terça-feira, 18 de setembro de 2018

Noam Chomsky e o papel da mídia no golpe

Foto: Felipe Bianchi
Por Felipe Bianchi, no site do Centro de Estudos Barão de Itararé:

De passagem pelo Brasil, o linguista, filósofo e ativista estadunidense Noam Chomsky concedeu coletiva a blogueiros e meios alternativos nesta segunda-feira (17), em São Paulo. Para o premiado intelectual, é preciso falar sobre os meios de comunicação e os perigos da falta de diversidade e pluralidade de opiniões e ideias na mídia, acentuados em sistemas de comunicação concentrados como os da América Latina.

“Se a imprensa norte-americana atuasse contra governos e em prol de golpes, como a imprensa latino-americana o faz, seus editores teriam sorte se fossem apenas presos”, afirmou. De acordo com Chomsky, o papel jogado pelos monopólios midiáticos na região seria impensável em países como os Estados Unidos, a França ou a Inglaterra “ É inimaginável que haja um golpe de Estado em curso nos Estados Unidos e um grande meio de comunicação o apoie sem consequências graves”.

Não faltaram exemplos concretos vividos durante seus 89 anos de vida para ilustrar as reflexões compartilhadas no auditório lotado do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. Primeiro, Chomsky relatou ter sido convidado por um amigo a visitar a Nicarágua, em 1989, quando havia denúncias de censura pelo Estado - o governo sandinista teria limitado a tinta de impressão para o jornal La Prensa. Chegando lá, o linguista se surpreendeu ao ver que, na verdade, o diário de maior circulação do país, tratado como vítima, defendia abertamente os grupos guerrilheiros que incendiavam as ruas do país em guerra civil patrocinada pelos Estados Unidos. “Em qualquer outro lugar do mundo, seriam presos”, repete.

Em dois outros exemplos, Chomsky abordou a Venezuela para escancarar o mecanismo de dois pesos e duas medidas sobre o qual opera a mídia dominante e o que o próprio intelectual classificou como “senso comum hegemônico internalizado”, emprestando o conceito do filósofo italiano Antonio Gramsci.


Foto: Felipe Bianchi

Primeiro, recordou o episódio em que o governo de Hugo Chávez optou por não renovar a concessão pública da RCTV (Radio Caracas Televisión), emissora que cometeu sucessivas violações constitucionais. Notabilizada por ser feroz porta-voz da oposição à Chávez, a decisão do governo foi tachada por muita gente como um ataque à liberdade de expressão e imposição da censura. Mas segundo Chomsky, a história não é bem assim. “A Venezuela foi duramente criticada pelos EUA e seus aliados por cancelar a concessão da RCTV, mas o canal foi parte de um golpe de Estado contra o governo democraticamente eleito de Chávez. Os Estados Unidos teriam tolerado a postura golpista desse meio de comunicação se isso ocorresse por lá?”.

Ainda tomando a Venezuela como exemplo, o linguista lembrou de uma passagem pelo Chile, também durante o governo de Chávez. “Cheguei no Chile e fiquei chocado ao ver como os intelectuais chilenos criticavam a Venezuela e o chavismo. Até folhear os jornais chilenos e entender”, revela. “Uma grande agência de pesquisa de opinião chilena, a Latinobarómetro, fez pesquisas na Venezuela e o grau de confiança e aprovação de Chávez perante à população eram enormes”, acrescenta. A visão única e partidarizada dos grandes meios de comunicação, conforme relata Chomsky, explica essa discrepância.

Ao contrário do senso comum construído após a repetição de mantras pela mídia hegemônica, Chomsky acredita que se algum governo respeitou a liberdade de imprensa e de expressão na América Latina, foram os progressistas. “Governos de esquerda e de centro-esquerda latino-americanos, em geral, tiveram uma postura bastante aberta em relação à imprensa. A imprensa continuou livre, mesmo fazendo oposição sistemática a esses governos”, opina.

Em relação ao continente, açoitado historicamente pela ingerência de potências imperialistas - em especial de seu vizinho ao norte, os Estados Unidos -, Chomsky acredita que o poder de interferência já não é tão forte quanto no passado. “Na onda de ditaduras militares latino-americanas, havia apoio e direcionamento a partir de Washington. Hoje, já não existe essa força tão grande e nem condições de subjugar tão diretamente os países da região”, avalia.

No entanto, Chomsky alerta que há novas ferramentas para desestabilizar os países da região. “Não existe a possibilidade de intervenção dos EUA na Venezuela pois não seria uma ‘intervenção’, mas sim invasão”, diz. “Mas não acredito que possa ocorrer. Os EUA já fizeram isso muitas vezes, mas não acho que seja mais assim. O que não significa que ocorram sabotagens”.

Chomsky no Brasil

Assim como noticiado em meios alternativos após a participação de Chomsky no Seminário “Ameaças à Democracia e a Ordem Multipolar”, realizado na sexta-feira (14), pela Fundação Perseu Abramo, o intelectual norte-americano voltou a criticar a proibição de Lula concorrer à presidência em 2018.

Questionado sobre o assunto e a posição da Organização das Nações Unidas (ONU) favorável à candidatura do ex-presidente, Chomsky relativizou: “A Comissão de Direitos Humanos da ONU defende o direito de Lula ser candidato, mas não podemos pensar a ONU como uma força independente. Ela depende que os países e os poderes cumpram suas determinações. Os EUA, por exemplo, não têm a tradição de respeitá-las, infelizmente”.

Assista ao vídeo e confira a íntegra do diálogo de Chomsky com blogueiros e mídias alternativas [aqui].

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