Por Anna Beatriz Anjos, na revista Fórum:
Grandes empresas cartelizadas, contratos superfaturados, pagamento de propina. Quem acompanha os noticiários em tempos de Operação Lava Jato dirá que o cenário descrito remete ao esquema de corrupção operante há anos na Petrobras. Mas as práticas, na verdade, estendem-se a outro caso, investigado no Brasil desde 2008, mas um pouco menos explorado pela mídia tradicional: a formação de cartel em licitações do sistema de trens e metrôs de São Paulo, mais conhecido como “Trensalão”.
Nele, duas estatais também servem de terreno para atividades fraudulentas: a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) e a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), ambas subordinadas ao governo do estado de São Paulo, há vinte anos comandado por políticos do PSDB. A exemplo do que ocorreu com o escândalo da Petrobras, o “Trensalão” tem sido investigado em várias frentes.
A Polícia Federal, uma delas, concluiu seu inquérito no último dia 4 e indiciou 33 pessoas por envolvimento com o esquema. No mesmo dia, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) pediu a extinção das subsidiárias brasileiras de dez empresas envolvidas, além da devolução aos cofres públicos de R$ 418,5 milhões relativos ao período de 2000 a 2002. Em março, o MPSP já havia denunciado criminalmente à Justiça 30 executivos de doze corporações acusadas de participação na rede de corrupção.
Identificando corruptores
Foi em 2013 que novidades importantes ocorreram e impulsionaram os trabalhos de apuração do caso. Em maio, a multinacional alemã Siemens procurou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), autoridade antitruste ligada ao Ministério da Justiça, e firmou um acordo de leniência. Em troca de informações sobre a atuação do suposto cartel, os executivos delatores receberam proteção judicial.
De acordo com as investigações do Cade, 18 empresas são acusadas de envolvimento no esquema, que agiu no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Distrito Federal e em São Paulo – este último contendo a maior parte dos contratos superfaturados. Além da própria Siemens, Alstom (França), CAF (Espanha), Bonbardier (Canadá) e Mitsui (Japão) estão entre as corporações suspeitas. Fornecedoras de material e serviços para o sistema de transporte metro-ferroviário de São Paulo, reuniam-se, antes do início do processo, e definiam quem venceria a licitação. Pelo acordo, a ganhadora subcontratava as perdedoras, que recebiam lotes das obras. Ou seja, era um jogo de cartas marcadas.
As companhias ainda teriam superfaturaturado em até 30% os preços dos serviços a serem prestados, de modo a maximizar seu lucro. Os cinco contratos investigados pelo MPSP até o momento, firmados entre 1998 e 2008, somam R$ 2,7 bilhões em valores da época, segundo cálculos do promotor Marcelo Mendroni, um dos investigadores do caso. Se aplicada a taxa de 30% de superfaturamento, a estimativa é de que o sobrepreço atinja a casa dos R$ 835 milhões.
Para que a rede funcionasse, o cartel pagava propina a servidores públicos. Segundo a Polícia Federal, lobistas e consultores “fictícios”, junto a suas consultorias privadas, articulavam os acordos entre as partes – caminho batizado de “propinoduto”. Um desses intermediadores seria o engenheiro Arthur Gomes Teixeira, presente na lista de indiciamentos da PF.
Além dele, foram relacionados executivos das empresas envolvidas – como Adilson Primo, ex-presidente da Siemens – e dirigentes e ex-dirigentes da CPTM. Neste último grupo, destacam-se alguns nomes. Primeiro, o de João Roberto Zaniboni, diretor de operações e manutenção da estatal durante os governos de Mário Covas e Geraldo Alckmin (primeiro mandato), que mantinha na Suíça uma conta com US$ 826 mil, valor que promotores brasileiros e suíços suspeitam ser oriundo de propina – no fim de 2013, o país europeu o condenou por lavagem de dinheiro, confiscou seus bens e lhe aplicou uma multa. Depois, o de Ademir Venâncio de Araújo, diretor de engenharia e obras da companhia no mesmo período, cujas cinco contas em um banco suíço abrigavam R$ 1,2 milhão de reais, também bloqueados graças a sua origem suspeita.
