Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Levantamento do Datafolha sobre as ideias políticas da população não deve ser desprezado. Mostra que a rejeição a Michel Temer e as contrarreformas de Henrique Meirelles está longe de refletir uma visão passageira dos brasileiros nem se alimenta das denúncias de Joesley Batista, por mais chocantes que elas sejam.
Descendo às convicções mais profundas dos brasileiros, a pesquisa mostra uma maioria que rejeita valores e referências ideológicas dos aliados do golpe e seu lote de candidatos possível em 2018. Na prática, os dados confirmam, em números quantitativos, aquilo que uma pesquisa qualitativa da Ideia Inteligência, divulgada em fevereiro de 2017 pelo repórter Ricardo Mendonça, do Valor Econômico, chamou de saudades de Lula.
A diferença é que desta vez Lula é o sujeito oculto do levantamento. Seu nome não é mencionado uma única vez nas perguntas nem nas respostas. Mas é dele - e do período histórico que Lula e Dilma governaram o país - que a população está falando.
Para quem acredita numa conversão à direita do eleitorado, os números ensinam que é melhor colocar as barbas de molho.
Sabemos, por exemplo, que a visão da maioria dos brasileiros sobre o Brasil sempre foi crítica - e é até prova de boa saúde mental que seja assim. Em 2010, 54% dos brasileiros tinham uma visão negativa de seu país, enquanto 28% tinham uma visão positiva. Hoje, a visão negativa é de 81%. Apenas 8% tem uma visão positiva.
Não se trata de uma comparação casual. A base para comparar o país onde Temer-Meirelles fizeram o primeiro aniversário em Brasília tem como referência o último ano do governo Lula.
Não é só. Outros dados mostram que, mesmo enfrentando o massacre de um pensamento único assegurado pelo monopólio dos meios de comunicação - 100% alinhados com Temer-Meirelles - uma parcela importante é capaz de refletir com independência sobre suas experiências e tirar as próprias conclusões sobre o mundo à sua volta.
É certo dizer, lembrando uma noção conhecida da vida social, que o pensamento dominante numa sociedade é o pensamento de sua classe dominante. Isso quer dizer que a maioria das pessoas conserva e reproduz as ideias essenciais que fazem o regime capitalista funcionar, como o respeito a propriedade privada, uma noção de hierarquia de classe social, um espírito consumista, uma vontade de ascensão social a todo custo e outros traços de uma postura alienada diante da existência. Isso não quer dizer, contudo, que as pessoas não são capazes de localizar interesses concretos nem de avaliar o que é melhor para suas vidas e suas famílias.
Justamente nas questões que estão no centro do debate em torno das contrarreformas -- a começar pela natureza da política econômico, suas consequências e benefícios -- revela-se o caráter robusto da memória sobre Lula.
Num país onde o desemprego atinge um patamar recorde e o Estado Mínimo tornou-se o eixo da política econômica, nada menos que 76% das pessoas entrevistadas tem uma visão contrária a doutrina dominante.
Consideram que "o governo deve ser o maior responsável por investir no país e fazer a economia crescer." É um salto de dez pontos em relação a 2014, quando Dilma se encontrava no último ano de seu primeiro mandato. Vamos combinar: martelados, diariamente, pelo coro que pede menos Estado na economia, eles respondem que querem mais.
Numa questão que também diz respeito ao mesmo assunto, a pesquisa perguntou sobre as políticas públicas de defesa das empresas brasileiras - a principal referência, neste terreno, são programas de "conteúdo local", que favorecem companhias instaladas no país. Este é o alvo de uma campanha de criminalização do BNDES e de embelezamento do projeto de desmonte da Petrobras. Também é aí que vamos encontrar a crítica banal ao "capitalismo de compadrio", que sugere a existência de um lugar do mundo onde funcionam mercados puros e sob comando de empresários angelicais. Do ponto de vista da maioria, a realidade é outra. Para 63% dos brasileiros "o governo tem o dever de ajudar grandes empresas nacionais que corram risco de ir a falência." (Em 2014, uma maioria de 59% eram favoráveis a ajuda às empresas nacionais).
