quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Os juros e o moralismo sem moral

Por Marcel Franco Araújo Farah, no site da Adital:

Desde que se separou a propriedade privada da pública passou a ser possível falar de corrupção no sentido mais corriqueiro.

Falo de corrupção como desvio de recursos de sua finalidade legitima e legal, em geral para apropriação particular, para enriquecer o próprio ator que faz a gestão do recurso.

Fala-se muito em corrupção e é fácil percebê-la quando um agente público recebe dinheiro para direcionar uma licitação, para aprovar uma obra mal feita, para beneficiar um réu em um processo jurídico.

Contudo, é difícil percebê-la quando é feita por meios mais sofisticados e às vezes até mesmo legalizados pelo sistema.

Quando o Banco Central aumenta a taxa de juros SELIC ele aumenta o valor pago pelos títulos da dívida pública para quem é dono destes títulos. Ou seja, aumenta o desvio de recursos do orçamento público para os donos dos títulos da dívida. É ou não é corrupção?

Quando a empresa S&P retirou o grau de investimento do Brasil, pelas "normas” do comercio internacional os juros para empréstimos tomados por empresas brasileiras aumenta. Ou seja, aumenta o custo do país, aumenta a transferência de recursos do país, aumenta o valor desviado da produção para o setor financeiro. É ou não é corrupção?

Quando um governo vende bens públicos a preços abaixo dos praticados no mercado, dizendo que está buscando gerar caixa, como nas privatizações, é ou não é corrupção?

Quando uma empresa financia uma campanha eleitoral e depois tira proveito dos candidatos eleitos aprovando leis e normas que beneficiam aquela mesma empresa, é ou não é corrupção?

E se a empresa financiar a campanha com recursos provenientes de sobrepreço em uma obra para a qual foi contratada pelo estado? Assim ela não usa recursos próprios, apenas empresta para a campanha, depois os eleitos providenciam a contratação da mesma com um preço mais alto do que será gasto.

E isso é assim em democracias e em ditaduras, é assim em vários países, inclusive nos ditos desenvolvidos.

Portanto, a corrupção é endêmica e sistêmica, não somente no estado moderno, mas essencialmente no sistema capitalista e dos sistemas eleitorais decorrentes.

E quanto aos valores? Onde é que está a maior parte do dinheiro desviado?

200 milhões de reais seria o valor economizado com a demissão de 3000 cargos comissionados pelo governo federal.

20 bilhões de reais seria a soma do prejuízo da Pretrobrás com os desvios descobertos pela Lava-Jato.

392 bilhões de reais seria a soma dos 500 maiores devedores para a Receita Federal.

408 bilhões de reais seria o valor da sonegação de impostos somente até agora no ano de 2015.

417 bilhões de reais foi o custo gasto com a manutenção da taxa de juros SELIC e a venda de swaps cambiais nos últimos 12 meses pelo Banco Central.

Pelo patrimônio das pessoas e empresas é possível ter uma noção melhor de quem é corrupto (com maiores patrimônios do que sua renda alcançaria) e quem não é corrupto.

O sistema capitalista tem vários méritos no que diz respeito ao desenvolvimento dos meios de produção, contudo sua contradição principal é que a concentração de recursos à qual ele tende vai, um dia, torná-lo inviável, pois não haverá mais quem tenha recursos para comprar o que será produzido.

Olhando por outro lado, a contradição central também pode ser vista como uma forma de fundamentalismo mercantil, em que tudo se torna mercadoria e perde seu valor de uso. A mercantilização é uma forma de corrupção, quando o "ser” se corrompe no "ter”.

Portanto, em homenagem aos "moralistas sem moral”, a conclusão a que chego é que as melhores reformas administrativa, eleitoral, e política que podemos fazer só terão efeito se superarmos o financiamento empresarial de campanha, a sonegação de impostos, se tivermos um sistema tributário progressivo, se retomarmos a acertada política econômica pós 2008, e se construirmos coletivamente um projeto de sociedade que aponte para a superação do sistema capitalista.

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