Estão na lista também os atuais presidente e diretor de operações da CPTM, Mário Manuel Bandeira e José Luiz Lavorente, respectivamente. Bandeira, mesmo indiciado, foi defendido por Alckmin no começo do mês, quando o governador afirmou que o servidor é uma pessoa “extremamente respeitada”, que lhe gera “impressão positiva”. O tucano mudou de ideia dias depois e declarou, na última terça-feira (9), que realizará “trocas” no comando da empresa. O promotor Marcelo Milani, que atualmente conduz a apuração no MPSP, já havia declarado publicamente que a não substituição dos acusados seria um erro. “Tenho a certeza que eles têm que ser afastados, mas não sou o governador”, completou.
Milani disse acreditar que as irregularidades se mantêm até hoje nos contratos firmados entre a CPTM e estas empresas. Ele, que viajou à Suíça recentemente com outros promotores e procuradores da República, teve acesso a novos documentos e informações que podem levar à indicação de outros envolvidos. A partir disso, a previsão é de que uma investigação seja deflagrada em torno desses contratos mais recentes.
Para o deputado estadual Luiz Claudio Marcolino – líder do PT na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) em 2013, quando o esquema estourou – apesar dos resultados, as investigações não foram realizadas da melhor maneira. “No caso do Ministério Público Estadual, por exemplo, eles sentaram em cima do processo. Tinham a denúncia, as informações, podiam ter ido a fundo – feito quebra de sigilo bancário, fiscal, colhido depoimentos, buscado suspensão de contratos, uma série de encaminhamentos que não fizeram. Passaram-se anos para que o processo fosse retomado. Quem desviou o recurso já poderia ter sido condenado, as empresas podiam já não estar mais prestando serviços ao estado de São Paulo”, argumenta.
No parecer do MPSP, já está comprovada a fraude em licitações dos trens e metrôs paulistas. Em trecho da peça que pede a dissolução das filiais brasileiras, consta que “as empresas requeridas foram beneficiadas com as celebrações de contratos com o Poder Público, de forma ilegal e inconstitucional”. O governador Geraldo Alckmin (PSDB), entretanto, não abre mão de isentar a si e seus antecessores tucanos de qualquer responsabilidade sobre os fatos. Em diversas ocasiões, garantiu que nenhum deles tinha consciência do que ocorria no subterrâneo das negociações.
Mas se os chefes estavam alheios às práticas corruptas, alguns de seus funcionários de confiança não só sabiam delas, como as integravam. É o caso de Robson Marinho, um dos fundadores do PSDB e principal secretário da gestão de Mário Covas, ao ocupar, de 1995 a 1997, a chefia da Casa Civil. Em agosto, ele foi afastado pela Justiçado cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), após suspeitas de que tenha auxiliado, mediante recebimento de propina, a espanhola Alstom a conseguir um contrato sem licitação com estatais do setor de energia de São Paulo em 1998, ainda no governo Covas.
Fracasso político
Paralelamente às investigações nos órgãos competentes, o Legislativo também tentou, sem sucesso, iniciar sua própria apuração. Na Alesp, a bancada de oposição tenta, desde agosto de 2013, instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para averiguar as denúncias sobre formação de cartel nos trens e metrôs de São Paulo. PT, Psol, PC do B, PDT, um deputado do DEM e uma do PMDB se manifestaram a favor da medida, somando 29 assinaturas – três a menos do que o número necessário para a abertura, 32. Ao se abster de assinar o documento para a sua criação, parlamentares do PSDB ou da base governista, formada por PMDB, DEM, PSD e PV, engavetaram a comissão.
“Os deputados ligados ao governador Alckmin fizeram de tudo para que a investigação não acontecesse de fato na Assembleia. Obstruíram tanto qualquer tentativa de abertura da CPI, quanto as convocações do presidente do Metrô, CPTM, das pessoas indicadas por envolvimento no sistema do cartel. A gente tentava convocar para vir à Comissão de Infraestrutura ou à de Transporte [permanentes da Casa], e eles obstruíam”, atesta Luiz Claudio Marcolino.
“O governo Alckmin controla com mãos de ferro a Alesp, as comissões, o plenário, a aprovação de projetos de lei e sobretudos as CPIs – não passa nenhuma sem a autorização do Palácio dos Bandeirantes”, complementa o deputado estadual Carlos Gianazzi (Psol). “É totalmente blindado na Assembleia. Tem a completa maioria – dos 94, só 29 deputados são de oposição.”
