domingo, 24 de maio de 2015

Racismo afeta crianças negras nos EUA

Por Terrell Jermaine Starr, no site Opera Mundi:

Freddie Gray tinha 25 anos de idade quando foi morto pela polícia de Baltimore, nos Estados Unidos. Com essa idade, uma pessoa é ainda muito jovem para morrer, mas as estatísticas do país já estavam contra Gray desde muito antes.

Nos EUA, crianças negras são um alvo frequente do sistema judiciário, inclusive por meio de encaminhamentos feitos pelas escolas, que as enviam para os cuidados de autoridades judiciais com muito mais frequência do que o fazem com crianças brancas.

Criar uma criança negra em 2015 nos Estados Unidos significa prepará-la para lidar com o peso do racismo sob as mais variadas formas, como a aplicação desproporcional de medidas disciplinares desde o ambiente escolar até o sistema judiciário. De todo modo, se superarem isso tudo, essas crianças terão menos oportunidades econômicas e empregatícias ao atingirem a idade adulta.

Ter dinheiro, claro, ajuda consideravelmente. Entretanto, segundo um estudo realizado no ano passado, crianças negras de famílias de classe média têm chances menores de manter o mesmo padrão socioeconômico em que foram criadas do que crianças brancas.

Estes problemas forçam mães e pais negros a criar seus filhos levando em consideração diariamente as consequências de sua raça, enquanto outras crianças nunca têm de considerar o fato de serem brancas.

Na lista a seguir, enumeramos sete problemas enfrentados por crianças negras nos EUA devido ao racismo:

1) Crianças negras têm chances maiores de serem suspensas ou expulsas da escola do que crianças brancas

Nos EUA, já na pré-escola, entre os 2 e 5 anos de idade, meninos e meninas negras tendem a ser suspensas desproporcionalmente. Embora as crianças negras somem apenas 18% do total de alunos na pré-escola no país, elas respondem por cerca de metade das suspensões escolares, de acordo com um relatório de 2014 do Departamento de Educação norte-americano.

Estudantes negros compõem apenas 16% das matrículas em escolas públicas no país, mas somam 42% das suspensões e expulsões. Embora se costume dar atenção às suspensões de garotos negros, as meninas também são vulneráveis à política disciplinar desproporcional. Um estudo de 2015 afirma que garotas negras compõem 90% do total de estudantes do gênero feminino expulsas durante o ano escolar de 2011 a 2012, na cidade de Nova York, enquanto nenhuma garota branca foi suspensa. Em Boston, o cenário é parecido: 63% das meninas expulsas eram negras, enquanto nenhuma garota branca foi suspensa na cidade ao longo daquele ano.

2) Meninos negros são considerados "de aparência mais velha" e "menos inocentes" do que meninos brancos

Para muitas pessoas, um garoto negro de 10 anos de idade não tem direito à mesma infância que um menino branco da mesma idade, de acordo com um estudo publicado em fevereiro de 2014 em um periódico de psicologia. Na verdade, um menino negro de 10 anos frequentemente não é sequer considerado uma criança, indica o estudo.

Em um experimento, 264 estudantes colegiais brancas foram expostas a imagens de meninos negros de idades que iam dos 10 aos 17 anos, juntamente com a descrição de crimes que eles teriam cometido. As estudantes brancas superestimaram as idades dos garotos, em média, em quatro anos e meio, e os consideraram mais culpados do que os meninos brancos ou latinos. Elas também consideraram os garotos negros, a partir dos 10 anos, como menos inocentes.

O estudo também conduziu experimentos com 176 policiais de grandes cidades (em sua maioria, homens brancos de cerca de 37 anos de idade), a fim de determinar quão tendenciosos eles seriam contra os meninos negros, com base em "preconceito e desumanização inconsciente de pessoas negras, comparando-as a macacos". Após revisar os arquivos referentes às condutas dos policiais, os pesquisadores determinaram que os agentes que utilizavam violência física contra crianças negras as desumanizavam. “Violência física” inclui assassinato, chaves-de-braço, imobilização no solo, gás lacrimogêneo, choques elétricos e ataques com objetos não-cortantes.

3) Crianças negras levam tiros por estarem brincando com armas de brinquedo

Considerando o ponto acima, é possível compreender por que um dos policiais que abriu fogo contra Tamir Rice, um garoto de 12 anos, o viu como um homem adulto ameaçador. "Tiroteio, um homem caído, negro, talvez 20 anos", disse o policial que informou a base sobre o ocorrido.

Há pelo menos 10 casos recentes em que policiais norte-americanos foram confrontados por adultos brancos armados que abriram fogo e, ainda assim, em alguns casos, foram levados vivos até a delegacia. A mesma consideração é raramente aplicada a homens negros, mesmo que não estejam armados. Um estudo de 2005 concluiu que policiais, em sua maioria brancos, são mais propensos a atirar em homens negros desarmados do que em homens brancos armados.

