Por Fabio Serapião, na revista CartaCapital:
O governador de São Paulo, o tucano Geraldo Alckmin, reeleito com no primeiro turno com 57% dos votos válidos, deparou-se com alguns jornalistas ao chegar a um almoço em homenagem ao falecido Mário Covas no domingo 14. Conforme noticiou o portal de O Estado de S. Paulo, indagado sobre a corrupção na Petrobras e na compra de trens do Metrô e CPTM, disse que os dois casos são "coisas diferentes". Segundo o tucano, em "São Paulo não tem nada, nada comprovado, há uma suspeita de cartel onde o governo é vítima". Na Petrobras, diz ele, trata-se de parte de uma “doença sistêmica”.
Desde o dia 17 de março o caso Petrobras toma conta do noticiário nacional. Como é sabido, a Polícia Federal ao longo das fases da operação Lava Jato descobriu um cartel formado pelas maiores empreiteiras a atuar na petroquímica. Segundo a força tarefa montada para apurar os crimes, o chamado "Clube" teria pagado centenas de milhões de reais em propina a políticos e diretores da estatal, em troca de contratos em diversas diretorias da companhia. O esquema teria começado em 2006 e se estendido até 2014. Somente um diretor, Pedro Barusco, como lembrado por Alckmin em sua entrevista, aceitou devolver 100 milhões de dólares provenientes de propina recebida das empresas. A cifra deve ser ainda maior, como apontam as investigações em andamento.
Trata-se do maior escândalo de corrupção investigado, nos quais os indiciados foram denunciados e uma ação penal foi aceita. O juiz federal Sergio Moro, em menos de três meses, autorizou a busca a apreensão nas empreiteiras, prisão dos executivos citados, deu prazo para encerramento dos inquéritos, acolheu as denúncias e marcou as primeiras audiências para o começo de fevereiro. Até o fim do ano, saberemos quem serão os executivos e agentes públicos sem foro privilegiados que serão condenados em primeira instância pelo cartel e consequente corrupção.
O cartel do Metrô e CPTM apareceu no noticiário em 2013, quando a alemã Siemens assinou um acordo de leniência com o Cade, órgãos antitruste federal, no qual delatou participar de um grupo de empresas que atuou nos contratos firmados com as estatais paulistas entre 1998 e 2008, período em que o estado esteve sob comando do PSDB. Posteriormente, o Ministério Público Estadual e o Cade descobriram que contratos mais atuais também foram alvo do esquema. A partir de 2008, denúncias sobre o pagamento de propina nos contratos das estatais começaram a aparecer nos bastidores da política paulista. Um ex-diretor da Siemens distribuiu algumas cópias dos contratos da empresa alemã com offshores sediados no Uruguai em nome dos irmãos Arthur e Sergio Teixeira, o último já falecido. Os dois seriam, segundo a Polícia Federal, os operadores do esquema. Possuíam consultorias que recebiam o dinheiro das empresas e repassavam pra agentes públicos. Eram como o doleiro Alberto Youssef na Operação Lava Jato, responsáveis pela engrenagem do esquema.
As empresas eram a Gantown e a Leraway. Depois, descobriu-se ainda a GHT Consulting. Todas sediadas no Uruguai e abastecidas pela Siemens e outras empresas, como a Alstom. Não se tem notícia sobre pedidos de cooperação jurídica com o Uruguai para descobrir o destino no dinheiro movimentado nas offshores dos Teixeira. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, chegou a pedir a diligência ao Supremo Tribunal Federal, mas o ministro Marco Aurélio Mello negou. O Ministério Público paulista já denunciou 30 executivos das empresas envolvidas no cartel e acionou por improbidade ex-diretores. No âmbito criminal, no entanto, ainda não denunciou agentes públicos.
No inicio de dezembro, a Polícia Federal indiciou criminalmente 33 envolvidos por corrupção ativa, corrupção passiva, cartel, crime licitatório, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Entre eles, o atual presidente da CPTM, Mario Bandeira, e o atual diretor de operação, José Lavorente. Apenas por um contrato, da linha 5 do Metrô, a Polícia Federal pediu e a Justiça bloqueou 614 milhões em bens dos envolvidos. No pedido enviado a Justiça Federal em São Paulo, o delegado Milton Fornazari Júnior detalha em 154 tópicos a ação do cartel e os motivos que o levaram a pedir o bloqueio milionário. Com base na documentação amealhada, Fornazari estipula em 9% do valor dos contratos assinados entre as estatais e as multinacionais do setor metroferroviário como destinado ao pagamento de propina a agentes públicos e políticos de São Paulo.
