Por João Paulo Cunha, no jornal Brasil de Fato:
Na época da escravidão a figura do capitão do mato sintetizava o que existia de pior em termos humanos. Era o responsável por exercer o poder desumanizador de forma sempre violenta. O mais sujo de todo o trabalho era um misto de subserviência, admiração e medo. O capitão do mato se submetia ao patrão como um rato, queria ser como ele em seus sonhos de emancipação de sua vida ordinária e temia ocupar o lugar da pessoa que martirizava. Por outro lado, tinha a capacidade de reunir em si tudo que era mais desprezível num ser vivo, alimentando o desprezo dos senhores, o repúdio dos cidadãos e o ódio dos escravos.
O Brasil do golpe é um capitão do mato, tendo como patrão o capitalismo internacional, mais especialmente, os Estados Unidos e o que eles representam. Simbolicamente, a autodenominada elite defende valores de mercado, como os americanos; elogia a imprensa livre, como a gringa; incensa a justiça independente, como a estadunidense. No entanto, em sua sanha mimética excessiva, costuma errar na mão e recolher apenas o escárnio pelo arremedo que acaba por produzir: um mercado protegido, uma imprensa partidária, uma justiça de classe.
O pior desse diagnóstico é que ele vem embalado por declarações dos próprios modelos que se busca emular. Documentos oficiais, notícias e artigos de opinião produzidos por autoridades, juristas e jornalistas norte-americanos, em torno do julgamento de Lula em segunda instância, dão conta da vergonha de nosso infeliz destino de capitães do mato do neoliberalismo. Para quem de imitar se orgulhava, o resultado pífio da paródia custa agora a vergonha internacional.
Em poucos dias, o Brasil se tornou um feitor, foi humilhado pelos senhores da casa grande do Norte global. Em pelo menos três dimensões.
Na primeira, a diplomacia. O congresso americano, por meio de uma dúzia de deputados do Comitê de Relações Exteriores, enviou uma carta ao embaixador brasileiro, Sergio Silva do Amaral, manifestando sua preocupação como o respeito aos direitos básicos de Lula durante o julgamento. O documento chama atenção para o risco de o Brasil passar por cima de compromissos assumidos em tratados internacionais. O tom é de desconfiança. De nada adiantou o Brasil ter desviado o rumo de sua diplomacia independente e altiva e se alinhado de forma inferiorizada aos interesses norte-americanos, sob José Serra e Aloysio Nunes. Recebeu um pito e uma reprimenda. Capitães do mato das relações exteriores.
A segunda humilhação veio da imprensa. O principal jornal estadunidense, New York Times, secundado por várias outras publicações, deixou claro que o jornalismo brasileiro vem fazendo um papelão. Não noticia com independência, é avesso à pluralidade, não entende de liberdade. Mesmo o mais capitalista dos países sabe que uma imprensa livre é um valor para democracia. Na verdade, é uma de suas condições. O artigo publicado no NYT é um puxão de orelhas na imprensa venal, que deixou os fatos de lado para construir teses e defender bandeiras políticas como se fossem racionais, como o caso da reforma da previdência. A cobertura do julgamento de Porto Alegre foi a mais vergonhosa demonstração de sabujice da história. Os jornalistas prelibavam, babavam e se confraternizavam em frente às câmeras. Capitães do mato do jornalismo.
A terceira estação de nossa submissão constrangedora veio do próprio campo judicial. As demonstrações dadas durante todo o processo, que apontavam orgulhosamente a inspiração na jurisprudência americana, sobretudo por Moro e pela força tarefa da Lava Jato, ficou à mercê de um passa-fora dos juristas daquele país. Em várias manifestações, ficou patente a estranheza com o rito seguido no Brasil. Não foram poucos os que disseram que o sistema judicial de outros países não aceitaria como válidas diversas ações do juiz de Curitiba, referendadas e até elogiadas pelos desembargadores da TRF4. As decisões – e atos de instrução e investigação do processo – seriam rejeitadas de pronto pela maioria das cortes do mundo. A suspeição do juiz foi tida como evidente, além da incompreensível junção das tarefas de investigar e julgar exercidas pela mesma pessoa. Capitães do mato da justiça.
O representante do ex-presidente Lula em processo na Comissão de Direitos Humanos da ONU, o advogado britânico Geoffrey Robertson, também criticou o arremedo de julgamento em Porto Alegre. Entre outras observações, estranhou o fato de o promotor Mauricio Gotardo Gerum se sentar junto e ter conversas particulares com os desembargadores. Confirmando a impressão de que se encenava um teatro de cartas marcadas – e não um momento em que um colegiado independente analisa uma sentença proferida em outra instância – ficou perplexo com o orgulho dos julgadores em chegar à sessão com votos de centenas de páginas, minuciosamente coincidentes em argumentos e aumento das penas, na mesmíssima dosimetria. Capitães do mato da desfaçatez.
