Por Mino Carta, na revista CartaCapital:
Assisto a um espetáculo de pura demência, e dentro dele ninguém mais habilitado ao papel de oficiante do que o promotor Deltan Dallagnol, milenarista fanático do Apocalipse. O que me ofende, humilha, destroça, é o comportamento de muitos na assistência, incapazes de entender o grau de parvoíce atingido pelo Brasil da casa-grande e da senzala, cada vez mais mergulhado na treva medieval.
Já não me refiro ao quociente de inteligência a que o País se deixou reduzir, aludo ao quociente de delírio. A denúncia do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não passa de uma pregação desvairada e raivosa, baseada em devaneios do ódio represado, manifestados com uma enxurrada de palavras pronunciadas no tom do eremita Pedro, o marqueteiro da primeira Cruzada.
Soa nos meus ouvidos a diatribe frenética, e me pergunto a que tempo pertence. Não é certamente contemporâneo do mundo de hoje, por mais decadente. Ao cabo, sobram o indiciamento por causa do celebérrimo triplex da praia dos farofeiros e a acusação relativa a uma propina de 3,7 milhões de reais, alegada sem provas ao afirmar o enriquecimento ilícito de alguém que se contenta com pouco. O padrão habitual é o de Eduardo Cunha, que recebeu 52 milhões.
O tal apartamento do Guarujá está no centro de uma história brutalmente enfadonha, também ela prova da pobreza mental e da aterradora ausência de espírito crítico por parte de quantos a leram e ouviram repetida ad infinitum sem experimentar ao menos um arrepio de perplexidade. Depois de ter pago uma cota para adquirir o imóvel, ainda no tempo de Lula presidente, já cidadão comum ele desistiu da compra e o apartamento hoje é de outro proprietário.
O fumacento arrazoado do promotor Dallagnol basta para fazer do ex-presidente “o comandante máximo” da corrupção na Petrobras? Tanto mais porque a gravíssima acusação nasce da “convicção” dos pregadores curitibanos, a brandirem infográficos de dar inveja em jornalões e revistões nativos?
Parece sandice acreditar no acerto da denúncia, mas neste parvo Brasil haverá quem acredite, mesmo porque o desenho do golpe, ao alcançar Lula, atinge o alvo final da farsa trágica e o indiciamento do candidato favorito às próximas eleições presidenciais e líder do PT, figurava nas previsões até do mundo mineral. O impeachment de Dilma Rousseff é apenas uma passagem da encenação urdida em proveito da casa-grande com o preciso propósito de destruir o Partido dos Trabalhadores.
A operação faz sentido aos olhos dos senhores. Verdade factual: no poder o PT portou-se como os demais partidos brasileiros, mas os graúdos insistem em enxergá-lo como a agremiação da ralé, único entrave possível à criação do Estado mínimo, à sujeição total ao neoliberalismo, à genuflexão ao deus mercado.
Não é por acaso que Lula comandou o melhor governo pós-ditadura, ao dar passos importantes para reduzir a monstruosa desigualdade social que caracteriza o País. E também ao praticar uma política externa independente, desatada do interesse de Tio Sam.
O indiciamento de quarta-feira 14 confirma a participação dos magistrados curitibanos no golpe ainda em andamento. Participação canhestra, eivada de irregularidades e concluída por um indiciamento inepto à luz da lei.
Penoso resultado, para não dizer risível, de um golpe que uniu Justiça, na instância regional e na Suprema, Polícia Federal, Congresso, empresariado rentista, mídia nativa. Manobristas descarados de um processo que escolhe o culpado antes de definir a culpa.
Difícil estabelecer a hierarquia dos responsáveis por tanto descalabro. Causa-me extrema vergonha de cidadão ofendido, e de jornalista humilhado pela amoralidade dos ditos colegas, o desempenho do Supremo Tribunal Federal, teoricamente sentinela da lei. Teoricamente.
Ao longo deste penoso episódio, até agora não encerrado, a Suprema Corte entregou-se sem mossa a um silêncio aterrador, quando, a bem da sacrossanta verdade, compete-lhe a análise do mérito dos passos dados nos mais diversos quadrantes, em defesa da Constituição. A Carta foi, e continua a ser rasgada, e o será, receio, sem que o STF cumpra seu dever.
O indiciamento é a bola rolada na pequena área para que Lula chute com o goleiro batido. Permito-me, porém, não entender a presença do ex-presidente à posse da ministra Cármen Lúcia no comando do Supremo, a significar respeito por quem o desrespeita.
Pergunto-me se o ex-presidente se deu conta de que estava a legitimar o golpe também tramado naquele canto da Praça dos Três Poderes, habitado por figuras de toga dispostas a trair seu compromisso para atuar politicamente e discutir matérias em julgamento.
Ainda ecoam os anátemas de Dallagnol, exemplar perfeito dos brasileiros a viver uma espantosa crise mental. País à matroca, devolvido ao seu tempo mais remoto, dos aborígenes crentes do valor das miçangas, ou dos escravos vergados pelo peso da chibata.