A pesquisa também registra um tiro de misericórdia na meritocracia, essa visão que ignora a desigualdade estrutural da sociedade brasileira e tenta apontar cada indivíduo como responsável pelos fracassos e sucessos da existência, em particular na luta por uma vida melhor. Um total de 77% consideram que a pobreza "está ligada à falta de oportunidades iguais." (Com um ponto de vista oposto, apenas 21% acreditam que a pobreza "está ligada à preguiça de pessoas que não querem trabalhar"). Embora a pesquisa registre um aumento da visão crítica sobre as leis trabalhistas --de 33% para 38% --, a convicção de que elas "mais protegem os trabalhadores do que prejudicam o crescimento das empresas" é assumida por larga margem, 53%, um ponto a mais do que no levantamento anterior. Uma constatação oportuna, num momento em que cresce a pressão pela extinção da CLT.
Outros observações podem ser feitas a respeito dessa pesquisa. O desencanto da população com o serviço público de saúde e de educação reflete uma decepção com sucessivas administrações nessa área - e não se pode isentar os governos Lula e Dilma nesse aspecto. Ainda que Lula tenha multiplicado várias vezes a oferta de vagas nas universidades, e Dilma tenha sido capaz de uma iniciativa de inúmeros méritos como o Mais Médicos, a população deixou claro que não está satisfeita com os resultados.
Apesar das restrições e críticas que envolvem erros e limites do processo político iniciado após a chegada de Lula ao Planalto, em 2003, não se pode ignorar o ponto fundamental.
Sabemos que o golpe que derrubou Dilma abriu um ambiente político destroçado, povoado por aventureiros de todo tipo, inclusive com uma perspectiva autoritária. Nessa paisagem, onde a resistência democrática ocupa um papel essencial, maioria dos brasileiros conserva a memória das conquistas e vitórias do período anterior. Compara com aquilo que veio depois e sabe que já viu este filme -- várias vezes. A única referência oposta é Lula.
A peculiaridade dessa experiência política explica a posição única de Lula no futuro próximo do país, seu papel-chave.
Contra o silêncio cúmplice que alimenta o espetáculo de sua perseguição, torcendo por sua exclusão da cena política de qualquer maneira, uma maioria reconhece e aplaude as razões de seu governo.
Levantamento do Datafolha sobre as ideias políticas da população não deve ser desprezado. Mostra que a rejeição a Michel Temer e as contrarreformas de Henrique Meirelles está longe de refletir uma visão passageira dos brasileiros nem se alimenta das denúncias de Joesley Batista, por mais chocantes que elas sejam.
Descendo às convicções mais profundas dos brasileiros, a pesquisa mostra uma maioria que rejeita valores e referências ideológicas dos aliados do golpe e seu lote de candidatos possível em 2018. Na prática, os dados confirmam, em números quantitativos, aquilo que uma pesquisa qualitativa da Ideia Inteligência, divulgada em fevereiro de 2017 pelo repórter Ricardo Mendonça, do Valor Econômico, chamou de saudades de Lula.
A diferença é que desta vez Lula é o sujeito oculto do levantamento. Seu nome não é mencionado uma única vez nas perguntas nem nas respostas. Mas é dele - e do período histórico que Lula e Dilma governaram o país - que a população está falando.
Para quem acredita numa conversão à direita do eleitorado, os números ensinam que é melhor colocar as barbas de molho.
Sabemos, por exemplo, que a visão da maioria dos brasileiros sobre o Brasil sempre foi crítica - e é até prova de boa saúde mental que seja assim. Em 2010, 54% dos brasileiros tinham uma visão negativa de seu país, enquanto 28% tinham uma visão positiva. Hoje, a visão negativa é de 81%. Apenas 8% tem uma visão positiva.
Não se trata de uma comparação casual. A base para comparar o país onde Temer-Meirelles fizeram o primeiro aniversário em Brasília tem como referência o último ano do governo Lula.
Não é só. Outros dados mostram que, mesmo enfrentando o massacre de um pensamento único assegurado pelo monopólio dos meios de comunicação - 100% alinhados com Temer-Meirelles - uma parcela importante é capaz de refletir com independência sobre suas experiências e tirar as próprias conclusões sobre o mundo à sua volta.
