Por Marcos Coimbra, na revista CartaCapital:
Na sexta-feira 31 de agosto, o mês mais aziago de nossa história política, aconteceu um embate entre duas visões do Brasil no Tribunal Superior Eleitoral. Em um dos cantos do ringue, a defesa de Lula representava, através de seu cliente, o sentimento da maioria do País.
No outro, um grupo de magistrados, chefiados pelo ministro Luis Roberto Barroso, expressava os desejos da parte menor da sociedade, mas daquela que detém o poder econômico, a força política e que dirige as instituições culturais hegemônicas, em especial a “grande” imprensa.
O resultado foi o previsível: venceram os fortes. Na decisão que tirou Lula da eleição, ele e seu partido saíram derrotados, mas não estavam sozinhos. É mais que retórica. Há muitas pesquisas, feitas por diferentes institutos, que mostram o que a população pensa da campanha contra Lula. É majoritária a parcela que considera que juízes como Sergio Moro condenam sem provas e têm “motivações políticas”.
Em julho, pesquisa CUT/Vox Populi mostrou que 53% das pessoas acreditavam que “o processo, a condenação e a prisão de Lula foram políticos, pois muita gente não gosta dele”. A minoria que avaliava que “eram normais, sem se misturar com política”, era de 33% (recrutada quase integralmente no antipetismo).
Ainda não há pesquisas a respeito da proibição da candidatura, mas não é difícil imaginar o que dirão. Sempre foi maioria a proporção que afirma que “quem tem de julgar Lula é o povo brasileiro, nas urnas, e não Moro ou outros juízes”.
O condutor intelectual da decisão contrária ao desejo popular foi Barroso. Ao votar, repetiu velhos raciocínios e exibiu o que pensa do povo e da democracia. Suas ideias não vão além de uma espécie de neoautoritarismo, que preserva e atualiza, com menos brilho, a obra de autores como Oliveira Vianna, Azevedo Amaral e Francisco Campos, personagens do debate jurídico e político na República Velha, ideólogos das restrições à democracia e da ditadura estado-novista.
Não é, portanto, a primeira vez que um “pensador” se oferece para formular uma teoria que justifica o que querem as classes dominantes. Há cem anos, a ideia de eugenia fundamentou a noção de que as “populações mestiças” são constitutivamente inaptas para governar-se e exigem a “mão forte” dos mais capacitados. Nas palavras famosas de Oliveira Vianna: “Os 200 milhões de hindus não valem o pequeno punhado de ingleses que os dominam”.
Em um artigo de 2015, intitulado “A Razão sem Voto”, Barroso externou sua certeza de que é impossível confiar na capacidade do eleitor comum. Disse: “(...) o sistema representativo (tem dificuldade) de expressar, efetivamente, a vontade majoritária da população”. E aduziu: “(esse sistema) Gera muita indignação e poucos resultados”.
Ele nada inova no diagnóstico dos problemas da democracia representativa brasileira, identificando disfunções que até o mais humilde dos cidadãos percebe. A solução que oferece é que é peculiar. De um integrante da mais alta Corte de um país que se pretende democrático exige-se, no mínimo, o respeito à democracia. Sem negacear e na única acepção aceitável, de governo do povo, diretamente ou através de seus representantes.
Mas não é isso que Barroso pensa. Ele acha que a representação democrática está “superada”. Que, no Brasil, “(...) juízes e tribunais se tornaram mais representativos dos anseios e demandas sociais do que as instâncias políticas tradicionais”. Para explicá-lo, uma causa pueril: “Os juízes são recrutados, na primeira instância, por concurso público”.
É uma argumentação tão tosca que, para desmontá-la, basta perguntar se a tese tem algum fundamento. Não tem, pois nunca foi tão baixa a confiança da população no Judiciário (segundo a Fundação Getulio Vargas, menos de uma em cada quatro pessoas confia no STF e na Justiça). Barroso inventa argumentos e acredita no que quer.
No ringue do TSE na última sexta-feira de agosto, de um lado estavam pessoas comprometidas com a democracia. Do outro, aqueles que acham que ela foi “superada” por um regime onde mandam os juízes, porque “foram aprovados em concurso”. Depois da vitória, devem ter se congratulado com as palavras do patrono: “Os 200 milhões de cidadãos não valem o pequeno punhado de juízes que os dominam”.
