Por Luiz Carlos Azenha, no blog Viomundo:
Um colega evangélico justificou o voto em Bolsonaro: “Ele tem uma missão”.
Quis entender melhor. “Os sinais do Apocalipse estão todos aí. Famílias desfeitas, crime, crise econômica”, argumentou.
Ele balançou quando falei sobre a reforma trabalhista, pela qual o colega foi prejudicado e Bolsonaro apoiou.
“Se sobreviveu ao atentado, é que tem uma missão. O que passou, passou”, respondeu.
A conversa me remeteu aos anos 80, quando eu era correspondente da TV Manchete em Nova York e cobri a tentativa bem sucedida de Ronald Reagan de eleger seu candidato à Casa Branca, George Bush pai.
Reagan elegeu-se em 1980 num quadro de decadência industrial dos Estados Unidos.
Grandes centros urbanos tinham bairros dilapidados, que pareciam zonas de guerra, fruto da fuga de empresas em busca de mão-de-obra barata na Ásia e na América Latina.
A base de arrecadação das metrópoles também tinha sido destroçada pela migração da classe média em direção aos subúrbios, para se afastar dos negros, dos pobres e da criminalidade resultante da pobreza.
Era o período dos televangelistas. O segredo eleitoral de Reagan foi formar uma coalizão de evangélicos que pretendiam resgatar o sonho de ouro de um passado mítico - o da bonança do pós-guerra.
O ator de cinema conseguiu deslocar o debate das questões econômicas para os “moral values”, os valores morais.
A decadência teria sido causada fundamentalmente pela falta de fé dos eleitores, pela “desagregação” das famílias, pelo afastamento dos valores cristãos.
Numa sociedade em transformação, quando mulheres, negros e gays requisitavam seus direitos sociais, Reagan conseguiu operar o milagre de transformá-los em bodes expiatórios.
Eram eles, e não as mudanças causadas pelo início da globalização capitalista, os culpados pela crise.
Numa sociedade com as hierarquias colocadas em xeque por mulheres, gays e negros - dentro de casa, no trabalho e nos papéis sociais - o ressentimento dos que se acreditavam “passados para trás” (maridos, colegas de trabalho, homens incertos sobre sua própria sexualidade, brancos que tinham de competir com negros), o ressentimento foi canalizado eleitoralmente.
Sempre achei que este foi um dos motivos importantes, no Brasil, para a contestação dos governos Lula-Dilma: mudanças bruscas na hierarquia social de um povo profundamente conservador (o cartão do Bolsa Família e os títulos de propriedade do Minha Casa, Minha Vida na mão de mulheres tiveram consequências sociais).
Nos subúrbios do interior dos Estados Unidos, naquele 1988, acompanhei de perto ações de campanha dos evangélicos conservadores.
Finalmente o Partido Republicano tinha conseguido “mão-de-obra” militante para bater de porta em porta e enfrentar sindicalistas e ativistas sociais que faziam o trabalho de formiguinha do Partido Democrata.
Reagan, vestido de caubói ao lado de um fardo de feno, vendeu a ideia do resgate de uma prosperidade baseada na fé e na superação individual. “Tirar o Estado das costas do povo” era uma de suas frases favoritas.
A promessa da “trickle down economics” foi um lance de genialidade marqueteira: dê dinheiro aos ricos, eles vão produzir riqueza e ela vai escorrer, o mel e o leite vão chegar a todos - é só virar a página bíblica.
Vem de então e nunca mais cessou a decadência da classe média dos Estados Unidos e a acumulação da riqueza no topo.
Mesmo sob governos democratas, a política estadunidense guinou mais e mais à direita.
Bill Clinton trouxe Wall Street para dentro do governo, Barack Obama bateu o recorde de matar inocentes com ataques de drone e, com Donald Trump, os gastos militares seguem rumo ao infinito.
Naquela primeira sucessão que acompanhei como correspondente, em 1988, George Bush pai era muito elitista para ser engolido integralmente pela coalizão evangélica, que com seu anti-intelectualismo interiorano repudiava a elite da Costa Leste.