Em agosto, a reportagem da Fórum questionou Alckmin pessoalmente sobre suposta orientação repassada aos aliados para não assinarem o requerimento. “A Assembleia Legislativa é autônoma”, respondeu o tucano à ocasião, sem dar brechas para outras perguntas.
Fim semelhante tomaram as iniciativas de investigação no Congresso Nacional. Por lá, uma CPI mista chegou a ser criada em maio, mas encerrou as atividades na última terça-feira (9) sem realizar sequer uma reunião ou eleger presidente e relator que conduzissem suas atividades. O prazo de prorrogação dos trabalhos terminou no dia 3, e não houve pedidos para que permanecesse em funcionamento.
O senador Walter Pinheiro (PT-BA) atribui o fechamento da CPI à atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário. “Eles estão revelando com muito mais propriedade do que poderia ser feito aqui. São pessoas treinadas para isso”, relatou à Folha de S. Paulo.
Marcolino não concorda com o colega de partido. “Acaba sendo um erro não ter dado continuidade a esse processo. Brasília poderia ter esse papel de fazer a investigação mais a fundo”, coloca. “Às vezes, a questão da CPI no Congresso é tratada como questão de revanche política – já que abriu dos Correios, da Petrobras, vamos abrir do Metrô e CPTM. Mas não é. Estamos falando de empresas grandes, que recebem recursos da Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, BNDES [bancos públicos]. Empresas cujos contratos comprovadamente apresentam problemas. A Câmara e o Senado têm elementos suficientes para abrir uma CPI sobre o Metrô e a CPTM.”
Cobertura: dois pesos, duas medidas
Se, tanto em âmbito estadual como federal, a maioria no Poder Legislativo parece não ter dado ao caso a devida atenção, sufocando os esforços daqueles que tentaram, de algum modo, apurá-lo, o assunto tampouco recebeu os holofotes que merecia por parte da imprensa tradicional.
Os grandes veículos de comunicação não deixaram de realizar a cobertura do esquema. A delação da Siemens ao Cade, pontapé inicial das investigações, foi revelada por matéria da Folha de S. Paulo, publicada em julho de 2013. Os demais “jornalões” e seus respectivos portais também acompanharam o desenrolar dos fatos. A revista IstoÉ produziu uma série de reportagens investigativas sobre o cartel. Entretanto, tudo isso não foi suficiente para alçá-lo à repercussão nacional atingida, por exemplo, pela Operação Lava Jato.
Para o jornalista Laurindo Leal Filho, doutor em Ciências da Comunicação e professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), na comparação da cobertura dos dois episódios, constata-se uma seletividade por parte dos meios de comunicação. “A mídia tradicional tem vínculos históricos com os setores mais conservadores da sociedade, e quando surgem fatos que podem abalar esse vínculo, como é caso do cartel dos trens e metrô, a cobertura é minimizada”, analisa.
Segundo Leal, o problema não é a ausência de conteúdo, mas sim a maneira como o assunto é tratado. Enquanto a Lava Jato, a cada pequena novidade, ganha sucessões de manchetes, o “Trensalão” é frequentemente escondido. “O espaço dado a essa cobertura é reduzido”, coloca o professor.
Além disso, ele atenta para o que chama de “despersonalização e despolitização” da informação. “Você dissolve a denúncia em diversas pessoas, escondendo o partido responsável. Essa é a forma com que se cobre denúncias que atingem aliados da mídia. Quando não são eles, o procedimento é o contrário: da exacerbação dos casos, politização exagerada, implicando sempre o partido que se quer que seja atingido”, explica.
Os efeitos dessa seletividade se evidenciam na opinião pública. “É muito difícil alguém ter clareza sobre o que aconteceu com os trens e metrô de São Paulo, diferente do escândalo da Petrobras. A mídia tradicional o transformou em situação de fácil entendimento para as pessoas”, avalia o jornalista, que destaca, ainda, que até a escolha dos termos utilizados é diferente: “No caso do metrô, é cartel, no da Petrobras, é quadrilha”, completa.
Carlos Gianazzi, por experiência própria, ratifica a versão de que a imprensa paulista utiliza dois pesos e duas medidas. “No geral, não há espaço. Eu mesmo faço muitas denúncias ao Ministério Público, passo pautas para os veículos, mas nunca dão em nada”, repara.
