quarta-feira, 21 de março de 2018

Lula no Sul expõe fascismo da elite

Lula em Santa Maria/RS, 20/3/18. Foto: Ricardo Stuckert
Por Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena, no site Tutaméia:

Milícias de direita e militantes de esquerda tiveram entreveros durante a visita do presidente Lula a Santa Maria (RS) nesta terça, 20/3. Isoladamente, houve alguma troca de socos e tapas; por pouco a situação não descambou para o confronto aberto. Um ferido foi registrado. A tropa de choque da Brigada Militar chegou tempos depois dos primeiros entrechoques e montou uma barreira de soldados e cavalos entre os grupos.

Do lado da direita, havia pelo menos uma pessoa com faca e outra com um chicote, além de uma pessoa armada, que foi afastada do ato. Um carro de som com inscrição do MBL foi enxotado pelos manifestantes pró-Lula, que gritavam: “Recua, direita, recua!” e “Golpistas, fascistas, não passarão!”. O cenário da disputa foi a Universidade Federal de Santa Maria, onde Lula se reuniu com reitores. A pauta do encontro tratou dos cortes na educação pública definidos pelo governo golpista.

Quando a Caravana de Lula chegou ao campus, já havia tensão no ambiente. Na estrada, em alguns poucos pontos no acostamento, caminhonetes exibiam faixas contra o presidente. Militantes do MST também se manifestavam em apoio a Lula. Alguns motoristas faziam sinais obscenos, outros aplaudiam.

Na UFSM, o grupo direitista tentou se aproximar do prédio da reitoria, onde Lula participava do encontro; foi detido por um cordão formado por militantes do MST, estudantes e professores. Separados por poucos centímetros, os grupos começaram a entoar palavras de ordem. Na milícia direitista, provocadores faziam xingamentos contra os estudantes e professores, que revidavam com palavras de ordem.

De um lado: “Bate panela, pode bater, quem tira o povo da miséria é o PT!”. De outro lado: “Lula vai tomar no c…!”. De um lado: “Lula ladrão!”. De outro lado: “Lula ladrão, roubou meu coração!”

Xingamentos, berros, empurrões, tambores, faixas, palavrões –a escaramuça de Santa Maria expôs de forma cristalina a luta de classes no país. Para além das conhecidas palavras de ordem, os rostos em confronto mostravam universos diferentes.

Do lado da direita, jovens universitários –que alguém apelidou de agroboys–, senhores mais velhos com as cores gaúchas, senhoras de verde amarelo e jovens vestidos como pobres que pareciam orientados a entrar numa briga.

Do lado da esquerda, jovens universitários, muitos negros e mulheres, professores, militantes do MST. Muitos dos mais jovens, antes da refrega, se diziam emocionados com a visita de Lula. Uma boa parcela parecia fruto da política de inclusão nas universidades. Quando o conflito se desenhou, foram para a frente do cordão em defesa da universidade.

Por pouco, Santa Maria não repetiu a batalha da Maria Antônia. Em São Paulo, há 50 anos, esquerda e milícias direitistas se enfrentaram na rua. Um secundarista morreu. Lá, como agora, o país estava mergulhado num golpe. Golpe que fez, como agora, vicejar forças fascistas.

A divisão também estava evidente nos debates na Câmara de Vereadores da cidade, onde uma moção de repúdio à visita de Lula foi derrotada em votação apertada, por 11 a 10.

À noite, Lula fez comício para os moradores do bairro Nova Santa Marta, em Santa Maria. O público era formado por famílias de trabalhadores, muitas crianças brincando, pequenos em carrinhos de bebê, jovens conversando em turminhas, militantes da CUT e de movimento pela moradia.

O lugar é fruto de ocupação feita em dezembro de 1991, comandada pelo Movimento Nacional de Luta por Moradia. Iniciada com 35 famílias, em 1994 a ocupação já somava mais de 1.800 famílias. Enfrentou forte repressão do governo municipal, que tentou até impedir a chegada de alimento para as crianças.

As coisas começaram a melhorar no governo de Olívio Dutra, e o bairro ganhou mais infraestrutura a partir de 2007, com obras do PAC. Nos discursos desta terça, lideranças locais enfatizaram as conquistas obtidas com muita luta. Lembraram do tempo em que tinham que envolver os sapatos com sacos plásticos para percorrer as ruas encharcadas do local, onde hoje já há calçamento.

