quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Por que Alckmin não fechou a TV Cultura?

Por Tereza Cruvinel, em seu blog:

Antes de mais nada devo dizer: eu apoio a campanha “Eu quero a Cultura viva”, que defende a preservação e a independência da TV Cultura de São Paulo, uma emissora com forte tradição e espírito público, apesar do desmantelamento e debilitação por que passou e vem passando nos governos tucanos. Viva sempre a TV Cultura. Isto posto, segundo matéria do jornal O Estado de S. Paulo, se for eleito presidente, o governador Geraldo Alckmin pretende privatizar estatais “petistas”, como se empresas públicas tivessem DNA partidário só por terem sido criados no governo de um partido. Entre elas, a EBC, a Hemobrás e a EPL. 

No caso da EBC, ele teria dito que “não tem audiência, tem que fechar”. Quem deve ter audiência são os seus canais, não a empresa gestora mas, imperfeição semântica à parte, a TV Brasil tem índices muito próximos aos da TV Cultura de São Paulo, mesmo após a intervenção destrutiva do governo Temer. Por que então Alckmin não fechou a TV Cultura ao longo dos tantos anos em que governou o estado? Porque no fundo ele sabe que a comunicação pública tem relevância para a oferta da diversidade de conteúdo e para a formação da cidadania. Em vez de fechar a Fundação Padre Anchieta, gestora do sistema estadual Cultura, ele optou por controlá-la. Evitou carregar a pecha de coveiro da TV Cultura.

É estranho que um pré-candidato, sem ter ainda um programa de governo e sem feito avaliações mais consistentes sobre a realidade da máquina federal, resolva apontar, entre quase 150 empresas, as três que ele já teria decidido sacrificar. Já sabe ele o que faz a Hemobrás na produção de hemoderivados para o sistema de saúde? A EPL perdeu mesmo qualquer função, com o fracasso do projeto do trem bala, ou se dedica a outros planejamentos de logística? E o que sabe Alckmin sobre a EBC, para sair se comprometendo com a conclusão do desmonte iniciado pelo governo Temer? 

O Partido da Social-Democracia Brasileira-PSDB, se ainda fosse mesmo social-democrata, saberia que em governos com esta inspiração, especialmente na Europa, atribuem alta relevância aos sistemas públicos de comunicação, que nunca foram fechados por governos de diferentes partidos. Nestes países, foi se construindo ao longo dos anos a convivência plural e complementar entre os sistemas públicos (que são pioneiros), privado e estatal de radiodifusão. Exatamente como prevê nossa constituição: os privados, mesmo tendo algumas obrigações (que no Brasil não cumprem) dedicam-se a ganhar dinheiro. Os estatais, a divulgar ações dos poderes públicos (Executivo, Legislativo e Judiciário, com suas rádios e TVs), enquanto o sistema público deve servir à sociedade, com sua participação na gestão, oferecendo os conteúdos singulares que os outros sistemas não produzem, relacionados especialmente com cidadania, cultura, informação, diversidade etc. Enfim, garantindo a pluralidade que anda tão em falta. Por saber de tudo isso, Alckmin nunca fechou a TV Cultura. Carregaria esta nódoa em sua biografia, a de ter destruído uma instituição democrática construída ao longo de décadas.

Mas agora diz que vai acabar com a EBC, e ainda apelando para rótulos fáceis, chamando-a de “estatal petista”. Hoje, com certeza, ela é uma estatal peemedebista, a serviço do governo de Temer, dirigida por um jornalista alheio à sua missão, que responderá à Comissão de Ética Pública por ações de cunho racista. Mas Temer vai passar e, num governo legítimo e democrático, deveria voltar às origens, recobrando sua natureza pública com a restauração de instrumentos como o Conselho Curador e o mandato fixo do diretor-presidente, garantidores da independência dos canais públicos. Temer os extinguiu para rebaixar a EBC à categoria de agência de comunicação governamental, onde emprega apaniguados que não sabem o que fazem ali.

Começando sua campanha com planos fundados no preconceito ideológico, Alckmin será mais um candidato que divide e acirra os ânimos. No caso da comunicação pública, devia permitir-se pelo menos o exercício da dúvida, antes de firmar compromisso com sua extinção, o que representaria mais uma forte involução civilizatória dos tempos em curso. A EBC precisa ser restaurada, aprimorada, talvez remodelada mas sua extinção seria mais um crime contra a democracia.

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