Blog do Intervozes, na revista CapitalCapital:
O Intervozes vem debatendo a necessidade de proteção aos comunicadores na cobertura de protestos desde que a violência contra repórteres, cinegrafistas, fotógrafos e midialivristas eclodiu nas manifestações de junho passado. O assunto foi tema de um recente debate organizado pelo coletivo em parceria com a organização Artigo 19 no dia 20 de agosto, com a presença da Relatora Especial para Liberdade de Expressão da OEA (Organização dos Estados Americanos), Catalina Botero.
Na última semana, a Justiça paulista decidiu o injustificável, em um país considerado democrático: culpar o repórter-fotográfico Alex Silveira por ter perdido a visão ao ser atingido por uma bala de borracha lançada pela Polícia Militar durante um protesto em 2010.
Neste momento, o Intervozes se coloca uma vez mais ao lado dos comunicadores, que lançaram uma campanha para dar visibilidade à decisão absurda da Justiça e manifestar sua solidariedade a Alex. Convidamos a também foto-jornalista Julia Chequer, que participa da mobilização, para contar para o nosso blog essa história.
***
Por Julia Chequer
À época funcionário do jornal Agora São Paulo, do grupo Folha, Alex cobria uma manifestação de servidores da saúde e da educação, na avenida Paulista, quando foi atingido pela Tropa de Choque, que usou balas de borracha, gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral contra os manifestantes.
Alex, que perdeu 80% da visão do olho esquerdo, fez o que todo cidadão deveria fazer. Processou o Estado pela violência injustificável e pediu uma indenização por danos materiais e morais. A resposta da Justiça foi a pior possível. A sentença parte do princípio de que, em momentos de confronto, o profissional de imprensa que ficar para exercer seu papel de cúmplice e interlocutor dos fatos pode ser agredido pelas forças do Estado.
“Permanecendo no local do tumulto, dele não se retirando ao tempo em que o conflito tomou proporções agressivas e de risco à integridade física, mantendo-se, então, no meio dele, nada obstante seu único escopo de reportagem fotográfica, o autor [refere-se ao repórter-fotográfico] colocou-se em quadro no qual se pode afirmar ser dele a culpa exclusiva do lamentável episódio do qual foi vítima”, escreveu o relator do caso, desembargador Vicente de Abreu Amadei.
Trata-se de um precedente assombroso para o livre exercício da imprensa e, nesse sentido, para a democracia no país. E, pior: a história de Alex Silveira está longe de ser um caso isolado. Durante as “jornadas de junho” de 2013, foi impressionante o número de colegas chegando em redações sangrando, mancando. Houve aqueles que não voltaram para o local de trabalho, por estarem hospitalizados e até presos.
Tampouco se trata do acaso. Em geral, quando imagens de violência policial são feitas, é possível visualizar o agressor mirando em nossa direção. Daí a quantidade de profissionais atingidos no rosto no ano passado, dentre eles, Giuliana Vallone, então repórter da TV Folha - que não foi atingida no olho porque usava óculos -, e o repórter-fotográfico Sérgio Lima, que também perdeu a visão do olho esquerdo, ambos vítimas de bala de borracha.
Em todos esses casos, no entanto, a mobilização pública contra a violência praticada contra comunicadores não chegou perto à que seguiu a morte do cinegrafista da TV Bandeirantes, Santiago Ilídio Andrade, atingido por explosivo durante um protesto no Rio de Janeiro. Claro que uma morte choca. Mas talvez o que tenha diferenciado a repercussão de uma violência da de outra tenha sido o autor da violência: no caso de Alex, o Estado; no de Santiago, um manifestante.
A violência do Estado contra manifestantes tem sido praxe no Brasil, resquício das práticas da ditadura. Mas choca ainda mais a violência contra a imprensa. Não porque ela tem um status diferente do que gozam os demais cidadãos. Não. Mas porque comunicadores, em seu exercício profissional, garantem uma série de direitos humanos coletivos à população, como o acesso à informação e o direito de participação na vida política, que também são violados quando a imprensa se torna alvo. A presença da mídia nas manifestações também é importante para coibir o uso da violência, e é combustível para um debate plural sobre o que está sendo reportado, seja lá qual o tema do protesto. Cabe lembrar que toda pessoa em ato de registro de uma mobilização deve ser tratada como imprensa, sem distinção entre a grande empresa produtora de notícia e o pequeno blog.
A mobilização dos repórteres-fotográficos, profissionais da comunicação e militantes que, na semana passada, divulgaram fotos usando um tapa-olho, é, portanto, mais do que uma amostra do inconformismo com a decisão da Justiça e de apoio a Alex. É também um ato em defesa da liberdade de expressão, informação e imprensa em nosso país.
