segunda-feira, 25 de junho de 2018

A eleição de 2018 e o espírito do tempo

Manuela D´Ávila. Arte: LPART Studio
Por Theófilo Rodrigues, no blog Cafezinho:

Um velho filósofo do século XIX escreveu em algum momento que “a humanidade não se propõe nunca senão os problemas que ela pode resolver (…) pois, o próprio problema só se apresenta quando as condições materiais para resolvê-lo existem ou estão em vias de existir”. O que entendemos por “espírito do tempo” é exatamente esse encontro entre o problema colocado e a capacidade de resolve-lo.

A humanidade hoje, ou ao menos uma parcela dela, propõe-se a tarefa de enfrentar de forma conjunta as assimetrias econômicas, sociais, culturais e políticas. Dito de outro modo, a humanidade exige hoje a articulação entre as lutas contra o patriarcado, o colonialismo e o capitalismo. Esse é o espírito do tempo em construção. De certo, ele ainda não se tornou predominante. Mas a sua emergência, o seu florescimento, começa a dar sinais de vitalidade em experiências por todo o mundo.

Vejamos alguns exemplos. Das muitas manifestações estudantis ocorridas no Chile despontou a liderança da jovem Camila Vallejo, eleita deputada pelo Partido Comunista em 2014. Ainda em 2014, Paris testemunhou a eleição da sua primeira mulher prefeita da cidade, a socialista Anne Hidalgo. No ano seguinte, o Podemos surpreendeu a Espanha e o mundo ao surgir como partido, obter uma boa votação ao parlamento e apoiar as candidaturas vitoriosas de Ada Colau e Manuela Carmena em Barcelona e Madri. Em junho de 2016 foi a vez das jovens militantes italianas do Movimento 5 Estrelas, Virginia Raggi e Chiara Appendino, serem eleitas prefeitas de Roma e Turim, respectivamente. Em Portugal, desde 2015 governa o país uma coalizão formada pelo Partido Socialista, o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda. O socialista Antônio Costa é o primeiro ministro do país, mas os nomes que se destacam na política portuguesa são os das jovens lideranças do Bloco de Esquerda, Joana e Mariana Mortagua. Neste ano, no México, o movimento zapatista de Chiapas terá, pela primeira vez em sua história, uma candidatura presidencial e o nome escolhido foi o da líder indígena María de Jesús Patricio Martínez, a Marichuy.

Contra tudo e contra todos, sem qualquer consentimento que venha de cima para baixo, jovens mulheres disputam e conquistam, passo a passo, novos espaços na política em todo o mundo. Mas o espírito do tempo não é apenas feminino. O espírito do tempo é também o da unidade.

Se ao longo do século XX a história da esquerda foi a da ruptura e competição entre social democratas, nacionalistas e comunistas, nesse início do século XXI um certo encontro passou a ocorrer, ainda que de forma incipiente no sistema político internacional. Veja-se os exemplos da Frente Ampla no Uruguai, da geringonça em Portugal ou da nova base de sustentação ao governo do PSOE na Espanha.

Para o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, esse “pacto resulta de uma leitura política de que o que está em causa é a sobrevivência de uma democracia digna do nome e de que as divergências sobre o que isso significa têm agora menos premência do que salvar o que a direita ainda não conseguiu destruir”.

No Brasil, a face desse espírito do tempo, desse chamado por uma política de unidade que tenha o protagonismo das mulheres, parece estar perfeitamente desenhada em uma candidatura que tem chamado a atenção das redes sociais nos últimos meses: a de Manuela D´Avila.

Deputada eleita com as maiores votações do Rio Grande do Sul nos últimos anos, a jovem comunista agora desponta como uma liderança nacional, porta voz do campo progressista na disputa presidencial. Inspirada pelos ventos que sopram por todo o mundo, Manuela se apresenta como uma incansável pregadora da unidade da esquerda. Movida mais pelo programa que pela vaidade, algo difícil de se ver na política masculina, Manuela já repetiu por diversas vezes que, se for necessário para a unidade da esquerda, poderia até retirar seu nome da disputa. Algo inédito que nenhum outro candidato, infelizmente, tem coragem de dizer.

Em um cenário onde um nome da extrema-direita, defensor da ditadura militar, aparece em primeiro lugar nas pesquisas eleitorais, a unidade de um campo democrático, como prega Manuela, não é apenas um desejo, mas uma necessidade.

Enquanto nenhuma outra força política dá sinal de querer a unidade defendida por Manuela, a candidata segue divulgando seu programa político que reúne temas como o desenvolvimento soberano, o investimento infraestrutural casado com a preocupação com o meio ambiente, o crescimento econômico com redistribuição de renda, a reforma tributária com taxação das grandes fortunas, o reconhecimento das políticas identitárias, a democratização da mídia e a inovação democrática com a complementariedade de mecanismos de democracia participativa e deliberativa. Soma-se a isso, ainda, a defesa da liberdade do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e da possibilidade de sua candidatura.

Em livro recém-publicado, A difícil democracia, o já mencionado Boaventura de Sousa Santos defende a tese de que “a política de esquerda tem de ser conjuntamente anticapitalista, anticolonialista e antissexista”. Absolutamente a mesma tese repetida à exaustão nos últimos anos por nomes da teoria política como Nancy Fraser, Chantal Mouffe e Angela Davis. Não há dúvidas de que, no Brasil, esse programa esteja estampado nos traços de Manuela D´Avila.

* Theófilo Rodrigues é professor no Departamento de Ciência Política da UFRJ.

1 comentários:

Anônimo disse...

Chora professor esquerdalha! Dá-lhe bolsonaro em 2018! É melhor "Jair" se acostumando!