segunda-feira, 25 de junho de 2018

"Pacote do Veneno" é ruim para o Brasil

Por Cida de Oliveira, na Rede Brasil Atual:

A comissão especial da Câmara que analisa mudanças propostas para afrouxar as regras para toda a cadeia dos agrotóxicos, aumentando assim sua produção e consumo realiza nesta segunda-feira (25), a partir das 12 horas, reunião extraordinária. O objetivo da presidenta, deputada Tereza Cristina (DEM-MS), do relator Luiz Nishimori (PR-PR) e dos demais ruralistas, maioria, é finalmente conseguir colocar em votação o polêmico Pacote do Veneno.

A tramitação da proposta, que começou sem estardalhaço, sendo discutida a princípio apenas entre especialistas e ativistas de saúde e meio ambiente, vem ganhando cada vez mais repercussão. Intelectuais, artistas, chefs de cozinha, cozinheiros famosos e celebridades até internacionais, como Gisele Bündchen, aderiram à campanha #ChegaDeAgrotóxicos e participam de manifestações pelas redes sociais às vésperas de cada reunião da comissão. Outras, como Paola Carosella, Bela Gil e Bel Coelho, entre outros, comparecem à sala de reuniões na Câmara, em Brasília.

Ansiosos pela aprovação, os ruralistas e seu trator, representado pela presidenta, que preside também a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), estão sendo brecados pela minoria. Deputados do PT, PCdoB, Psol, PSB, PDT e Solidariedade têm conseguido ganhar tempo ao forçar o debate com obstruções e requerimentos – o que nas palavras dos defensores do Pacote significa "atrasar o Brasil".

O que tem pesado contra a poderosa bancada, alinhada com os interesses não só do agronegócio como das indústrias de agrotóxicos é justamente a falta de argumentos – o que os deputados opositores têm de sobra.

Convicção

"Com toda a convicção (do voto por um requerimento apresentado na reunião da comissão), porque o nós sabemos que o nosso Brasil fornece alimento para o mundo inteiro. Agora, quem 'tá' com dúvida (de que o alimento é envenenado ou não) não come", disse nesta terça-feira (19) o deputado Professor Victório Galli (PSL-MT), defensor da aprovação do Pacote.

Primeiro vice-presidente da comissão especial, o ruralista Valdir Colatto (MDB-SC) é autor do polêmico Projeto de Lei 6268/16, que propõe a liberação da caça e venda de animais silvestres. Agrônomo, como faz questão de sublinhar em todas as suas intervenções, para dar credibilidade ao que pensa, se limita a citar uma nota da Embrapa, que defende alguns pontos do Pacote, como a necessidade de aprovar produtos mais modernos. E a mencionar dados da edição de 2016 do Programa de Análises de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

"É preciso, sim, usar defensivos agrícolas para podermos produzir e para alimentar os brasileiros e 7 bilhões de pessoas no mundo. E quem quiser ficar sem defensivos, com os orgânicos, é muito simples: procura o restaurante ou casa de produtos orgânicos e vai almoçar lá", deputado Valdir Colatto (MDB-SC), defensor do Pacote

"Em 2016, a Anvisa fez uma análise, um relatório do seu programa de análise de resíduos de agrotóxicos em alimentos, que analisou mais de 12 mil amostras. Mais de 99% eram seguras. O que quer dizer? Nós estamos levando, sim, alimento seguro para a mesa dos brasileiros. Eu acho que a Embrapa tinha de estar aqui mostrando as pesquisas que faz, e mostrando para os brasileiros que é preciso, sim, usar defensivos agrícolas para podermos produzir e para alimentar os brasileiros e 7 bilhões de pessoas no mundo. E quem quiser ficar sem defensivos, com os orgânicos, é muito simples: procura o restaurante ou casa de produtos orgânicos e vai almoçar lá", disse, sem completar a frase por causa do microfone cortado pelo tempo excedido.