O Intervozes vem debatendo a necessidade de proteção aos comunicadores na cobertura de protestos desde que a violência contra repórteres, cinegrafistas, fotógrafos e midialivristas eclodiu nas manifestações de junho passado. O assunto foi tema de um recente debate organizado pelo coletivo em parceria com a organização Artigo 19 no dia 20 de agosto, com a presença da Relatora Especial para Liberdade de Expressão da OEA (Organização dos Estados Americanos), Catalina Botero.
Na última semana, a Justiça paulista decidiu o injustificável, em um país considerado democrático: culpar o repórter-fotográfico Alex Silveira por ter perdido a visão ao ser atingido por uma bala de borracha lançada pela Polícia Militar durante um protesto em 2010.
Neste momento, o Intervozes se coloca uma vez mais ao lado dos comunicadores, que lançaram uma campanha para dar visibilidade à decisão absurda da Justiça e manifestar sua solidariedade a Alex. Convidamos a também foto-jornalista Julia Chequer, que participa da mobilização, para contar para o nosso blog essa história.
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Por Julia Chequer
À época funcionário do jornal Agora São Paulo, do grupo Folha, Alex cobria uma manifestação de servidores da saúde e da educação, na avenida Paulista, quando foi atingido pela Tropa de Choque, que usou balas de borracha, gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral contra os manifestantes.
Alex, que perdeu 80% da visão do olho esquerdo, fez o que todo cidadão deveria fazer. Processou o Estado pela violência injustificável e pediu uma indenização por danos materiais e morais. A resposta da Justiça foi a pior possível. A sentença parte do princípio de que, em momentos de confronto, o profissional de imprensa que ficar para exercer seu papel de cúmplice e interlocutor dos fatos pode ser agredido pelas forças do Estado.
“Permanecendo no local do tumulto, dele não se retirando ao tempo em que o conflito tomou proporções agressivas e de risco à integridade física, mantendo-se, então, no meio dele, nada obstante seu único escopo de reportagem fotográfica, o autor [refere-se ao repórter-fotográfico] colocou-se em quadro no qual se pode afirmar ser dele a culpa exclusiva do lamentável episódio do qual foi vítima”, escreveu o relator do caso, desembargador Vicente de Abreu Amadei.
Trata-se de um precedente assombroso para o livre exercício da imprensa e, nesse sentido, para a democracia no país. E, pior: a história de Alex Silveira está longe de ser um caso isolado. Durante as “jornadas de junho” de 2013, foi impressionante o número de colegas chegando em redações sangrando, mancando. Houve aqueles que não voltaram para o local de trabalho, por estarem hospitalizados e até presos.
Tampouco se trata do acaso. Em geral, quando imagens de violência policial são feitas, é possível visualizar o agressor mirando em nossa direção. Daí a quantidade de profissionais atingidos no rosto no ano passado, dentre eles, Giuliana Vallone, então repórter da TV Folha - que não foi atingida no olho porque usava óculos -, e o repórter-fotográfico Sérgio Lima, que também perdeu a visão do olho esquerdo, ambos vítimas de bala de borracha.
Em todos esses casos, no entanto, a mobilização pública contra a violência praticada contra comunicadores não chegou perto à que seguiu a morte do cinegrafista da TV Bandeirantes, Santiago Ilídio Andrade, atingido por explosivo durante um protesto no Rio de Janeiro. Claro que uma morte choca. Mas talvez o que tenha diferenciado a repercussão de uma violência da de outra tenha sido o autor da violência: no caso de Alex, o Estado; no de Santiago, um manifestante.
A violência do Estado contra manifestantes tem sido praxe no Brasil, resquício das práticas da ditadura. Mas choca ainda mais a violência contra a imprensa. Não porque ela tem um status diferente do que gozam os demais cidadãos. Não. Mas porque comunicadores, em seu exercício profissional, garantem uma série de direitos humanos coletivos à população, como o acesso à informação e o direito de participação na vida política, que também são violados quando a imprensa se torna alvo. A presença da mídia nas manifestações também é importante para coibir o uso da violência, e é combustível para um debate plural sobre o que está sendo reportado, seja lá qual o tema do protesto. Cabe lembrar que toda pessoa em ato de registro de uma mobilização deve ser tratada como imprensa, sem distinção entre a grande empresa produtora de notícia e o pequeno blog.
A mobilização dos repórteres-fotográficos, profissionais da comunicação e militantes que, na semana passada, divulgaram fotos usando um tapa-olho, é, portanto, mais do que uma amostra do inconformismo com a decisão da Justiça e de apoio a Alex. É também um ato em defesa da liberdade de expressão, informação e imprensa em nosso país.
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