Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
A agenda política mostra fatos decisivos em futuro próximo, a começar pelo escândalo da Petrobras num horizonte próximo, o que obriga a lembrar o vexaminoso tratamento amigo dispensado aos réus do mensalão do PSDB-MG, visível num retrovisor não muito distante, até porque os acusados sequer foram julgados em primeira instância. São fatos que mostram, por si, a inconveniência de alterar as regras do Judiciário para atender a vantagens políticas.
Os benefícios e prejuízos são óbvios demais.
A verdade é que o país acaba de atravessar uma campanha presidencial disputada como nunca se viu desde a democratização. E mesmo assim, nunca se falou deste assunto, nem uma única vez, o que é mesmo espantoso.
Só no segundo turno, tivemos quatro debates presidenciais nas principais emissoras de TV. Já no primeiro turno, os sete candidatos não só compareceram ao mesmo número de debates, mas ocorreram as sabatinas nos principais jornais. Lembre dos inúmeros assuntos tratados. Lembre das infinitas oportunidades para se falar sobre o STF. Nestes encontros, todos tinham direito de apresentar suas propostas e sugestões para o futuro do país. Também podiam fazer perguntas entre si, com réplica e tréplica. Supondo que cada um desses encontros tenha durado, por baixo, 60 minutos, tivemos no total uma janela de onze horas para cada um dos concorrentes se colocar esse assunto em discussão. Imagine quantas perguntas poderiam ter sido feitas. Quantas explicações. Quantos esclarecimentos.
Também tivemos o horário político, iniciado em 15 de agosto para durar até 3 de outubro. Todo mundo lá, com seus minutos sempre preciosos diante do eleitorado. No segundo turno, cada candidato teve direito a dez minutos diários para levantar essa discussão — se tivesse interesse real num debate. O eleitor estaria informado da discussão.
Mas preste atenção: enquanto a oposição possuía uma chance - real ou teórica - de assumir a presidência a partir de 2015, nenhum de seus candidatos achou conveniente tocar na PEC da Bengala, embora seja uma medida que, por si só, irá adiar cinco aposentadorias compulsórias no Tribunal durante o mandato presidencial que se inicia em janeiro de 2015 para terminar em janeiro de 2019.
São cinco vagas num tribunal de onze, num pais onde a judicialização se consagrou como método político de ação da oposição - derrotada quatro vezes consecutivas nas urnas - desde a AP 470.
Conforme a legislação em vigor os ministros devem ser substituídos na medida em que cada ministro atinge a idade limite de 70 anos, por nomes indicados pela presidente Dilma Rousseff - mas que devem passar por uma sabatina no Senado para serem aprovados por maioria.
Você pode imaginar, lendo os discursos dos adversários do governo, que estamos diante de uma virada política radical na Corte. A realidade está longe de ser essa.
Pela regra em vigor, apenas um ministro seria aposentado em 2015. Um segundo, em 2016. Três, em 2018 — que será, em qualquer hipótese, o último ano de Dilma no Planalto, quando é difícil lançar candidatos ao STF, como se viu com a vaga de Joaquim Barbosa, ainda em aberto. Com o adiamento das aposentadorias, as mudanças iriam ocorrer cinco anos depois — após 2016, quando a oposição terá, novamente, a chance de disputar a presidência da República. Não estamos mudando nada, meus amigos. Apenas dando uma chance aos vencidos de 2014. Com a PEC, os cinco de hoje serão os mesmos cinco daqui a quatro anos. Deu para entender, certo? Alguém acredita que estamos falando de princípios democráticos?
O ponto vergonhoso é o seguinte: em 2014, a oposição preferiu atitude preventiva: se fosse vitoriosa, não iria desperdiçar a chance de fazer aquilo que tenta negar a Dilma.
A tentativa de mudar a regra é mais um esforço para dar sequência a estratégia de afogamento da presidente, exercida sem pudor, à vista de todos, após a derrota eleitoral no segundo turno — agora, pela ampliação da judicialização da política, que é um esforço para reforçar os poderes político-jurídicos exercidos por autoridades que não respondem ao voto popular.
Também ajuda a entender o debate necessário sobre quais regras no STF pode ser alteradas — nunca de forma improvisada, para se tentar obter, no tribunal, vitórias que foram negadas pelas urnas.
O adiamento das aposentadorias seria uma medida ruim para o país, qualquer que seja seu presidente. Equivale a uma alteração de profunda repercussão institucional para favorecer interesses pequenos — ainda que eles possam implicar, nos sabemos, em mudanças de grande porte.
Alguns defensores da medida dizem que o novo limite de idade é coerente com a elevação da expectativa de vida da maioria dos brasileiros. É um argumento fraco. O ponto em debate não é saber se os ministros têm saúde para exercer seus cargos, mas se interessa a um país, onde o Legislativo e o Executivo renovam seus mandatos de quatro em quatro anos, e onde a oposição fez campanha contra a reeleição para um segundo mandato, sempre de quatro anos, deve abrigar um STF com mandatos cada vez mais longos, não-eleitos.
Num país que pede mais democracia, transparência, maior participação popular, vamos defender a blindagem do Supremo?
Outro argumento, interessantíssimo, é financeiro. No passado, quando em campanha pela PEC, ministros diziam que ela ajudaria a fazer uma economia de milhões de reais. Cabe perguntar se a conta inclui mais recentes aumentos salariais e institucionalização de benefícios.
Num país onde a expectativa de vida ao nascer é de 74,6 anos, a proposta de ampliar o mandato até os 75 implica em criar cargos vitalícios. A ideia é mesmo essa?
Claro que não é uma boa ideia.
A PEC vai em linha oposta ao debate democrático em curso há anos sobre o STF, que envolve a discussão de mandatos por tempo determinado — por prazo de dez ou quinze anos, conforme vários estudiosos do assunto — e o aperfeiçoamento dos métodos de escolha dos novos ministros.
Isso porque se sabe que, como acontece em todas as instituições do planeta, o mundo das togas negras é formado por homens de carne e osso, falíveis por natureza, sujeitos a pressões de toda ordem.
A bengala impede a oxigenação do tribunal que tem a ultima palavra nos assuntos jurídicos, favorece a cristalização de interesses corporativos e a consolidação de uma jurisprudência conservadora. Na melhor das hipóteses, representa uma nova iniciativa para imitar um exemplo — neste caso, ruim — da Suprema Corte dos Estados Unidos. Lá, os mandatos são vitalícios. Como já sabemos, a bengala mandatos mais longo do que a existência presumida da média dos brasileiros, não é mesmo?
Mas não é só isso.
Consolidando um poder que atende as preferências que definiram as escolhas dos juízes, décadas atrás, a Suprema Corte dos EUA é hoje um foco de resistência do Partido Republicano em Washington. Na eleição de 2000, garantiu a posse de George W. Bush na presidência, que enfrentava uma acusação consistente de fraude na contagem de votos no Estado da Flórida. Também é ali que o conservadorismo mais extremo procura abrigo para impedir mudanças democráticas em áreas delicadas, como as contribuições financeiras. A própria lei que legalizou o aborto corre o risco de ser revista em função dessa maioria conservadora.
É um tribunal desse tipo que interessa ao país?
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