Por Theófilo Rodrigues, no blog Cafezinho:
Volta e meia retorna ao debate público o tema da mudança de sistema de governo no Brasil. Os propositores do debate argumentam em favor da substituição do presidencialismo pelo parlamentarismo como solução para as recorrentes crises políticas pelas quais o país passa.
O debate não é novo. O parlamentarismo já foi objeto de dois plebiscitos nos últimos cinquenta anos: um em 1963 e outro em 1993. E nas duas vezes foi derrotado pelo voto popular. Afinal de contas, em sã consciência e sem constrangimentos externos, por qual razão os eleitores concordariam em abrir mão do direito de escolher o governante maior do país e passariam esse poder para outros?
Não obstante a recusa popular expressa nos dois plebiscitos, insistentes lideranças não desistiram de articular em favor da proposta.
Presidente do PSDB, o senador Tasso Jereissati aproveitou seu último artigo publicado na Folha de São Paulo (13/07/2017) para fazer a defesa do parlamentarismo. “Não vejo o parlamentarismo como solução para a crise, mas como fator de estabilidade e governabilidade a longo prazo”, escreveu Jereissati.
No ano anterior, no Estado de São Paulo (14/01/2016) o também senador tucano, José Serra, havia feito a mesma defesa: “O advento do parlamentarismo vai exigir e ao mesmo tempo favorecer, como condições simultâneas, mesmo que implantadas de maneira gradual, mudanças na gestão governamental, incluída a profissionalização da direção de órgãos públicos”, defendeu Serra.
Aliás, diga-se de passagem, essa agenda faz parte do programa do PSDB desde sua fundação; Franco Montoro e Fernando Henrique, fundadores do partido, foram notórios porta vozes da proposta – em 1991, FHC publicou interessante artigo em defesa do parlamentarismo na Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, no. 32, da USP.
No PMDB não é muito diferente. Enquanto esteve empossado como presidente da república, José Sarney foi um severo crítico do modelo parlamentarista. Há quem aponte, inclusive, que a proposta não teve prosseguimento na Constituinte de 88 por pressão de Sarney. Contudo, desde 2013, pelo menos, o ex-presidente vem defendendo a proposta como item primeiro de uma reforma política.
O ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o ex-presidente do Senado, Renan Calheiros, e o atual presidente da República, Michel Temer, são outros importantes peemedebistas defensores do parlamentarismo.
Outro ex-presidente, Fernando Collor de Mello, também é autor de proposta de adoção do parlamentarismo no Brasil. Logo em seu primeiro ano como senador pelo PTB, em 2007, Collor apresentou Proposta de Emenda Constitucional nessa direção.
Os argumentos contrários ou favoráveis são muitos. Mas talvez a principal pergunta que precise ser respondida é: a quem interessa?
O atual sistema político presidencialista brasileiro vigora desde a eleição de Collor em 1989. De lá para cá, tivemos sete mandatos presidenciais eleitos: três à direita do espectro político – um do próprio Collor e dois de FHC – e quatro à esquerda – dois de Lula e dois de Dilma. Ou seja, o voto popular, via eleições diretas, garantiu um equilíbrio de forças políticas nos mandatos presidenciais.
Nesse mesmo período, o país teve 17 presidentes da Câmara dos Deputados: 5 do PFL/DEM; 5 do PMDB; 2 do PP; 1 do PSDB; 3 do PT; e 1 do PCdoB. A majoritariedade do campo conservador na Câmara é evidente: ao todo foram 13 nomes da direita do espectro político contra apenas 4 da esquerda. No parlamentarismo, esses seriam os chefes de governo, ou primeiros-ministros.
Se o parlamento fosse um reflexo perfeito das preferências dos eleitores, não haveria problema algum com o parlamentarismo. Mas é difícil acreditar que hoje esse reflexo exista.
Diversas pesquisas feitas na eleição de 2014 mostraram que para ser eleito, um deputado federal precisaria investir aproximadamente 1,2 milhão de reais. As exceções, em geral, ficam por conta dos representantes das igrejas e daqueles que são artistas de televisão. Mas e os que não tem fortes patrocinadores, que não são pastores ou que não passaram pelo Big Brother, como ficam?
Isso talvez explique por qual motivo são tão poucos os representantes dos trabalhadores no parlamento. De acordo com o DIAP, a bancada sindical em 2015 era formada por apenas 46 deputados federais dentre os 513. Já os deputados que se declaram empresários são quase 200, segundo levantamento da Agência Pública.
A recente decisão tomada pelo STF em 2015 de pôr fim ao financiamento empresarial de campanhas pode contribuir para a redução dessa assimetria. Mas a verdade é que seus resultados ainda são uma incógnita. Somente o teste eleitoral de 2018 indicará se algo mudou.
Enquanto essa assimetria não for reduzida, o direito da maioria da população de escolher diretamente através de um presidente qual o programa de políticas públicas quer para o país deverá ser mantido. E qualquer proposta em sentido contrário será considerada mais um ataque contra a democracia.
* Theófilo Rodrigues é professor de Teoria Política Contemporânea no Departamento de Ciência Política da UFRJ.