Grandes empresas cartelizadas, contratos superfaturados, pagamento de propina. Quem acompanha os noticiários em tempos de Operação Lava Jato dirá que o cenário descrito remete ao esquema de corrupção operante há anos na Petrobras. Mas as práticas, na verdade, estendem-se a outro caso, investigado no Brasil desde 2008, mas um pouco menos explorado pela mídia tradicional: a formação de cartel em licitações do sistema de trens e metrôs de São Paulo, mais conhecido como “Trensalão”.
Nele, duas estatais também servem de terreno para atividades fraudulentas: a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) e a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), ambas subordinadas ao governo do estado de São Paulo, há vinte anos comandado por políticos do PSDB. A exemplo do que ocorreu com o escândalo da Petrobras, o “Trensalão” tem sido investigado em várias frentes.
A Polícia Federal, uma delas, concluiu seu inquérito no último dia 4 e indiciou 33 pessoas por envolvimento com o esquema. No mesmo dia, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) pediu a extinção das subsidiárias brasileiras de dez empresas envolvidas, além da devolução aos cofres públicos de R$ 418,5 milhões relativos ao período de 2000 a 2002. Em março, o MPSP já havia denunciado criminalmente à Justiça 30 executivos de doze corporações acusadas de participação na rede de corrupção.
Identificando corruptores
Foi em 2013 que novidades importantes ocorreram e impulsionaram os trabalhos de apuração do caso. Em maio, a multinacional alemã Siemens procurou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), autoridade antitruste ligada ao Ministério da Justiça, e firmou um acordo de leniência. Em troca de informações sobre a atuação do suposto cartel, os executivos delatores receberam proteção judicial.
De acordo com as investigações do Cade, 18 empresas são acusadas de envolvimento no esquema, que agiu no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Distrito Federal e em São Paulo – este último contendo a maior parte dos contratos superfaturados. Além da própria Siemens, Alstom (França), CAF (Espanha), Bonbardier (Canadá) e Mitsui (Japão) estão entre as corporações suspeitas. Fornecedoras de material e serviços para o sistema de transporte metro-ferroviário de São Paulo, reuniam-se, antes do início do processo, e definiam quem venceria a licitação. Pelo acordo, a ganhadora subcontratava as perdedoras, que recebiam lotes das obras. Ou seja, era um jogo de cartas marcadas.
As companhias ainda teriam superfaturaturado em até 30% os preços dos serviços a serem prestados, de modo a maximizar seu lucro. Os cinco contratos investigados pelo MPSP até o momento, firmados entre 1998 e 2008, somam R$ 2,7 bilhões em valores da época, segundo cálculos do promotor Marcelo Mendroni, um dos investigadores do caso. Se aplicada a taxa de 30% de superfaturamento, a estimativa é de que o sobrepreço atinja a casa dos R$ 835 milhões.
Para que a rede funcionasse, o cartel pagava propina a servidores públicos. Segundo a Polícia Federal, lobistas e consultores “fictícios”, junto a suas consultorias privadas, articulavam os acordos entre as partes – caminho batizado de “propinoduto”. Um desses intermediadores seria o engenheiro Arthur Gomes Teixeira, presente na lista de indiciamentos da PF.
Além dele, foram relacionados executivos das empresas envolvidas – como Adilson Primo, ex-presidente da Siemens – e dirigentes e ex-dirigentes da CPTM. Neste último grupo, destacam-se alguns nomes. Primeiro, o de João Roberto Zaniboni, diretor de operações e manutenção da estatal durante os governos de Mário Covas e Geraldo Alckmin (primeiro mandato), que mantinha na Suíça uma conta com US$ 826 mil, valor que promotores brasileiros e suíços suspeitam ser oriundo de propina – no fim de 2013, o país europeu o condenou por lavagem de dinheiro, confiscou seus bens e lhe aplicou uma multa. Depois, o de Ademir Venâncio de Araújo, diretor de engenharia e obras da companhia no mesmo período, cujas cinco contas em um banco suíço abrigavam R$ 1,2 milhão de reais, também bloqueados graças a sua origem suspeita.