Divulgado em novembro de 2016, o relatório do PARA foi contestado por entidades e órgãos públicos de todo o país, que acusaram a Anvisa de manipular e negligenciar dados de interferência direta na saúde da população brasileira, além de desconsiderar o efeito crônico da contaminação por agrotóxicos, potencialmente relacionados a agravos como câncer, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico, entre outras doenças degenerativas.

Dúvidas

"Permanecem dúvidas na sociedade a respeito do entendimento da comunidade científica, que não teve audiência devida nesse embate entre representantes que querem de toda maneira empurrar os seus produtos altamente nocivos à saúde e impedindo inclusive que agricultores possam ter alternativas de combate a pragas. Nesse sentido, nós achamos importante que tenhamos um debate mais apurado, mais aprofundado", defendeu o deputado Augusto Carvalho (SD-DF).

Único deputado do Distrito Federal a votar a favor do impeachment, sem crime de responsabilidade, da presidenta Dilma Rousseff, Augusto Carvalho é a prova de que a defesa de um debate mais amplo sobre um tema de interesse social tão grande, como o Pacote do Veneno, está longe de ser questão meramente ideológica. A questão chegou a ser explorada pela campanha dos ruralistas intensificada a partir desta semana nas redes sociais. Coincidência ou não, os defensores do pacote tornaram-se mais ativos também em grupos de WhatsApp desde que Nizan Guanaes assumiu o comando da publicidade pró-Pacote do Veneno, no meio da semana.

"Permanecem dúvidas na sociedade a respeito do entendimento da comunidade científica, que não teve audiência devida nesse embate entre representantes que querem de toda maneira empurrar os seus produtos altamente nocivos à saúde e impedindo inclusive que agricultores possam ter alternativas de combate a pragas", deputado Augusto Carvalho (SD-DF), contrário ao Pacote

Agricultor do sudoeste do Paraná, o deputado Assis do Couto (PDT-PR), já mexeu muito com agrotóxicos. Ou "pesticidas", como o relator Luiz Nishimori passou a chamar em seu novo substitutivo o até então "defensivo fitossanitário" do Pacote do Veneno original. "Já tenho situações familiares gravíssimas", disse, referindo-se a pessoas com câncer na família devido à exposição a esses produtos.

Uma das vozes contrárias ao Pacote dentro de sua legenda, o parlamentar entende que o pretexto usado para a flexibilização das regras da cadeia dos agrotóxicos é o mesmo utilizado na criação da Lei de Biossegurança, que ele votou contra, para legalizar as plantas transgênicas introduzidas no Brasil por meio de contrabando ainda na década de 1990: a redução do uso. "Reduzir o uso dos pesticidas, ou dos venenos, dos agrotóxicos... Mas a realidade mostra que só aumentou, de forma absurda, encarecendo a produção, o que não é bom para os agricultores", disse.

Nova agenda

Para o parlamentar, em vez do Pacote, os deputados deveriam estar discutindo uma nova agenda agroalimentar, em substituição à atual, sob hegemonia da produção em escala, com distância entre o produtor e o consumidor, com custo de transporte e a péssima qualidade dos alimentos que estão sendo rejeitados no mundo inteiro e no Brasil.

"Há movimento forte na sociedade por alimentos mais saudáveis, com mais segurança. Só não vê isso quem não quer, quem está fascinado não sei por qual interesse nesta ideia maluca de hegemonia do uso desenfreado de agrotóxicos. E esta nova agenda vai ter de estar pautada neste país que vai ter eleições gerais em outubro. Por isso não entendo essa pressa de votar isso agora. Aqui teríamos de tratar de questões estruturantes, como a inspeção sanitária animal e também vegetal", disse.

Para Assis do Couto, o substitutivo de Luiz Nishimori deveria inserir a questão da inspeção sanitária. E lembrando a utilização de produtos contrabandeados, sem o mínimo controle, em regiões próximas às divisas com outros países, advertiu que os excessos no uso de agrotóxicos deveria ser motivo de preocupação, e também para o fortalecimento da inspeção vegetal no Brasil.