Os artífices do Estado de exceção implantado no Brasil tinham como horizonte a lei, a justiça e a imprensa norte-americanas. Tomaram bomba nas três, em notas conferidas pelos próprios bedéis. Deram prova ao mundo que o país desrespeita regras internacionais, que não opera a justiça com respeito aos direitos fundamentais e que tem a pior imprensa do mundo.
Depois dizem que Lula foi o maior derrotado.
O Brasil do golpe é um capitão do mato, tendo como patrão o capitalismo internacional, mais especialmente, os Estados Unidos e o que eles representam. Simbolicamente, a autodenominada elite defende valores de mercado, como os americanos; elogia a imprensa livre, como a gringa; incensa a justiça independente, como a estadunidense. No entanto, em sua sanha mimética excessiva, costuma errar na mão e recolher apenas o escárnio pelo arremedo que acaba por produzir: um mercado protegido, uma imprensa partidária, uma justiça de classe.
O pior desse diagnóstico é que ele vem embalado por declarações dos próprios modelos que se busca emular. Documentos oficiais, notícias e artigos de opinião produzidos por autoridades, juristas e jornalistas norte-americanos, em torno do julgamento de Lula em segunda instância, dão conta da vergonha de nosso infeliz destino de capitães do mato do neoliberalismo. Para quem de imitar se orgulhava, o resultado pífio da paródia custa agora a vergonha internacional.
Em poucos dias, o Brasil se tornou um feitor, foi humilhado pelos senhores da casa grande do Norte global. Em pelo menos três dimensões.
Na primeira, a diplomacia. O congresso americano, por meio de uma dúzia de deputados do Comitê de Relações Exteriores, enviou uma carta ao embaixador brasileiro, Sergio Silva do Amaral, manifestando sua preocupação como o respeito aos direitos básicos de Lula durante o julgamento. O documento chama atenção para o risco de o Brasil passar por cima de compromissos assumidos em tratados internacionais. O tom é de desconfiança. De nada adiantou o Brasil ter desviado o rumo de sua diplomacia independente e altiva e se alinhado de forma inferiorizada aos interesses norte-americanos, sob José Serra e Aloysio Nunes. Recebeu um pito e uma reprimenda. Capitães do mato das relações exteriores.
A segunda humilhação veio da imprensa. O principal jornal estadunidense, New York Times, secundado por várias outras publicações, deixou claro que o jornalismo brasileiro vem fazendo um papelão. Não noticia com independência, é avesso à pluralidade, não entende de liberdade. Mesmo o mais capitalista dos países sabe que uma imprensa livre é um valor para democracia. Na verdade, é uma de suas condições. O artigo publicado no NYT é um puxão de orelhas na imprensa venal, que deixou os fatos de lado para construir teses e defender bandeiras políticas como se fossem racionais, como o caso da reforma da previdência. A cobertura do julgamento de Porto Alegre foi a mais vergonhosa demonstração de sabujice da história. Os jornalistas prelibavam, babavam e se confraternizavam em frente às câmeras. Capitães do mato do jornalismo.
A terceira estação de nossa submissão constrangedora veio do próprio campo judicial. As demonstrações dadas durante todo o processo, que apontavam orgulhosamente a inspiração na jurisprudência americana, sobretudo por Moro e pela força tarefa da Lava Jato, ficou à mercê de um passa-fora dos juristas daquele país. Em várias manifestações, ficou patente a estranheza com o rito seguido no Brasil. Não foram poucos os que disseram que o sistema judicial de outros países não aceitaria como válidas diversas ações do juiz de Curitiba, referendadas e até elogiadas pelos desembargadores da TRF4. As decisões – e atos de instrução e investigação do processo – seriam rejeitadas de pronto pela maioria das cortes do mundo. A suspeição do juiz foi tida como evidente, além da incompreensível junção das tarefas de investigar e julgar exercidas pela mesma pessoa. Capitães do mato da justiça.
O representante do ex-presidente Lula em processo na Comissão de Direitos Humanos da ONU, o advogado britânico Geoffrey Robertson, também criticou o arremedo de julgamento em Porto Alegre. Entre outras observações, estranhou o fato de o promotor Mauricio Gotardo Gerum se sentar junto e ter conversas particulares com os desembargadores. Confirmando a impressão de que se encenava um teatro de cartas marcadas – e não um momento em que um colegiado independente analisa uma sentença proferida em outra instância – ficou perplexo com o orgulho dos julgadores em chegar à sessão com votos de centenas de páginas, minuciosamente coincidentes em argumentos e aumento das penas, na mesmíssima dosimetria. Capitães do mato da desfaçatez.
Os artífices do Estado de exceção implantado no Brasil tinham como horizonte a lei, a justiça e a imprensa norte-americanas. Tomaram bomba nas três, em notas conferidas pelos próprios bedéis. Deram prova ao mundo que o país desrespeita regras internacionais, que não opera a justiça com respeito aos direitos fundamentais e que tem a pior imprensa do mundo.
Depois dizem que Lula foi o maior derrotado.
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