Volta e meia retorna ao debate público o tema da mudança de sistema de governo no Brasil. Os propositores do debate argumentam em favor da substituição do presidencialismo pelo parlamentarismo como solução para as recorrentes crises políticas pelas quais o país passa.
O debate não é novo. O parlamentarismo já foi objeto de dois plebiscitos nos últimos cinquenta anos: um em 1963 e outro em 1993. E nas duas vezes foi derrotado pelo voto popular. Afinal de contas, em sã consciência e sem constrangimentos externos, por qual razão os eleitores concordariam em abrir mão do direito de escolher o governante maior do país e passariam esse poder para outros?
Não obstante a recusa popular expressa nos dois plebiscitos, insistentes lideranças não desistiram de articular em favor da proposta.
Presidente do PSDB, o senador Tasso Jereissati aproveitou seu último artigo publicado na Folha de São Paulo (13/07/2017) para fazer a defesa do parlamentarismo. “Não vejo o parlamentarismo como solução para a crise, mas como fator de estabilidade e governabilidade a longo prazo”, escreveu Jereissati.
No ano anterior, no Estado de São Paulo (14/01/2016) o também senador tucano, José Serra, havia feito a mesma defesa: “O advento do parlamentarismo vai exigir e ao mesmo tempo favorecer, como condições simultâneas, mesmo que implantadas de maneira gradual, mudanças na gestão governamental, incluída a profissionalização da direção de órgãos públicos”, defendeu Serra.
Aliás, diga-se de passagem, essa agenda faz parte do programa do PSDB desde sua fundação; Franco Montoro e Fernando Henrique, fundadores do partido, foram notórios porta vozes da proposta – em 1991, FHC publicou interessante artigo em defesa do parlamentarismo na Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, no. 32, da USP.
No PMDB não é muito diferente. Enquanto esteve empossado como presidente da república, José Sarney foi um severo crítico do modelo parlamentarista. Há quem aponte, inclusive, que a proposta não teve prosseguimento na Constituinte de 88 por pressão de Sarney. Contudo, desde 2013, pelo menos, o ex-presidente vem defendendo a proposta como item primeiro de uma reforma política.
O ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o ex-presidente do Senado, Renan Calheiros, e o atual presidente da República, Michel Temer, são outros importantes peemedebistas defensores do parlamentarismo.
Outro ex-presidente, Fernando Collor de Mello, também é autor de proposta de adoção do parlamentarismo no Brasil. Logo em seu primeiro ano como senador pelo PTB, em 2007, Collor apresentou Proposta de Emenda Constitucional nessa direção.
Os argumentos contrários ou favoráveis são muitos. Mas talvez a principal pergunta que precise ser respondida é: a quem interessa?
O atual sistema político presidencialista brasileiro vigora desde a eleição de Collor em 1989. De lá para cá, tivemos sete mandatos presidenciais eleitos: três à direita do espectro político – um do próprio Collor e dois de FHC – e quatro à esquerda – dois de Lula e dois de Dilma. Ou seja, o voto popular, via eleições diretas, garantiu um equilíbrio de forças políticas nos mandatos presidenciais.
Nesse mesmo período, o país teve 17 presidentes da Câmara dos Deputados: 5 do PFL/DEM; 5 do PMDB; 2 do PP; 1 do PSDB; 3 do PT; e 1 do PCdoB. A majoritariedade do campo conservador na Câmara é evidente: ao todo foram 13 nomes da direita do espectro político contra apenas 4 da esquerda. No parlamentarismo, esses seriam os chefes de governo, ou primeiros-ministros.
Se o parlamento fosse um reflexo perfeito das preferências dos eleitores, não haveria problema algum com o parlamentarismo. Mas é difícil acreditar que hoje esse reflexo exista.
Diversas pesquisas feitas na eleição de 2014 mostraram que para ser eleito, um deputado federal precisaria investir aproximadamente 1,2 milhão de reais. As exceções, em geral, ficam por conta dos representantes das igrejas e daqueles que são artistas de televisão. Mas e os que não tem fortes patrocinadores, que não são pastores ou que não passaram pelo Big Brother, como ficam?
Isso talvez explique por qual motivo são tão poucos os representantes dos trabalhadores no parlamento. De acordo com o DIAP, a bancada sindical em 2015 era formada por apenas 46 deputados federais dentre os 513. Já os deputados que se declaram empresários são quase 200, segundo levantamento da Agência Pública.
A recente decisão tomada pelo STF em 2015 de pôr fim ao financiamento empresarial de campanhas pode contribuir para a redução dessa assimetria. Mas a verdade é que seus resultados ainda são uma incógnita. Somente o teste eleitoral de 2018 indicará se algo mudou.
Enquanto essa assimetria não for reduzida, o direito da maioria da população de escolher diretamente através de um presidente qual o programa de políticas públicas quer para o país deverá ser mantido. E qualquer proposta em sentido contrário será considerada mais um ataque contra a democracia.
* Theófilo Rodrigues é professor de Teoria Política Contemporânea no Departamento de Ciência Política da UFRJ.
0 comentários:
Postar um comentário