A casa-grande aposta na natureza de muitos prontos a engolir o insulto, quem sabe sem lhe entender o significado. Os senhores confiam na ignorância e na credulidade e não hesitarão em chegar às últimas consequências. Que se cuidem Michel Temer e seus asseclas, nesta operação não passam de peões.
Já não me refiro ao quociente de inteligência a que o País se deixou reduzir, aludo ao quociente de delírio. A denúncia do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não passa de uma pregação desvairada e raivosa, baseada em devaneios do ódio represado, manifestados com uma enxurrada de palavras pronunciadas no tom do eremita Pedro, o marqueteiro da primeira Cruzada.
Soa nos meus ouvidos a diatribe frenética, e me pergunto a que tempo pertence. Não é certamente contemporâneo do mundo de hoje, por mais decadente. Ao cabo, sobram o indiciamento por causa do celebérrimo triplex da praia dos farofeiros e a acusação relativa a uma propina de 3,7 milhões de reais, alegada sem provas ao afirmar o enriquecimento ilícito de alguém que se contenta com pouco. O padrão habitual é o de Eduardo Cunha, que recebeu 52 milhões.
O tal apartamento do Guarujá está no centro de uma história brutalmente enfadonha, também ela prova da pobreza mental e da aterradora ausência de espírito crítico por parte de quantos a leram e ouviram repetida ad infinitum sem experimentar ao menos um arrepio de perplexidade. Depois de ter pago uma cota para adquirir o imóvel, ainda no tempo de Lula presidente, já cidadão comum ele desistiu da compra e o apartamento hoje é de outro proprietário.
O fumacento arrazoado do promotor Dallagnol basta para fazer do ex-presidente “o comandante máximo” da corrupção na Petrobras? Tanto mais porque a gravíssima acusação nasce da “convicção” dos pregadores curitibanos, a brandirem infográficos de dar inveja em jornalões e revistões nativos?
Parece sandice acreditar no acerto da denúncia, mas neste parvo Brasil haverá quem acredite, mesmo porque o desenho do golpe, ao alcançar Lula, atinge o alvo final da farsa trágica e o indiciamento do candidato favorito às próximas eleições presidenciais e líder do PT, figurava nas previsões até do mundo mineral. O impeachment de Dilma Rousseff é apenas uma passagem da encenação urdida em proveito da casa-grande com o preciso propósito de destruir o Partido dos Trabalhadores.
A operação faz sentido aos olhos dos senhores. Verdade factual: no poder o PT portou-se como os demais partidos brasileiros, mas os graúdos insistem em enxergá-lo como a agremiação da ralé, único entrave possível à criação do Estado mínimo, à sujeição total ao neoliberalismo, à genuflexão ao deus mercado.
Não é por acaso que Lula comandou o melhor governo pós-ditadura, ao dar passos importantes para reduzir a monstruosa desigualdade social que caracteriza o País. E também ao praticar uma política externa independente, desatada do interesse de Tio Sam.
O indiciamento de quarta-feira 14 confirma a participação dos magistrados curitibanos no golpe ainda em andamento. Participação canhestra, eivada de irregularidades e concluída por um indiciamento inepto à luz da lei.
Penoso resultado, para não dizer risível, de um golpe que uniu Justiça, na instância regional e na Suprema, Polícia Federal, Congresso, empresariado rentista, mídia nativa. Manobristas descarados de um processo que escolhe o culpado antes de definir a culpa.
Difícil estabelecer a hierarquia dos responsáveis por tanto descalabro. Causa-me extrema vergonha de cidadão ofendido, e de jornalista humilhado pela amoralidade dos ditos colegas, o desempenho do Supremo Tribunal Federal, teoricamente sentinela da lei. Teoricamente.
Ao longo deste penoso episódio, até agora não encerrado, a Suprema Corte entregou-se sem mossa a um silêncio aterrador, quando, a bem da sacrossanta verdade, compete-lhe a análise do mérito dos passos dados nos mais diversos quadrantes, em defesa da Constituição. A Carta foi, e continua a ser rasgada, e o será, receio, sem que o STF cumpra seu dever.
O indiciamento é a bola rolada na pequena área para que Lula chute com o goleiro batido. Permito-me, porém, não entender a presença do ex-presidente à posse da ministra Cármen Lúcia no comando do Supremo, a significar respeito por quem o desrespeita.
Pergunto-me se o ex-presidente se deu conta de que estava a legitimar o golpe também tramado naquele canto da Praça dos Três Poderes, habitado por figuras de toga dispostas a trair seu compromisso para atuar politicamente e discutir matérias em julgamento.
Ainda ecoam os anátemas de Dallagnol, exemplar perfeito dos brasileiros a viver uma espantosa crise mental. País à matroca, devolvido ao seu tempo mais remoto, dos aborígenes crentes do valor das miçangas, ou dos escravos vergados pelo peso da chibata.
A casa-grande aposta na natureza de muitos prontos a engolir o insulto, quem sabe sem lhe entender o significado. Os senhores confiam na ignorância e na credulidade e não hesitarão em chegar às últimas consequências. Que se cuidem Michel Temer e seus asseclas, nesta operação não passam de peões.
0 comentários:
Postar um comentário