4) Crianças negras são mais visadas pela polícia do que crianças brancas

No ano passado, Kayleb Moon-Robinson, de Lynchburg, Virgínia, tinha 11 anos de idade quando foi acusado de conduta desordeira por chutar uma lata de lixo e, em seguida, de agressão, por ter tentado se libertar do policial quando este o imobilizou, de acordo com o Centro para a Integridade Pública.

Em um relatório publicado em abril, o Centro concluiu que 27% de todas as crianças em idade escolar encaminhadas à polícia por questões disciplinares eram negras, embora componham apenas 16% do total de matrículas. A Virgínia é o estado que lidera o total de encaminhamentos; 16 para cada 1.000 estudantes. Divididos por raça, crianças negras compõem mais de 25 encaminhamentos para cada 1.000 estudantes no estado, em comparação com os 13,1 encaminhamentos por cada 1.000 estudantes no caso das crianças brancas. Mesmo estados com populações negras pequenas, como Wyoming, Dakota do Sul e New Hampshire encaminham mais estudantes negros para a delegacia.

O policiamento exacerbado contribui para a "linha direta escola-prisão" que levou aos números desproporcionalmente altos de crianças negras em idade escolar sendo julgadas, sentenciadas e presas como adultos, de acordo com um relatório publicado pela Al Jazeera.

5) Crianças negras nascidas em famílias de classe média têm mais chances que crianças brancas de se tornarem pobres na idade adulta

O fato de uma família negra pertencer à classe média não significa que suas crianças vão crescer e desfrutar do mesmo status econômico. De acordo com um estudo de 2014 do Banco Federal da Reserva de Chicago, 60% das crianças negras com pais de classe média acabarão ganhando menos do que seus pais quando crescerem. Apenas 36% das crianças brancas passarão pela mesma situação.

Não está claro o motivo pelo qual as crianças negras experimentam este declínio econômico quando crescem, mas a razão pode ser as taxas de desemprego desproporcionais com as quais têm de lidar ao chegar à idade adulta. Desde os anos 1960, a taxa de desemprego entre pessoas negras nos EUA é quase o dobro daquela averiguada entre pessoas brancas. Outra questão são os antecedentes criminais. Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade do Estado do Arizona descobriu que homens negros com antecedentes criminais têm menos chances de serem chamados após enviar currículos do que homens brancos na mesma situação. Devido ao encarceramento em massa de pessoas negras, é alta a parcela de homens negros com antecedentes criminais.

6) Pais e mães negras têm de ensinar aos filhos como lidar com policiais

Não há pesquisas registrando o número de pais e mães negras que conversam com seus filhos sobre as melhores maneiras de lidar com um policial, mas o tema é amplamente discutido. São poucos os pais e as mães negras que não sentem que esta conversa é necessária.

O site Gawker publicou uma série de conversas tidas entre pais e filhos negros sobre como lidar com a polícia. Isto é o que Fatima, de 27 anos, moradora de Boston, disse ao seu filho durante os protestos de Ferguson no ano passado:

“Quando meu filho foi ao protesto em Boston comigo, ele tinha medo de sequer olhar diretamente para os policiais. Eu me sinto um pouco culpada por isso, mas acho que ele deve, de fato, ter medo da polícia. Eu sei que eu mesma tenho. E tenho medo por ele! É uma conversa constante entre nós, e eu já lhe disse que, hoje, a polícia não vai pegá-lo, mas isso é apenas porque ele tem 7 anos. É apenas uma questão de tempo até que ele não possa mais se sentir protegido da polícia por causa de sua aparência. E é também uma questão de tempo até que eu não possa mais protegê-lo.”

7) A maioria das crianças cumprindo pena de prisão perpétua sem direito a liberdade condicional nos EUA é negra

Há pelo menos 2.500 jovens condenados à prisão perpétua sem direito a liberdade condicional nos Estados Unidos, de acordo com a União pelas Liberdades Civis Norte-Americanas. Destes, 60% são negros. Embora a Suprema Corte dos EUA tenha decidido em 2012 que dar uma sentença tão severa a uma criança é uma punição cruel e anormal, isto não significa que os estados sejam obrigados a rever suas sentenças anteriores, de acordo com a ProPublica.

Antes das crianças negras norte-americanas atingirem a idade de 18 anos, elas precisam lidar com pelo menos alguns desses problemas. Nenhuma criança, não importando sua raça, deveria ter que enfrentar tais obstáculos antes de chegar ao baile de formatura do colegial, mas é isso que o racismo nos Estados Unidos reserva às crianças nascidas de pais e mães negras.

* Matéria original publicada no site norte-americano Alternet. Tradução de Henrique Mendes.

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