Em novembro, a União Europeia renovou a licença do glifosato por cinco anos, mas a pressão da sociedade pelo banimento é grande. De todo modo, França vai banir em 2021.

"O país não pode se preocupar apenas com a venda de matéria prima para o mundo, como se isso fosse sustentável. Estamos enfrentando essa situação, com o embargo da Europa ao frango. O nosso sistema de inspeção animal está em xeque. Tanto que um comissário chegou a dizer ao ministro da Agricultura Blairo Maggi sobre a necessidade de uma auditoria externa ao nosso sistema. O ministro chegou a concordar com algumas reformas, mas nada se faz, não queremos mexer na nossa ferida. A inspeção sanitária não é só animal. Também é vegetal. Os defensores aqui do agro vão logo, logo, ver embargos aos grãos do Brasil em alguns mercados do mundo por conta do descuido, da ânsia e da ganância de algumas indústrias de venenos que querem vender mais e mais no Brasil. E logo poderemos ter embargo à soja, ao milho, por mercados importantes. Não vamos brincar com uma coisa tão séria".

Gasolina na fogueira

Assis advertiu ainda: "A aprovação desse projeto vai prejudicar as nossas exportações. Estamos aqui para tratar de interesses de produtores rurais brasileiros, consumidores, e enfrentando lobistas de produtores que querem vender mais veneno e ganhar cada vez mais, lucrar mais. Para onde vamos? É sustentável isso? Acho uma temeridade votar esse projeto; a sociedade vai se revoltar contra isso, que não é um tema de esquerda, de direita, não é ideológico. É de saúde pública, de meio ambiente. Quem conseguir aprovar esse projeto com certeza terá arrependimento, porque está mexendo com a vida de muita gente, com o nosso mercado internacional, que pode agora estar de luz amarela, quase vermelha, alertando para os perigos ao nosso tão rico agronegócio brasileiro. Estamos ateando gasolina para tentar apagar uma fogueira. Ninguém aqui que conseguir aprovar o projeto vai sair ganhando. Vai perder o país, vai perder o agro".

Cortina de fumaça

Pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e integrante da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, o agrônomo Gabriel Bianconi Fernandes tem críticas ao vídeo em defesa do Pacote do Veneno que circulou esta semana. Conforme destaca, os ruralistas se utilizam de argumentos sem respaldo em dados disponíveis nas pesquisas mais recentes. "Servem mais como cortina de fumaça para encobrir os reais interesses que estão por trás da aprovação desse pacote do veneno", afirmou.

Entre esses interesses, segundo ele, está o aumento do lucro das empresas de agrotóxicos e as empresas associadas ao modelo industrial de agricultura, como alguns setores de máquinas e o sistema financeiro de crédito. Nesse contexto, ele inclui as recentes mega fusões entre as grandes multinacionais de transgênicos e agrotóxicos. É o caso da Bayer e Monsanto, Dow e DuPont e também da Chem China com a Syngenta, que avançam cada vez mais sobre setores da agricultura.
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"É a própria profecia da concorrência que leva ao monopólio. Um dos argumentos dos ruralistas é a necessidade de uma nova lei para poder informatizar os processos de registro de agrotóxicos no Brasil, que não tem o menor cabimento. É só a gente pensar, por exemplo, no caso do Judiciário brasileiro, em que hoje em dia os processos são eletrônicos. Não foi necessário criar um novo Código do Processo Civil para garantir que os processos que tramitam na Justiça brasileira sejam hoje informatizados. Então a gente não pode aceitar esse argumento falacioso que é preciso uma lei completamente nova para que os processos de registro de agrotóxicos passem a ser informatizados ou tramitem com mais celeridade no Brasil", explicou.

Clima tropical

Outro dado falso dos ruralistas, segundo Fernandes, diz respeito ao que eles chamam de uso eficaz dos agrotóxicos no Brasil para tentar justificar o maior uso de agrotóxico no Brasil por causa do clima tropical, com mais incidência de pragas que em vários outros países. E também que o Japão, a Inglaterra e assim por diante, têm uso mais intensivo por unidade de área plantada.