É certo dizer, lembrando uma noção conhecida da vida social, que o pensamento dominante numa sociedade é o pensamento de sua classe dominante. Isso quer dizer que a maioria das pessoas conserva e reproduz as ideias essenciais que fazem o regime capitalista funcionar, como o respeito a propriedade privada, uma noção de hierarquia de classe social, um espírito consumista, uma vontade de ascensão social a todo custo e outros traços de uma postura alienada diante da existência. Isso não quer dizer, contudo, que as pessoas não são capazes de localizar interesses concretos nem de avaliar o que é melhor para suas vidas e suas famílias.
Justamente nas questões que estão no centro do debate em torno das contrarreformas -- a começar pela natureza da política econômico, suas consequências e benefícios -- revela-se o caráter robusto da memória sobre Lula.
Num país onde o desemprego atinge um patamar recorde e o Estado Mínimo tornou-se o eixo da política econômica, nada menos que 76% das pessoas entrevistadas tem uma visão contrária a doutrina dominante.
Consideram que "o governo deve ser o maior responsável por investir no país e fazer a economia crescer." É um salto de dez pontos em relação a 2014, quando Dilma se encontrava no último ano de seu primeiro mandato. Vamos combinar: martelados, diariamente, pelo coro que pede menos Estado na economia, eles respondem que querem mais.
Numa questão que também diz respeito ao mesmo assunto, a pesquisa perguntou sobre as políticas públicas de defesa das empresas brasileiras - a principal referência, neste terreno, são programas de "conteúdo local", que favorecem companhias instaladas no país. Este é o alvo de uma campanha de criminalização do BNDES e de embelezamento do projeto de desmonte da Petrobras. Também é aí que vamos encontrar a crítica banal ao "capitalismo de compadrio", que sugere a existência de um lugar do mundo onde funcionam mercados puros e sob comando de empresários angelicais. Do ponto de vista da maioria, a realidade é outra. Para 63% dos brasileiros "o governo tem o dever de ajudar grandes empresas nacionais que corram risco de ir a falência." (Em 2014, uma maioria de 59% eram favoráveis a ajuda às empresas nacionais).
A pesquisa também registra um tiro de misericórdia na meritocracia, essa visão que ignora a desigualdade estrutural da sociedade brasileira e tenta apontar cada indivíduo como responsável pelos fracassos e sucessos da existência, em particular na luta por uma vida melhor. Um total de 77% consideram que a pobreza "está ligada à falta de oportunidades iguais." (Com um ponto de vista oposto, apenas 21% acreditam que a pobreza "está ligada à preguiça de pessoas que não querem trabalhar"). Embora a pesquisa registre um aumento da visão crítica sobre as leis trabalhistas --de 33% para 38% --, a convicção de que elas "mais protegem os trabalhadores do que prejudicam o crescimento das empresas" é assumida por larga margem, 53%, um ponto a mais do que no levantamento anterior. Uma constatação oportuna, num momento em que cresce a pressão pela extinção da CLT.
Outros observações podem ser feitas a respeito dessa pesquisa. O desencanto da população com o serviço público de saúde e de educação reflete uma decepção com sucessivas administrações nessa área - e não se pode isentar os governos Lula e Dilma nesse aspecto. Ainda que Lula tenha multiplicado várias vezes a oferta de vagas nas universidades, e Dilma tenha sido capaz de uma iniciativa de inúmeros méritos como o Mais Médicos, a população deixou claro que não está satisfeita com os resultados.
Apesar das restrições e críticas que envolvem erros e limites do processo político iniciado após a chegada de Lula ao Planalto, em 2003, não se pode ignorar o ponto fundamental.
Sabemos que o golpe que derrubou Dilma abriu um ambiente político destroçado, povoado por aventureiros de todo tipo, inclusive com uma perspectiva autoritária. Nessa paisagem, onde a resistência democrática ocupa um papel essencial, maioria dos brasileiros conserva a memória das conquistas e vitórias do período anterior. Compara com aquilo que veio depois e sabe que já viu este filme -- várias vezes. A única referência oposta é Lula.
A peculiaridade dessa experiência política explica a posição única de Lula no futuro próximo do país, seu papel-chave.
Contra o silêncio cúmplice que alimenta o espetáculo de sua perseguição, torcendo por sua exclusão da cena política de qualquer maneira, uma maioria reconhece e aplaude as razões de seu governo.
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