Estão na lista também os atuais presidente e diretor de operações da CPTM, Mário Manuel Bandeira e José Luiz Lavorente, respectivamente. Bandeira, mesmo indiciado, foi defendido por Alckmin no começo do mês, quando o governador afirmou que o servidor é uma pessoa “extremamente respeitada”, que lhe gera “impressão positiva”. O tucano mudou de ideia dias depois e declarou, na última terça-feira (9), que realizará “trocas” no comando da empresa. O promotor Marcelo Milani, que atualmente conduz a apuração no MPSP, já havia declarado publicamente que a não substituição dos acusados seria um erro. “Tenho a certeza que eles têm que ser afastados, mas não sou o governador”, completou.
Milani disse acreditar que as irregularidades se mantêm até hoje nos contratos firmados entre a CPTM e estas empresas. Ele, que viajou à Suíça recentemente com outros promotores e procuradores da República, teve acesso a novos documentos e informações que podem levar à indicação de outros envolvidos. A partir disso, a previsão é de que uma investigação seja deflagrada em torno desses contratos mais recentes.
Para o deputado estadual Luiz Claudio Marcolino – líder do PT na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) em 2013, quando o esquema estourou – apesar dos resultados, as investigações não foram realizadas da melhor maneira. “No caso do Ministério Público Estadual, por exemplo, eles sentaram em cima do processo. Tinham a denúncia, as informações, podiam ter ido a fundo – feito quebra de sigilo bancário, fiscal, colhido depoimentos, buscado suspensão de contratos, uma série de encaminhamentos que não fizeram. Passaram-se anos para que o processo fosse retomado. Quem desviou o recurso já poderia ter sido condenado, as empresas podiam já não estar mais prestando serviços ao estado de São Paulo”, argumenta.
No parecer do MPSP, já está comprovada a fraude em licitações dos trens e metrôs paulistas. Em trecho da peça que pede a dissolução das filiais brasileiras, consta que “as empresas requeridas foram beneficiadas com as celebrações de contratos com o Poder Público, de forma ilegal e inconstitucional”. O governador Geraldo Alckmin (PSDB), entretanto, não abre mão de isentar a si e seus antecessores tucanos de qualquer responsabilidade sobre os fatos. Em diversas ocasiões, garantiu que nenhum deles tinha consciência do que ocorria no subterrâneo das negociações.
Mas se os chefes estavam alheios às práticas corruptas, alguns de seus funcionários de confiança não só sabiam delas, como as integravam. É o caso de Robson Marinho, um dos fundadores do PSDB e principal secretário da gestão de Mário Covas, ao ocupar, de 1995 a 1997, a chefia da Casa Civil. Em agosto, ele foi afastado pela Justiçado cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), após suspeitas de que tenha auxiliado, mediante recebimento de propina, a espanhola Alstom a conseguir um contrato sem licitação com estatais do setor de energia de São Paulo em 1998, ainda no governo Covas.
Fracasso político
Paralelamente às investigações nos órgãos competentes, o Legislativo também tentou, sem sucesso, iniciar sua própria apuração. Na Alesp, a bancada de oposição tenta, desde agosto de 2013, instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para averiguar as denúncias sobre formação de cartel nos trens e metrôs de São Paulo. PT, Psol, PC do B, PDT, um deputado do DEM e uma do PMDB se manifestaram a favor da medida, somando 29 assinaturas – três a menos do que o número necessário para a abertura, 32. Ao se abster de assinar o documento para a sua criação, parlamentares do PSDB ou da base governista, formada por PMDB, DEM, PSD e PV, engavetaram a comissão.
“Os deputados ligados ao governador Alckmin fizeram de tudo para que a investigação não acontecesse de fato na Assembleia. Obstruíram tanto qualquer tentativa de abertura da CPI, quanto as convocações do presidente do Metrô, CPTM, das pessoas indicadas por envolvimento no sistema do cartel. A gente tentava convocar para vir à Comissão de Infraestrutura ou à de Transporte [permanentes da Casa], e eles obstruíam”, atesta Luiz Claudio Marcolino.
“O governo Alckmin controla com mãos de ferro a Alesp, as comissões, o plenário, a aprovação de projetos de lei e sobretudos as CPIs – não passa nenhuma sem a autorização do Palácio dos Bandeirantes”, complementa o deputado estadual Carlos Gianazzi (Psol). “É totalmente blindado na Assembleia. Tem a completa maioria – dos 94, só 29 deputados são de oposição.”