Os dois cartéis, ao contrário do que afirma o governador Alckmin, possuem características iguais. Os alvos são estatais, nos dois casos vítimas de empresas corruptoras aliadas a agentes públicos dispostos a afrouxar as normas administrativas e legais em troca de volumosos repasses de propina. As duas investigações foram possíveis graças a acordos de delação premiada. No Metrô, além da delação do ex-diretor da Siemens Everton Rheinheimer, a própria empresa assinou um acordo de leniência no qual entregou toda a documentação referente às tratativas que resultaram no loteamento das licitações para compra, reforma e manutenção de trens. O provimento da engrenagem financeira, em ambos os cartéis, ficou por conta de operadores que realizavam "consultorias", amparados por doleiros.
No caso dos operadores de câmbio, responsáveis pela movimentação e disponibilização do numerário, os dois cartéis se encontram. Raul Srour, preso com Alberto Youssef, em 17 de março, acusado de encabeçar um dos núcleos de doleiros ligado ao banco de dinheiro sujo do pivô do escândalo da Petrobras, é titular da offshore Cristal Financial Services. Sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, segundo depoimentos de funcionários da Siemens, a conta no paraíso fiscal foi utilizada para escoar o dinheiro utilizado para o pagamento de propina a agentes públicos paulistas. As diferenças também existem. Os valores envolvidos no cartel da Petrobras são maiores.
O tempo do Judiciário paulista é diferente da Justiça Federal do Paraná e do juiz Sergio Moro, no entanto. Mesmo após o acordo de leniência da Siemens, em 2013, as instâncias paulistas ainda não condenaram um só envolvido. No sul, Moro aceitou várias denúncias e até o fim de 2015 deverá produzir as primeiras sentenças.
A posição de Alckmin demonstra a tentativa do tucano em se distanciar do caso da Petrobras, mas se dá de forma oportuna. Além das convergências citadas acima, o governador deveria lembrar-se do fato de que as mesmas empresas atuantes na estatal federal atuaram em obras milionárias da administração direta e indireta do estado. Vale lembrar, também, que a força tarefa da Lava Jato mira os contratos apontados na falecida operação Castelo de Areia como alvo de pagamento de propina da construtora Camargo Correa. O documentos apreendidos à época da investigação comprometem boa parte da nata do tucano paulista. Experiente e safo, Alckmin deveria utilizar as oportunidades de manifestação sobre os escândalos para lembrar que base de todo problema são as relações entre o financiamento de campanhas políticas e empresas interessadas em encher os bolsos com contratos públicos. São elas o agente causador da "doença sistêmica" chamada corrupção da qual nem o governo federal nem o estadual estão imunes.
Desde o dia 17 de março o caso Petrobras toma conta do noticiário nacional. Como é sabido, a Polícia Federal ao longo das fases da operação Lava Jato descobriu um cartel formado pelas maiores empreiteiras a atuar na petroquímica. Segundo a força tarefa montada para apurar os crimes, o chamado "Clube" teria pagado centenas de milhões de reais em propina a políticos e diretores da estatal, em troca de contratos em diversas diretorias da companhia. O esquema teria começado em 2006 e se estendido até 2014. Somente um diretor, Pedro Barusco, como lembrado por Alckmin em sua entrevista, aceitou devolver 100 milhões de dólares provenientes de propina recebida das empresas. A cifra deve ser ainda maior, como apontam as investigações em andamento.
Trata-se do maior escândalo de corrupção investigado, nos quais os indiciados foram denunciados e uma ação penal foi aceita. O juiz federal Sergio Moro, em menos de três meses, autorizou a busca a apreensão nas empreiteiras, prisão dos executivos citados, deu prazo para encerramento dos inquéritos, acolheu as denúncias e marcou as primeiras audiências para o começo de fevereiro. Até o fim do ano, saberemos quem serão os executivos e agentes públicos sem foro privilegiados que serão condenados em primeira instância pelo cartel e consequente corrupção.
O cartel do Metrô e CPTM apareceu no noticiário em 2013, quando a alemã Siemens assinou um acordo de leniência com o Cade, órgãos antitruste federal, no qual delatou participar de um grupo de empresas que atuou nos contratos firmados com as estatais paulistas entre 1998 e 2008, período em que o estado esteve sob comando do PSDB. Posteriormente, o Ministério Público Estadual e o Cade descobriram que contratos mais atuais também foram alvo do esquema. A partir de 2008, denúncias sobre o pagamento de propina nos contratos das estatais começaram a aparecer nos bastidores da política paulista. Um ex-diretor da Siemens distribuiu algumas cópias dos contratos da empresa alemã com offshores sediados no Uruguai em nome dos irmãos Arthur e Sergio Teixeira, o último já falecido. Os dois seriam, segundo a Polícia Federal, os operadores do esquema. Possuíam consultorias que recebiam o dinheiro das empresas e repassavam pra agentes públicos. Eram como o doleiro Alberto Youssef na Operação Lava Jato, responsáveis pela engrenagem do esquema.