Originário da Nova Inglaterra, Bush pai tinha se formado em Yale e era muito almofadinha.
Mesmo a mudança física da família Bush para o Texas não deu a George o ar de “true believer”, crente de verdade, que a coalizão evangélica queria ver na Casa Branca.
Graças ao carisma de Reagan, George se elegeu, mas foi presidente de um mandato só.
Mais tarde, o filho dele, George W. Bush, teria mais sucesso com os eleitores guiados pela religião: ele assumiu tomar decisões orientado diretamente pela palavra divina (Deus, aparentemente, autorizou a ocupação do Iraque, que causou milhões de mortos, feridos e deslocados, segundo Bush).
Seus marqueteiros foram eficazes: venderam Bush filho como um alcoólatra que foi tirado do mau caminho por Deus.
As tramoias sórdidas de Reagan como porta-voz dos grandes interesses econômicos e as pilantragens de Bush filho para fugir do serviço militar - e mais tarde posar de jaqueta das Forças Armadas, como se tivesse acabado de descer de um caça –, foi tudo varrido para debaixo do tapete.
Em nome da política, Reagan sugeriu que a AIDS era maldição divina - tendo em casa uma filha homossexual.
Bush filho bebeu no fundamentalismo quando falou em fazer uma “cruzada” em terras muçulmanas.
Ao mesmo tempo, ambos dilapidaram os direitos sociais, fomentaram a indústria armamentista da morte e aprofundaram a decadência relativa da classe média que os elegeu - fundamentalista evangélica ou não.
Para Reagan, mais tarde Bush filho e agora Donald Trump, a ideia de que estão numa missão de “resgate” os coloca numa plano quase espiritual, difícil de contestar politicamente.
Se de fato os erros do passado importassem, afinal, eles não teriam sido escolhidos por Deus. E agora, que foram, não é possível que errem de novo.
Afinal, quem é que vai contestar de peito aberto uma decisão divina?
Um colega evangélico justificou o voto em Bolsonaro: “Ele tem uma missão”.
Quis entender melhor. “Os sinais do Apocalipse estão todos aí. Famílias desfeitas, crime, crise econômica”, argumentou.
Ele balançou quando falei sobre a reforma trabalhista, pela qual o colega foi prejudicado e Bolsonaro apoiou.
“Se sobreviveu ao atentado, é que tem uma missão. O que passou, passou”, respondeu.
A conversa me remeteu aos anos 80, quando eu era correspondente da TV Manchete em Nova York e cobri a tentativa bem sucedida de Ronald Reagan de eleger seu candidato à Casa Branca, George Bush pai.
Reagan elegeu-se em 1980 num quadro de decadência industrial dos Estados Unidos.
Grandes centros urbanos tinham bairros dilapidados, que pareciam zonas de guerra, fruto da fuga de empresas em busca de mão-de-obra barata na Ásia e na América Latina.
A base de arrecadação das metrópoles também tinha sido destroçada pela migração da classe média em direção aos subúrbios, para se afastar dos negros, dos pobres e da criminalidade resultante da pobreza.
Era o período dos televangelistas. O segredo eleitoral de Reagan foi formar uma coalizão de evangélicos que pretendiam resgatar o sonho de ouro de um passado mítico - o da bonança do pós-guerra.
O ator de cinema conseguiu deslocar o debate das questões econômicas para os “moral values”, os valores morais.
A decadência teria sido causada fundamentalmente pela falta de fé dos eleitores, pela “desagregação” das famílias, pelo afastamento dos valores cristãos.
Numa sociedade em transformação, quando mulheres, negros e gays requisitavam seus direitos sociais, Reagan conseguiu operar o milagre de transformá-los em bodes expiatórios.
Eram eles, e não as mudanças causadas pelo início da globalização capitalista, os culpados pela crise.
