Por Fernando Brito, no blog Tijolaço:
Quase escrevi, ontem, sobre a onda de comentários na rede sobre a sujeira em Copacabana e as bobagens que, por isso, se dizia sobre a inferioridade do povo brasileiro por isso. Claro que vi também as outras, com que se respondeu a este “viralatismo”, mostrando que é imundície pós reveillon é universal e ri muito com o twitter do Guga Chacra, ótimo comentarista internacional do Estadão sobre o fato de pessoas irem para a virada do Ano Novo de fraldas pela falta de banheiros na Times Square, em Nova York.
Depois, fiquei pensando em quanta bobagem se faz com este “politicamente correto” que deseduca, cria divisões entre as pessoas e, pior, cria com isso ódio e intolerância. Vira o espelho do preconceito, uma imagem igual e invertida.
Aí leio as reportagens sensacionalistas sobre o assassinato da criança em Santa Catarina e sobre seu suposto assassino.
E uma bobajada sobre ele ter sido morto por ser índio e que o rapaz que o teria matado fez por ser “emo”, homossexual, “satanista”e “drogado”.
Não é que não matemos indiozinhos no Brasil.
Matamos muitos.
Nem falo das orgulhosas conquistas bandeirantes, Brasil adentro.
Falo de hoje, em que os matamos de fome, porque foram empurrados para as piores terras, onde vivem miseravelmente, matamos de doenças transmissíveis para as quais não têm resistência e não têm médicos, matamos pela perda de identidade cultural de suas famílias, de desestruturação que faz grassar o alcoolismo. É verdade que ainda morrem alguns a bala, por jagunçadas que, felizmente, são cada vez mais raras, embora existam.
E não se vê tanta cobertura jornalística ou indignação com isso.
O menino Vítor Pinto não morreu porque era Kaingang, morreu porque os Kaingang são pobres e pobres saem para mercadejar seu artesanatos ou quinquilharias e ficam nas rodoviárias, como lá estava sua mãe a amamentá-lo.
Assim como o rapaz que o matou (se for mesmo ele) o fez porque é um doente mental – isso amplificado por uma patologia familiar – e não porque é gay, “emo” ou usa roupas pretas, ou acaso tinha uma tatuagem “demoníaca” ou de “zumbi” pelo corpo. Se fosse assim, teríamos legiões de assassinos entre os jovens do Rio ou de São Paulo, onde estas bobagens se contam aos bocados em braços, pernas, costas e peitos.
Barbaridades assim sempre aconteceram e o preconceito e a discriminação funcionam como combustível para isso, agora devidamente amplificados por uma mídia e um radicalismo onipresentes. Houve casos conhecidos, como o da “Fera da Penha“, em que uma mulher descobriu que o amante era casado e, seu desequilíbrio mental se exponenciou com os ciúmes e o fato de “ficar mal-falada” e a levou a matar uma das filhas dele, de quatro anos de idade.. Outros, desconhecidos, íntimos, como o de uma tia-avó minha que, nos anos 30, deu “o mau passo”, teve de fugir da “roça” e, mesmo com o abrigo de minha avó, depois de ter a criança, bebeu formicida e morreu.
Cada um de nós deve refletir humildemente e sempre praticar o gesto de por-se no lugar de outro. Quando vi o “babado” de uma cantora reclamando no palco, em pleno show, de um possível assédio de seu marido a outra, imediatamente me veio a ideia do que seria se os papéis estivessem invertidos, e fosse um cantor que expusesse, ao microfone, a sua mulher ou namorada que estivesse conversando – ou mais que isso, não importa – com um D. Juan barato…
Não é preciso falar de quão estúpido e baixo seria fazer isso publicamente com uma mulher.
Vivemos a era da intolerância e onde o “barraco”, a brutalidade, os conceitos “absolutos” passaram a ser instrumentos de marketing pessoal e até político.
É por isso que estão lá em cima as chamadas, lado a lado, da homepage do Valor Econômico, agora de manhã, com as imagens de Barack Obama,emocionado no ato de apresentação de sua proposta de reduzir – só um pouquinho – o comércio de armas nos EUA e Donald Trump anunciando outro muro para os mexicanos pobres e uma espada para o o “Estado Islâmico” que vai sangrar o pescoço de todos os muçulmanos.
É com elas que volto ao início, à sujeira em Copacabana que não é tão diferente da sujeira em Times Square.
A estupidez é uma microcefalia mundial, uma zica, e seu “aedes egypt” é um sistema de mídia que se alimenta da brutalidade.
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