Por Eduardo Silveira de Menezes, no site Sul-21:
Braço forte das Organizações Globo, no Rio Grande do Sul, a RBS aderiu de forma orgânica à campanha patrocinada pela família Marinho em defesa das “indiretas já”. Sem qualquer pudor, colunistas do grupo de mídia gaúcho apresentam os argumentos mais absurdos para tentar justificar a necessidade de que a população brasileira delegue para o Congresso o seu poder de decisão sobre os rumos do país. É um grande escárnio. Um circo de horrores, em que uma maioria de parlamentares investigados em escândalos de corrupção pode requerer para si o direito exclusivo de escolher o próximo presidente da República sem o devido questionamento dos “formadores de opinião”. A democracia padece, rapidamente, com a participação ativa dos supostos “analistas políticos” da grande mídia. Um protagonismo tão descarado que lembra a atuação do complexo IPES/IBAD, nos anos 60, influenciando uma classe média idiotizada e, portanto, incapaz de pensar por si própria.
O golpe de 1964 tem nome e sobrenome. Não foi apenas militar; foi, também, civil. Não fosse a histeria anticomunista, motivada pelos mesmos grupos de comunicação que, hoje, defendem a famigerada campanha pelas “indiretas já”, não teríamos sido submetidos a 21 anos de um regime de exceção, que ceifou vidas em nome de interesses privados. No clássico “1964: a conquista do Estado”, o historiador René Armand Dreifuss explica, detalhadamente, como atuavam os institutos econômicos de organizações empresariais, articulando uma série de ações de propaganda ideológica afim de manipular a opinião pública para promover a derrubada do governo João Goulart. As Organizações Globo estavam entre as empresas que aderiram ao complexo IPES/IBAD, cujo maior financiador era o governo norte-americano, na figura do então presidente John Kennedy.
Os supostos “argumentos legalistas”, de hoje, pedindo que “cumpra-se a constituição” e vociferando que “eleição direta é golpe”, fazem parte de uma narrativa desonesta e retórica. David Nasser – repórter da revista “O Cruzeiro”, um dos protagonistas midiáticos do Golpe Militar de 1964 –, se fosse vivo, ficaria com inveja de tamanha lealdade aos ideais neomacartistas. A preocupação dos novos vira-latas do poder econômico nem mesmo é escondida. Se, na década de 1960, havia um temor de que fossem aprovadas reformas de base, de cunho socialista, neste segundo decênio do século XXI, a “ameaça à democracia” parece estar encarnada na figura do ex-presidente Lula. Ainda sem as provas necessárias para, ao menos, deixá-lo inelegível, o juiz Sérgio Moro – o mesmo que não quis questionar Cunha sobre a participação de Temer nos escândalos de corrupção que estão vindo à público somente agora – saiu de cena para dar lugar a uma campanha antidemocrática, visando impedir que o processo eleitoral se dê o mais breve possível. Líder nas pesquisas de intenção de voto, Lula é o “inimigo a ser derrotado” por uma direita que não aceita sequer o reformismo no Brasil. Certamente o ex-metalúrgico não assustaria se fosse levado em conta que o seu governo foi de coalizão, mantendo intactos os privilégios de banqueiros, grandes empresários e rentistas, mas, pela simbologia que ainda possui junto à esquerda, devido às poucas – e insuficientes – mudanças promovidas por meio de programas sociais, é preciso detê-lo.
A contradição dos “liberais de ocasião” não acaba por aí. Como se não bastasse colocarem em causa a própria credibilidade da democracia representativa burguesa, sentem-se no direito de invocar uma “legitimidade as avessas”, pedindo que a população pressione o Congresso pela via indireta nas eleições presidenciais. Tal qual ocorreu nas prévias do Golpe de 1964, os cidadãos brasileiros são chamados a cumprirem uma “missão patriótica”: não permitir que nem mesmo um governo de conciliação se forme no país. A ideia parece simples. Usa-se a crise psicótica do antipetismo, fundamentada na neonarrativa do complexo IPES/IBAD, para convencer a sociedade de que a escolha do líder máximo do país por parlamentares envolvidos em escândalos de corrupção é a única saída possível para a crise política.
Não parece tarefa difícil. Afinal, paulatinamente, os grupos de mídia ganham a opinião pública apenas ecoando o discurso de parlamentares corruptos, patrocinados por empresas corruptoras, em defesa de reformas contrárias aos interesses da maior parte da sociedade. Deveria causar vergonha falar em “modernização” das leis trabalhistas para defender a “prevalência do negociado sobre o legislado”, mas, enclausurados em suas posições de porta-vozes de seus patrões, os supostos comentaristas políticos sentem-se orgulhosos do papel que estão cumprindo e são incapazes de reconhecer sua verdadeira condição de classe.
Defender um movimento pelas “indiretas já” equivale a dizer que eles próprios são incapazes de julgar o que é melhor para o país. É assumir, mesmo sem querer, que o jornalista ou comentarista (na condição de empregado do grupo de mídia) não possui o mínimo de força política perante os seus patrões. É reconhecer, mesmo que tardiamente, não existir nenhuma vantagem para o trabalhador na “prevalência do negociado sobre o legislado”. Ou você diz o que as famílias Marinho e Sirotsky gostariam de ouvir ou o seu “sonho de trabalhar até morrer”, em uma redação de jornal, com o ar condicionado ligado e sentado em uma confortável poltrona, esvai-se pelos dedos, como a sua própria dignidade. Jornalistas e/ou comentaristas políticos que te pedem para confiar os rumos do país a esse Congresso que aí está, mesmo defendendo a saída de Temer, não podem ser levados a sério; caso contrário, você não estará levando a sério a si mesmo.