Numa sociedade com as hierarquias colocadas em xeque por mulheres, gays e negros - dentro de casa, no trabalho e nos papéis sociais - o ressentimento dos que se acreditavam “passados para trás” (maridos, colegas de trabalho, homens incertos sobre sua própria sexualidade, brancos que tinham de competir com negros), o ressentimento foi canalizado eleitoralmente.
Sempre achei que este foi um dos motivos importantes, no Brasil, para a contestação dos governos Lula-Dilma: mudanças bruscas na hierarquia social de um povo profundamente conservador (o cartão do Bolsa Família e os títulos de propriedade do Minha Casa, Minha Vida na mão de mulheres tiveram consequências sociais).
Nos subúrbios do interior dos Estados Unidos, naquele 1988, acompanhei de perto ações de campanha dos evangélicos conservadores.
Finalmente o Partido Republicano tinha conseguido “mão-de-obra” militante para bater de porta em porta e enfrentar sindicalistas e ativistas sociais que faziam o trabalho de formiguinha do Partido Democrata.
Reagan, vestido de caubói ao lado de um fardo de feno, vendeu a ideia do resgate de uma prosperidade baseada na fé e na superação individual. “Tirar o Estado das costas do povo” era uma de suas frases favoritas.
A promessa da “trickle down economics” foi um lance de genialidade marqueteira: dê dinheiro aos ricos, eles vão produzir riqueza e ela vai escorrer, o mel e o leite vão chegar a todos - é só virar a página bíblica.
Vem de então e nunca mais cessou a decadência da classe média dos Estados Unidos e a acumulação da riqueza no topo.
Mesmo sob governos democratas, a política estadunidense guinou mais e mais à direita.
Bill Clinton trouxe Wall Street para dentro do governo, Barack Obama bateu o recorde de matar inocentes com ataques de drone e, com Donald Trump, os gastos militares seguem rumo ao infinito.
Naquela primeira sucessão que acompanhei como correspondente, em 1988, George Bush pai era muito elitista para ser engolido integralmente pela coalizão evangélica, que com seu anti-intelectualismo interiorano repudiava a elite da Costa Leste.
Originário da Nova Inglaterra, Bush pai tinha se formado em Yale e era muito almofadinha.
Mesmo a mudança física da família Bush para o Texas não deu a George o ar de “true believer”, crente de verdade, que a coalizão evangélica queria ver na Casa Branca.
Graças ao carisma de Reagan, George se elegeu, mas foi presidente de um mandato só.
Mais tarde, o filho dele, George W. Bush, teria mais sucesso com os eleitores guiados pela religião: ele assumiu tomar decisões orientado diretamente pela palavra divina (Deus, aparentemente, autorizou a ocupação do Iraque, que causou milhões de mortos, feridos e deslocados, segundo Bush).
Seus marqueteiros foram eficazes: venderam Bush filho como um alcoólatra que foi tirado do mau caminho por Deus.
As tramoias sórdidas de Reagan como porta-voz dos grandes interesses econômicos e as pilantragens de Bush filho para fugir do serviço militar - e mais tarde posar de jaqueta das Forças Armadas, como se tivesse acabado de descer de um caça –, foi tudo varrido para debaixo do tapete.
Em nome da política, Reagan sugeriu que a AIDS era maldição divina - tendo em casa uma filha homossexual.
Bush filho bebeu no fundamentalismo quando falou em fazer uma “cruzada” em terras muçulmanas.
Ao mesmo tempo, ambos dilapidaram os direitos sociais, fomentaram a indústria armamentista da morte e aprofundaram a decadência relativa da classe média que os elegeu - fundamentalista evangélica ou não.
Para Reagan, mais tarde Bush filho e agora Donald Trump, a ideia de que estão numa missão de “resgate” os coloca numa plano quase espiritual, difícil de contestar politicamente.
Se de fato os erros do passado importassem, afinal, eles não teriam sido escolhidos por Deus. E agora, que foram, não é possível que errem de novo.
Afinal, quem é que vai contestar de peito aberto uma decisão divina?
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