É lamentável que alguém com as ideias de Barroso esteja no STF e extraordinário que lidere outros juízes. Mas não de todo surpreendente. Sempre há um autoritário de plantão para arregimentar adeptos e servir aos que mandam.
No outro, um grupo de magistrados, chefiados pelo ministro Luis Roberto Barroso, expressava os desejos da parte menor da sociedade, mas daquela que detém o poder econômico, a força política e que dirige as instituições culturais hegemônicas, em especial a “grande” imprensa.
O resultado foi o previsível: venceram os fortes. Na decisão que tirou Lula da eleição, ele e seu partido saíram derrotados, mas não estavam sozinhos. É mais que retórica. Há muitas pesquisas, feitas por diferentes institutos, que mostram o que a população pensa da campanha contra Lula. É majoritária a parcela que considera que juízes como Sergio Moro condenam sem provas e têm “motivações políticas”.
Em julho, pesquisa CUT/Vox Populi mostrou que 53% das pessoas acreditavam que “o processo, a condenação e a prisão de Lula foram políticos, pois muita gente não gosta dele”. A minoria que avaliava que “eram normais, sem se misturar com política”, era de 33% (recrutada quase integralmente no antipetismo).
Ainda não há pesquisas a respeito da proibição da candidatura, mas não é difícil imaginar o que dirão. Sempre foi maioria a proporção que afirma que “quem tem de julgar Lula é o povo brasileiro, nas urnas, e não Moro ou outros juízes”.
O condutor intelectual da decisão contrária ao desejo popular foi Barroso. Ao votar, repetiu velhos raciocínios e exibiu o que pensa do povo e da democracia. Suas ideias não vão além de uma espécie de neoautoritarismo, que preserva e atualiza, com menos brilho, a obra de autores como Oliveira Vianna, Azevedo Amaral e Francisco Campos, personagens do debate jurídico e político na República Velha, ideólogos das restrições à democracia e da ditadura estado-novista.
Não é, portanto, a primeira vez que um “pensador” se oferece para formular uma teoria que justifica o que querem as classes dominantes. Há cem anos, a ideia de eugenia fundamentou a noção de que as “populações mestiças” são constitutivamente inaptas para governar-se e exigem a “mão forte” dos mais capacitados. Nas palavras famosas de Oliveira Vianna: “Os 200 milhões de hindus não valem o pequeno punhado de ingleses que os dominam”.
Em um artigo de 2015, intitulado “A Razão sem Voto”, Barroso externou sua certeza de que é impossível confiar na capacidade do eleitor comum. Disse: “(...) o sistema representativo (tem dificuldade) de expressar, efetivamente, a vontade majoritária da população”. E aduziu: “(esse sistema) Gera muita indignação e poucos resultados”.
Ele nada inova no diagnóstico dos problemas da democracia representativa brasileira, identificando disfunções que até o mais humilde dos cidadãos percebe. A solução que oferece é que é peculiar. De um integrante da mais alta Corte de um país que se pretende democrático exige-se, no mínimo, o respeito à democracia. Sem negacear e na única acepção aceitável, de governo do povo, diretamente ou através de seus representantes.
Mas não é isso que Barroso pensa. Ele acha que a representação democrática está “superada”. Que, no Brasil, “(...) juízes e tribunais se tornaram mais representativos dos anseios e demandas sociais do que as instâncias políticas tradicionais”. Para explicá-lo, uma causa pueril: “Os juízes são recrutados, na primeira instância, por concurso público”.
É uma argumentação tão tosca que, para desmontá-la, basta perguntar se a tese tem algum fundamento. Não tem, pois nunca foi tão baixa a confiança da população no Judiciário (segundo a Fundação Getulio Vargas, menos de uma em cada quatro pessoas confia no STF e na Justiça). Barroso inventa argumentos e acredita no que quer.
No ringue do TSE na última sexta-feira de agosto, de um lado estavam pessoas comprometidas com a democracia. Do outro, aqueles que acham que ela foi “superada” por um regime onde mandam os juízes, porque “foram aprovados em concurso”. Depois da vitória, devem ter se congratulado com as palavras do patrono: “Os 200 milhões de cidadãos não valem o pequeno punhado de juízes que os dominam”.
É lamentável que alguém com as ideias de Barroso esteja no STF e extraordinário que lidere outros juízes. Mas não de todo surpreendente. Sempre há um autoritário de plantão para arregimentar adeptos e servir aos que mandam.
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