"Ao dizer isso, eles estão escondendo o fato de que, em 2002, a comercialização de agrotóxicos no Brasil era equivalente a 2,7 quilos por hectare de lavoura. Dez anos depois, em 2012, esse número chegou a 6,9, segundo dados do IBGE, de 2015. Cresceu muito."

Monoculturas e transgênicos

Conforme o agrônomo, outro dado bastante importante, que derruba esse "argumento falacioso" do uso eficaz de agrotóxicos vem do próprio Ministério da Saúde, segundo o qual, entre 2007 e 2013 dobrou o uso de agrotóxicos no Brasil. No entanto, nesse mesmo período, a área cultivada cresceu apenas 20%. "Então não está sendo usado mais agrotóxicos no Brasil porque aumentou a área cultivada. O que esses dados estão mostrando é que predomina no país um modelo agrícola baseado em monoculturas, em transgênicos que, sim, está demandando uma aplicação mais intensiva por unidade de área. Ou seja, mais litros, ou quilos de agrotóxicos por hectare de plantação."

É importante notar ainda que a atual legislação não impede a aprovação e registro dos produtos considerados mais eficientes. O argumento dos ruralistas quanto à necessidade de produtos mais modernos no Brasil, segundo ele, pode não coincidir com o interesse das empresas fabricantes de agrotóxicos no Brasil. "Será que têm de fato interesse em introduzir esses produtos no Brasil ou vão continuar seguindo a política de usar o Brasil para vender aqueles agrotóxicos que já foram proibidos em outros países, como já acontece bastante hoje? Aqui se vende a sobra daqueles produtos que não podem mais ser comercializados na Europa e assim por diante."

"A atual lei permite o registro de novos produtos, basta seguir os trâmites legais, apresentar os estudos quanto aos potenciais impactos ao meio ambiente e à saúde e à eficácia para a agricultura. Ao pressionar por uma nova lei, os ruralistas estão tentando reeditar no Brasil o que acontece no caso dos transgênicos. Ou seja, criar uma lei para dispensar os estudos, por meio de uma comissão técnica criada para legitimar esse processo"

Glifosato

No caso dos transgênicos é a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) que legitima a aprovação de transgênicos, sempre dispensando a realização de estudos de impacto ambiental.
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No caso dos agrotóxicos, estão propondo uma CTNFito – Comissão Técnica Nacional de Fitossanidade. Na avaliação do agrônomo isso é bastante grave do ponto de vista da saúde e do meio ambiente. O Randup, herbicida mais vendido no Brasil, é comercializado há mais de 40 anos e só mais recentemente que as pesquisas feitas pelo próprio governo do Estados Unidos estão começando a confirmar que há ingredientes do Randup que são mais tóxicos, com mais impactos às células humanas do que o seu próprio princípio ativo, o glifosato.

"Acontece que os modelos regulatórios as atenções estão voltadas para a molécula do ingrediente ativo do agrotóxico. E as avaliações de risco nos estudos toxicológicos não consideram os outros ingredientes do produto. E são produtos que estão há décadas no mercado. Há portanto a confirmação de que existem outros ingredientes que passam batido pelo crivo dos registros de agrotóxicos e que podem ter mais efeitos adversos à saúde e ao meio ambiente", disse.

Portanto, as mudanças necessárias na lei têm de ir no sentido de garantir que o sistema de registro, de avaliação e reavaliação de agrotóxicos no Brasil passe a considerar também a composição em geral dos agrotóxicos, e não só os ingredientes ativos. E para isso é necessário informação cientifica recente, de qualidade, que sustente esse tipo de posição. "Como mostra o vídeo dos ruralistas, a agricultura brasileira precisa de menos e não mais agrotóxicos. E para conseguir isso a gente precisa de mais agroecologia e não mais liberação facilitada de agrotóxicos como eles estão propondo."

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