Em agosto, a reportagem da Fórum questionou Alckmin pessoalmente sobre suposta orientação repassada aos aliados para não assinarem o requerimento. “A Assembleia Legislativa é autônoma”, respondeu o tucano à ocasião, sem dar brechas para outras perguntas.
Fim semelhante tomaram as iniciativas de investigação no Congresso Nacional. Por lá, uma CPI mista chegou a ser criada em maio, mas encerrou as atividades na última terça-feira (9) sem realizar sequer uma reunião ou eleger presidente e relator que conduzissem suas atividades. O prazo de prorrogação dos trabalhos terminou no dia 3, e não houve pedidos para que permanecesse em funcionamento.
O senador Walter Pinheiro (PT-BA) atribui o fechamento da CPI à atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário. “Eles estão revelando com muito mais propriedade do que poderia ser feito aqui. São pessoas treinadas para isso”, relatou à Folha de S. Paulo.
Marcolino não concorda com o colega de partido. “Acaba sendo um erro não ter dado continuidade a esse processo. Brasília poderia ter esse papel de fazer a investigação mais a fundo”, coloca. “Às vezes, a questão da CPI no Congresso é tratada como questão de revanche política – já que abriu dos Correios, da Petrobras, vamos abrir do Metrô e CPTM. Mas não é. Estamos falando de empresas grandes, que recebem recursos da Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, BNDES [bancos públicos]. Empresas cujos contratos comprovadamente apresentam problemas. A Câmara e o Senado têm elementos suficientes para abrir uma CPI sobre o Metrô e a CPTM.”
Cobertura: dois pesos, duas medidas
Se, tanto em âmbito estadual como federal, a maioria no Poder Legislativo parece não ter dado ao caso a devida atenção, sufocando os esforços daqueles que tentaram, de algum modo, apurá-lo, o assunto tampouco recebeu os holofotes que merecia por parte da imprensa tradicional.
Os grandes veículos de comunicação não deixaram de realizar a cobertura do esquema. A delação da Siemens ao Cade, pontapé inicial das investigações, foi revelada por matéria da Folha de S. Paulo, publicada em julho de 2013. Os demais “jornalões” e seus respectivos portais também acompanharam o desenrolar dos fatos. A revista IstoÉ produziu uma série de reportagens investigativas sobre o cartel. Entretanto, tudo isso não foi suficiente para alçá-lo à repercussão nacional atingida, por exemplo, pela Operação Lava Jato.
Para o jornalista Laurindo Leal Filho, doutor em Ciências da Comunicação e professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), na comparação da cobertura dos dois episódios, constata-se uma seletividade por parte dos meios de comunicação. “A mídia tradicional tem vínculos históricos com os setores mais conservadores da sociedade, e quando surgem fatos que podem abalar esse vínculo, como é caso do cartel dos trens e metrô, a cobertura é minimizada”, analisa.
Segundo Leal, o problema não é a ausência de conteúdo, mas sim a maneira como o assunto é tratado. Enquanto a Lava Jato, a cada pequena novidade, ganha sucessões de manchetes, o “Trensalão” é frequentemente escondido. “O espaço dado a essa cobertura é reduzido”, coloca o professor.
Além disso, ele atenta para o que chama de “despersonalização e despolitização” da informação. “Você dissolve a denúncia em diversas pessoas, escondendo o partido responsável. Essa é a forma com que se cobre denúncias que atingem aliados da mídia. Quando não são eles, o procedimento é o contrário: da exacerbação dos casos, politização exagerada, implicando sempre o partido que se quer que seja atingido”, explica.
Os efeitos dessa seletividade se evidenciam na opinião pública. “É muito difícil alguém ter clareza sobre o que aconteceu com os trens e metrô de São Paulo, diferente do escândalo da Petrobras. A mídia tradicional o transformou em situação de fácil entendimento para as pessoas”, avalia o jornalista, que destaca, ainda, que até a escolha dos termos utilizados é diferente: “No caso do metrô, é cartel, no da Petrobras, é quadrilha”, completa.
Carlos Gianazzi, por experiência própria, ratifica a versão de que a imprensa paulista utiliza dois pesos e duas medidas. “No geral, não há espaço. Eu mesmo faço muitas denúncias ao Ministério Público, passo pautas para os veículos, mas nunca dão em nada”, repara.
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