As empresas eram a Gantown e a Leraway. Depois, descobriu-se ainda a GHT Consulting. Todas sediadas no Uruguai e abastecidas pela Siemens e outras empresas, como a Alstom. Não se tem notícia sobre pedidos de cooperação jurídica com o Uruguai para descobrir o destino no dinheiro movimentado nas offshores dos Teixeira. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, chegou a pedir a diligência ao Supremo Tribunal Federal, mas o ministro Marco Aurélio Mello negou. O Ministério Público paulista já denunciou 30 executivos das empresas envolvidas no cartel e acionou por improbidade ex-diretores. No âmbito criminal, no entanto, ainda não denunciou agentes públicos.
No inicio de dezembro, a Polícia Federal indiciou criminalmente 33 envolvidos por corrupção ativa, corrupção passiva, cartel, crime licitatório, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Entre eles, o atual presidente da CPTM, Mario Bandeira, e o atual diretor de operação, José Lavorente. Apenas por um contrato, da linha 5 do Metrô, a Polícia Federal pediu e a Justiça bloqueou 614 milhões em bens dos envolvidos. No pedido enviado a Justiça Federal em São Paulo, o delegado Milton Fornazari Júnior detalha em 154 tópicos a ação do cartel e os motivos que o levaram a pedir o bloqueio milionário. Com base na documentação amealhada, Fornazari estipula em 9% do valor dos contratos assinados entre as estatais e as multinacionais do setor metroferroviário como destinado ao pagamento de propina a agentes públicos e políticos de São Paulo.
Os dois cartéis, ao contrário do que afirma o governador Alckmin, possuem características iguais. Os alvos são estatais, nos dois casos vítimas de empresas corruptoras aliadas a agentes públicos dispostos a afrouxar as normas administrativas e legais em troca de volumosos repasses de propina. As duas investigações foram possíveis graças a acordos de delação premiada. No Metrô, além da delação do ex-diretor da Siemens Everton Rheinheimer, a própria empresa assinou um acordo de leniência no qual entregou toda a documentação referente às tratativas que resultaram no loteamento das licitações para compra, reforma e manutenção de trens. O provimento da engrenagem financeira, em ambos os cartéis, ficou por conta de operadores que realizavam "consultorias", amparados por doleiros.
No caso dos operadores de câmbio, responsáveis pela movimentação e disponibilização do numerário, os dois cartéis se encontram. Raul Srour, preso com Alberto Youssef, em 17 de março, acusado de encabeçar um dos núcleos de doleiros ligado ao banco de dinheiro sujo do pivô do escândalo da Petrobras, é titular da offshore Cristal Financial Services. Sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, segundo depoimentos de funcionários da Siemens, a conta no paraíso fiscal foi utilizada para escoar o dinheiro utilizado para o pagamento de propina a agentes públicos paulistas. As diferenças também existem. Os valores envolvidos no cartel da Petrobras são maiores.
O tempo do Judiciário paulista é diferente da Justiça Federal do Paraná e do juiz Sergio Moro, no entanto. Mesmo após o acordo de leniência da Siemens, em 2013, as instâncias paulistas ainda não condenaram um só envolvido. No sul, Moro aceitou várias denúncias e até o fim de 2015 deverá produzir as primeiras sentenças.
A posição de Alckmin demonstra a tentativa do tucano em se distanciar do caso da Petrobras, mas se dá de forma oportuna. Além das convergências citadas acima, o governador deveria lembrar-se do fato de que as mesmas empresas atuantes na estatal federal atuaram em obras milionárias da administração direta e indireta do estado. Vale lembrar, também, que a força tarefa da Lava Jato mira os contratos apontados na falecida operação Castelo de Areia como alvo de pagamento de propina da construtora Camargo Correa. O documentos apreendidos à época da investigação comprometem boa parte da nata do tucano paulista. Experiente e safo, Alckmin deveria utilizar as oportunidades de manifestação sobre os escândalos para lembrar que base de todo problema são as relações entre o financiamento de campanhas políticas e empresas interessadas em encher os bolsos com contratos públicos. São elas o agente causador da "doença sistêmica" chamada corrupção da qual nem o governo federal nem o estadual estão imunes.
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