Braço forte das Organizações Globo, no Rio Grande do Sul, a RBS aderiu de forma orgânica à campanha patrocinada pela família Marinho em defesa das “indiretas já”. Sem qualquer pudor, colunistas do grupo de mídia gaúcho apresentam os argumentos mais absurdos para tentar justificar a necessidade de que a população brasileira delegue para o Congresso o seu poder de decisão sobre os rumos do país. É um grande escárnio. Um circo de horrores, em que uma maioria de parlamentares investigados em escândalos de corrupção pode requerer para si o direito exclusivo de escolher o próximo presidente da República sem o devido questionamento dos “formadores de opinião”. A democracia padece, rapidamente, com a participação ativa dos supostos “analistas políticos” da grande mídia. Um protagonismo tão descarado que lembra a atuação do complexo IPES/IBAD, nos anos 60, influenciando uma classe média idiotizada e, portanto, incapaz de pensar por si própria.
O golpe de 1964 tem nome e sobrenome. Não foi apenas militar; foi, também, civil. Não fosse a histeria anticomunista, motivada pelos mesmos grupos de comunicação que, hoje, defendem a famigerada campanha pelas “indiretas já”, não teríamos sido submetidos a 21 anos de um regime de exceção, que ceifou vidas em nome de interesses privados. No clássico “1964: a conquista do Estado”, o historiador René Armand Dreifuss explica, detalhadamente, como atuavam os institutos econômicos de organizações empresariais, articulando uma série de ações de propaganda ideológica afim de manipular a opinião pública para promover a derrubada do governo João Goulart. As Organizações Globo estavam entre as empresas que aderiram ao complexo IPES/IBAD, cujo maior financiador era o governo norte-americano, na figura do então presidente John Kennedy.
Os supostos “argumentos legalistas”, de hoje, pedindo que “cumpra-se a constituição” e vociferando que “eleição direta é golpe”, fazem parte de uma narrativa desonesta e retórica. David Nasser – repórter da revista “O Cruzeiro”, um dos protagonistas midiáticos do Golpe Militar de 1964 –, se fosse vivo, ficaria com inveja de tamanha lealdade aos ideais neomacartistas. A preocupação dos novos vira-latas do poder econômico nem mesmo é escondida. Se, na década de 1960, havia um temor de que fossem aprovadas reformas de base, de cunho socialista, neste segundo decênio do século XXI, a “ameaça à democracia” parece estar encarnada na figura do ex-presidente Lula. Ainda sem as provas necessárias para, ao menos, deixá-lo inelegível, o juiz Sérgio Moro – o mesmo que não quis questionar Cunha sobre a participação de Temer nos escândalos de corrupção que estão vindo à público somente agora – saiu de cena para dar lugar a uma campanha antidemocrática, visando impedir que o processo eleitoral se dê o mais breve possível. Líder nas pesquisas de intenção de voto, Lula é o “inimigo a ser derrotado” por uma direita que não aceita sequer o reformismo no Brasil. Certamente o ex-metalúrgico não assustaria se fosse levado em conta que o seu governo foi de coalizão, mantendo intactos os privilégios de banqueiros, grandes empresários e rentistas, mas, pela simbologia que ainda possui junto à esquerda, devido às poucas – e insuficientes – mudanças promovidas por meio de programas sociais, é preciso detê-lo.
A contradição dos “liberais de ocasião” não acaba por aí. Como se não bastasse colocarem em causa a própria credibilidade da democracia representativa burguesa, sentem-se no direito de invocar uma “legitimidade as avessas”, pedindo que a população pressione o Congresso pela via indireta nas eleições presidenciais. Tal qual ocorreu nas prévias do Golpe de 1964, os cidadãos brasileiros são chamados a cumprirem uma “missão patriótica”: não permitir que nem mesmo um governo de conciliação se forme no país. A ideia parece simples. Usa-se a crise psicótica do antipetismo, fundamentada na neonarrativa do complexo IPES/IBAD, para convencer a sociedade de que a escolha do líder máximo do país por parlamentares envolvidos em escândalos de corrupção é a única saída possível para a crise política.
Não parece tarefa difícil. Afinal, paulatinamente, os grupos de mídia ganham a opinião pública apenas ecoando o discurso de parlamentares corruptos, patrocinados por empresas corruptoras, em defesa de reformas contrárias aos interesses da maior parte da sociedade. Deveria causar vergonha falar em “modernização” das leis trabalhistas para defender a “prevalência do negociado sobre o legislado”, mas, enclausurados em suas posições de porta-vozes de seus patrões, os supostos comentaristas políticos sentem-se orgulhosos do papel que estão cumprindo e são incapazes de reconhecer sua verdadeira condição de classe.
Defender um movimento pelas “indiretas já” equivale a dizer que eles próprios são incapazes de julgar o que é melhor para o país. É assumir, mesmo sem querer, que o jornalista ou comentarista (na condição de empregado do grupo de mídia) não possui o mínimo de força política perante os seus patrões. É reconhecer, mesmo que tardiamente, não existir nenhuma vantagem para o trabalhador na “prevalência do negociado sobre o legislado”. Ou você diz o que as famílias Marinho e Sirotsky gostariam de ouvir ou o seu “sonho de trabalhar até morrer”, em uma redação de jornal, com o ar condicionado ligado e sentado em uma confortável poltrona, esvai-se pelos dedos, como a sua própria dignidade. Jornalistas e/ou comentaristas políticos que te pedem para confiar os rumos do país a esse Congresso que aí está, mesmo defendendo a saída de Temer, não podem ser levados a sério; caso contrário, você não estará levando a sério a si mesmo.
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