Aplaudido de forma entusiasmada, Lula falou dos ataques que tem recebido durante a caravana (vídeo abaixo). Numa referência às milícias ruralistas, disse que os que andam com bandeira verde-amarela pelo dia, vão passar à noite para Miami. Afirmou que essa elite fica feliz duas vezes: quando pega empréstimo do governo para comprar trator e, depois, quando dá calote.

Antes dele, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann denunciou a ação de milícias de direita que agem para impedir a circulação da caravana. “A caravana pacífica e democrática do presidente Lula está sendo ameaçada e agredida por milícias armadas pela extrema direita aqui no Rio Grande do Sul. Essas milícias querem impedir a caravana de prosseguir e utilizam de violência física em relação aos manifestantes que estão com Lula”.

Ela informou que, em uma caminhonete inspecionada na região foram apreendidos fogos de artifício. Denunciou que pessoas atiraram pedras nos ônibus e que, entre os manifestantes direitistas, havia gente que “utiliza armamentos, pedras e soco inglês”.

Gleisi disse que fez um contato formal com os governos estadual e federal alertando para os riscos da situação. “A segurança de Lula e Dilma é responsabilidade do Estado brasileiro”, declarou.

Se a ação da grupos raivosos com tonalidade fascista ficou clara nesses dois dias de caravana, também ficou evidente a divisão que racha a sociedade gaúcha. O movimento dos ônibus pelas rodovias e cidades revela apoios de carroceiros, frentistas, funcionários, trabalhadores, mães carregando filhos no colo, crianças e jovens.

E também provoca reações aos berros de motoristas em caminhonetes, homens nas calçadas carregando compras, senhoras que vão para as portas de casa. Sem falar de militantes, os apoios são mais silenciosos, vem com palmas, sorrisos, abanos. Os adversários de Lula são estridentes e suas demonstrações vêm com palavrões. O discurso da corrupção unifica a verborragia irada desses membros de classes médias imersos em ódio. Elegem no PT como seu inimigo interno e abrem as janelas para o fascismo.

O Rio Grande do Sul tem história repleta de embates polarizados. Aqui ocorreu a última guerra civil do país: a Revolução de 23, opondo chimangos e maragatos. Degolas, batalhas sanguinolentas, cisão dentro das famílias –tudo isso fazia parte da rotina do Estado no século 19 e no início do 20.

Os chimangos, os progressistas da época, tinham base ideológica no positivismo. Valorizavam o Estado e as políticas públicas. Produziram homens como Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros. Getúlio Vargas bebeu nessa fonte ao pensar sua ideia de governo.

Os maragatos, sempre incensados pela direita, foram talvez a inspiração mercadológica dos fascistas que se manifestaram em Santa Maria. Mas os maragatos nunca foram fascistas –esse movimento nasceu décadas depois, com a agudização das contradições capitalistas.

No entrevero da UFSM, um senhor bem à frente do grupo exibia o lenço vermelho maragato e a bandeira riograndense –presença constante nas manifestações de direita por aqui. É bem verdade que, à noite, ela também apareceu no comício da esquerda, junto com a bandeira nacional.

Pela manhã, em alguns momentos, os direitistas cantaram o hino gaúcho, que enaltece a Revolução Farroupilha (1835-1845) –um movimento separatista promovido essencialmente por pecuaristas que entrou no imaginário da região como símbolo de liberdade, autonomia. Emblema dessa identidade regional, a revolução (derrotada) serve até hoje para amalgamar tradicionalistas –e, pelo que vemos agora— até fascistas.

Chimangos contra maragatos? Pobres versus ricos? Seria simplificar demasiadamente o quadro. Os ricos têm lado, se sabe, e conhecem bem o inimigo a ser atacado e estigmatizado. Há pobres dos dois lados, mas eles tendem a apoiar a esquerda, mostram as pesquisas e as faces de Santa Maria.

A história do Rio Grande do Sul, sempre polarizada politicamente, já teve momentos melhores. Basta lembrar da campanha da legalidade –e pela democracia—, liderada por Brizola em 1961, que permitiu a posse de João Goulart.

Getúlio, Jango, Brizola –todos estão enterrados em São Borja. É para lá que a caravana segue nesta quarta-feira.

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