Por Tarso Genro, no site Sul-21:
É um erro político avaliar as decisões atuais do STF de um ponto de vista puramente jurídico, ou seja, se elas são – ou não – decisões que podem ser classificadas como “segundo a Constituição”, ou são decisões que “torcem” o bastão, para favorecer determinados contendores políticos e prejudicar outros. Na verdade, estas decisões são todas as coisas para parecer nenhuma e obedecem só uma teleologia: pôr uma máscara de legitimidade num Estado de Direito, que transita da exceção para a normalidade e desta para aquela, num ritual macabro de arbítrios, no qual o Direito se tornou pura política e contingência.
Explico-me. Desde o momento que a grande mídia orientou claramente a derrubada da Presidenta Dilma, e o STF aceitou esta tutela , midiatizaram-se os processos penais e foi incriminada, em abstrato, toda uma comunidade política, o petismo. A partir daí os nossos destinos foram depositados nas mãos jacobinas da República de Curitiba e o Estado de Direito brasileiro – depois disso – foi se adaptando a que o processo político fosse controlado fora dos órgãos da soberania popular, com o predomínio dos critérios políticos gestados no Poder Judiciário
Falo em “predomínio”, porque em toda decisão judicial importante sempre existe uma certa carga “política”, mas, na normalidade de um Estado de Direito que mereça esse nome, esta “carga” política da decisão não pode ser a expressão ideológica direta do Juiz, sobreposta , não só à letra da Constituição, mas também aos princípios que informam a civilidade republicana. Quando os Juízes se tornam líderes de facções políticas o Direito sai de cena e a decisão política só lhe traz ao palco num papel coadjuvante.
É importante notar, também, que o “predomínio” ideológico da direita e a consequente partidarização do Sistema de Justiça, já tinham sido consolidados, quando o Supremo foi indiferente a um “impeachment” sem causa, quando aceitou a jurisdição nacional avocada pelo Juiz Moro, “naturalizou” seu estrelismo midiático – cultuado pelo oligopólio da mídia – que, na verdade, dava a “linha” do que era aceitável, ou não, em termos de distorção técnica e material, nos processos penais contra Lula e o PT.
As recentes decisões do Supremo, com a “devolução” de Aécio ao Senado e a libertação de Rocha Loures, do ponto de vista formal – em termos de processo – e do ponto de vista constitucional, em termos de princípios, são tão inadequadas ao Estado de Direito, como as decisões condenatórias proferida sem provas, contra José Dirceu. Ou mesmo em relação à proferida para impedir Lula de assumir o Ministério ou, ainda, àquelas que determinam o cumprimento de penas, antes do trânsito em julgado da decisão condenatória.
Todas elas ferem o Estado de Direito: as do primeiro grupo (proferidas contra o petismo) porque instauraram a “exceção”; as atuais (em favor de Aécio e Loures) porque a furaram de maneira silenciosa e seletiva, especialmente favorecendo golpismo. Demonstram, assim, que a ideologia hegemônica nos Tribunais, nesta etapa da crise, protege mais os partidos do golpe do que integridade das normas da Constituição.
Certamente há uma possibilidade de que desta reação, ainda que seletiva, possa sobrevir uma igualdade de tratamento para todos os processados e os juízos em andamento sejam colocados num leito mais próximo da Constituição e da Lei. Onde todos do Judiciário podem tudo e os órgãos da soberania popular não podem nada, pode-se – num acesso de otimismo da nossa verve macunaímica – esperar uma certa sensatez pelo cansaço. Mas ela não virá sem luta.
Já é possível dizer, nos dias que correm, que nós brasileiros temos um amor ambíguo e louco pela democracia, embora de fora do país já nos olhem novamente com uma certa piedade irônica. Amor louco, porque com tudo isso não queremos “atalhos”, nem messias, nem matadores. Mas, de fato, amor também ambíguo, porque afinal, a maioria espera que as sábias cúpulas se acertem por nós, até a próxima crise aparentemente sem solução.
