos com o governo acenda o forno a 180º e reforce a levedura na massa.
Uma vez pronto o bolo, vá para casa, e deixe a coisa com quem entende de comer o Brasil.
A ver.
Quem vai fazer o serviço?
A sedimentação da agenda conservadora para 2014 envolve a adesão de um pedaço da esquerda e o silencio desfrutável de outro.
O padrão foi testado e bem sucedido no cerco ao reajuste do IPTU em São Paulo.
Os interesses atingidos só tiveram sucesso em sabotar a medida graças à omissão dos que sabiam o que estava em jogo, mas preferiram silenciar.
É essa capacitação ao exercício da cumplicidade que a emissão conservadora opera de forma explícita nos dias que correm.
Colunistas e editores espetam sinais para ordenar o fluxo na direção almejada: a seringa do piquete onde se conta o rebanho.
Quantas cabeças teremos para oferecer aos mercados?
Nas manchetes e fotos, mais que nos textos, espetam-se os ferros com as iniciais do dono.
O ponto de encontro tem data e local definidos: 12 de junho de 2014, 17 hs, estádio do Itaquerão, onde o Brasil abre a Copa do Mundo diante da Croácia.
Durante um mês, até 13 de julho, novas oportunidades se abrem: há jogos distribuídos nas principais capitais do país.
Alguém duvida que a tabela será explorada na emissão conservadora como ponto de encontro de gente ansiosa para mostrar o seu valor a fotógrafos e cinegrafistas generosos?
Textos gordurosos como os autores, tortuosos como seus valores, arregimentam as adversativas do léxico para assegurar o verniz ‘jornalístico’ à panfletagem.
Não importa o tema da coluna.
O objetivo predefinido é dar suporte a logos, títulos e manchetes que disseminem ordem unida.
‘Em 2014, vem prá rua você também’, convocava-se na Folha no dia de Natal; ou o soberbo, ‘Não vai ter Copa’, abraçado neste domingo por um vulgarizador do mercadismo no mesmo veículo.
À falta de projeto defensável à luz do dia – arrochar 70% do país para lubrificar 30% só rende votos em saraus elegantes-- escava-se o vazio em busca de chão firme.
De joelhos e com as unhas, se preciso for para satisfazer os sinais vindos das direções de redação.
O tesouro cobiçado é tanger multidões à frente única em curso para enfrentar Dilma em outubro próximo.
Procura-se, em suma, alguém que faça o serviço que os cabedais do conservadorismo, sozinhos, são incapazes de entregar.
É esse vazio adicionado de urgência que reduz colunistas à função rastaquera de insuflar a indignação sem explicar a fórmula do elixir que vai contemplá-la.
Se quiser, o público alvo –as organizações com capacidade de mobilização - tem elementos para confrontar o aceno dos charlatães com os ingredientes da gororoba historicamente despejada por eles na goela do país – não raro com funil e camisa e força.
A sedimentação golpista de uma parte da opinião pública brasileira não ocorreu por acaso nos últimos anos.
Trata-se de obra deliberada de gente bem paga --e eficiente, diga-se, na arte de popularizar generais redentores, santificar consensos neoliberais, incensar janios, collors, demóstenes , carlinhos cachoeira, joaquins, serras e assemelhados.
O florescimento desse acervo não prosperaria sem o trabalho prestimoso dos que esculpem o seu busto em bronze de credibilidade e veneração.
É um equívoco dissolver essa assinatura numa edulcorada predisposição da sociedade ou de parte dela para ser canalha ou 'egoísta'.
Ainda que exista a receptividade estrutural em certas camadas, é indispensável o fermento que transforme o instinto em história.
Incensar os joaquins e Demóstenes; satanizar os lulas e respectivas agendas é uma parte do bicarbonato requerido na receita.
Sem ele a massa não cresce.
Antecedentes referenciais testemunham o notável desempenho da emissão conservadora na tarefa de sovar a massa.
Escondidas até agora nos arquivos da Unicamp, para onde foram exiladas pelo próprio Ibope, pesquisas de opinião feitas às vésperas do golpe de 1964 mostram, todavia, que o labor midiático sozinho não leva a receita ao ponto.
Os dados dissecadas em entrevista recente do pesquisador Luiz Antônio Dias à revista Carta Capital, transcrita no blog de Luis Nassif , detalham o paradoxo:
- em junho de 1963, Jango tinha 66% de aprovação em SP;
- em março de 1964, caso fosse candidato no ano seguinte, ele teria mais da metade das intenções de voto na maioria das capitais;
- o apoio à reforma agrária, então satanizada pelas elites, era superior a 70% em algumas capitais;
- na semana anterior ao golpe, as pesquisas mostravam que Jango tinha 72% de aprovação popular –entre os mais pobres, o índice chegava a 86%.
O mesmo conservadorismo que hoje torce por protestos na Copa colocaria então milhares de pessoas nas ruas de São Paulo, em 19 de março de 1964, na Marcha da Família Com Deus pela Liberdade.
O movimento ecoado na mídia como a evidência cabal do isolamento (inexistente) do governo não saltou espontaneamente das páginas da imprensa para o asfalto.
Foi preciso organizá-lo meticulosamente.
A mídia cumpriu a sua parte, como o faz hoje, legitimando a ‘revolta da sociedade e da família contra o desgoverno’.
Mas coube a Igreja e às ligas de senhoras católicas, com forte participação de esposas de empresários, botar a mão na massa.
Senhoras da elite usaram sua ascendência para intimar famílias operárias, sobretudo as mulheres, a integrarem e divulgar o movimento.
Quase 50 anos depois, a regressão conservadora não dispõe mais da estrutura capilar de mobilização de que lançou mão às vésperas do golpe de Estado que prendeu, torturou, matou, decretou a censura à imprensa e às artes e colocou os partidos e sindicatos na ilegalidade.
Escribas do jornalismo isento sugerem que podem superar as mais dilatadas expectativas no esforço para reeditar o mutirão cinquentenário na presente intersecção entre a Copa do Mundo e as eleições presidenciais de outubro.
Para que ele signifique alguma coisa de equivalente ao papel legitimador desempenhado pela Marcha da Família, quando Jango tinha mais da metade das intenções de votos –como Dilma as tem-- alguém terá que puxar o cordão.
A coalizão conservadora espera que cada um cumpra o seu dever.
Ou seja, que um pedaço dos setores progressistas insatisfeitos com o governo acenda o forno a 180º e reforce a levedura na massa.
Uma vez pronto o bolo, vá para casa, e deixe a coisa com quem entende de comer o Brasil.
A ver.
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