É um erro político avaliar as decisões atuais do STF de um ponto de vista puramente jurídico, ou seja, se elas são – ou não – decisões que podem ser classificadas como “segundo a Constituição”, ou são decisões que “torcem” o bastão, para favorecer determinados contendores políticos e prejudicar outros. Na verdade, estas decisões são todas as coisas para parecer nenhuma e obedecem só uma teleologia: pôr uma máscara de legitimidade num Estado de Direito, que transita da exceção para a normalidade e desta para aquela, num ritual macabro de arbítrios, no qual o Direito se tornou pura política e contingência.
Explico-me. Desde o momento que a grande mídia orientou claramente a derrubada da Presidenta Dilma, e o STF aceitou esta tutela , midiatizaram-se os processos penais e foi incriminada, em abstrato, toda uma comunidade política, o petismo. A partir daí os nossos destinos foram depositados nas mãos jacobinas da República de Curitiba e o Estado de Direito brasileiro – depois disso – foi se adaptando a que o processo político fosse controlado fora dos órgãos da soberania popular, com o predomínio dos critérios políticos gestados no Poder Judiciário
Falo em “predomínio”, porque em toda decisão judicial importante sempre existe uma certa carga “política”, mas, na normalidade de um Estado de Direito que mereça esse nome, esta “carga” política da decisão não pode ser a expressão ideológica direta do Juiz, sobreposta , não só à letra da Constituição, mas também aos princípios que informam a civilidade republicana. Quando os Juízes se tornam líderes de facções políticas o Direito sai de cena e a decisão política só lhe traz ao palco num papel coadjuvante.
É importante notar, também, que o “predomínio” ideológico da direita e a consequente partidarização do Sistema de Justiça, já tinham sido consolidados, quando o Supremo foi indiferente a um “impeachment” sem causa, quando aceitou a jurisdição nacional avocada pelo Juiz Moro, “naturalizou” seu estrelismo midiático – cultuado pelo oligopólio da mídia – que, na verdade, dava a “linha” do que era aceitável, ou não, em termos de distorção técnica e material, nos processos penais contra Lula e o PT.
As recentes decisões do Supremo, com a “devolução” de Aécio ao Senado e a libertação de Rocha Loures, do ponto de vista formal – em termos de processo – e do ponto de vista constitucional, em termos de princípios, são tão inadequadas ao Estado de Direito, como as decisões condenatórias proferida sem provas, contra José Dirceu. Ou mesmo em relação à proferida para impedir Lula de assumir o Ministério ou, ainda, àquelas que determinam o cumprimento de penas, antes do trânsito em julgado da decisão condenatória.
Todas elas ferem o Estado de Direito: as do primeiro grupo (proferidas contra o petismo) porque instauraram a “exceção”; as atuais (em favor de Aécio e Loures) porque a furaram de maneira silenciosa e seletiva, especialmente favorecendo golpismo. Demonstram, assim, que a ideologia hegemônica nos Tribunais, nesta etapa da crise, protege mais os partidos do golpe do que integridade das normas da Constituição.
Certamente há uma possibilidade de que desta reação, ainda que seletiva, possa sobrevir uma igualdade de tratamento para todos os processados e os juízos em andamento sejam colocados num leito mais próximo da Constituição e da Lei. Onde todos do Judiciário podem tudo e os órgãos da soberania popular não podem nada, pode-se – num acesso de otimismo da nossa verve macunaímica – esperar uma certa sensatez pelo cansaço. Mas ela não virá sem luta.
Já é possível dizer, nos dias que correm, que nós brasileiros temos um amor ambíguo e louco pela democracia, embora de fora do país já nos olhem novamente com uma certa piedade irônica. Amor louco, porque com tudo isso não queremos “atalhos”, nem messias, nem matadores. Mas, de fato, amor também ambíguo, porque afinal, a maioria espera que as sábias cúpulas se acertem por nós, até a próxima crise aparentemente sem solução.
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