Por Rodrigo Perez Oliveira, no site Jornalistas Livres:
Depois de uma derrota traumática, é natural que os derrotados façam um duplo exercício: primeiro vem a negação, a tristeza, a depressão. Depois vem a análise, a reflexão, o autoflagelo, ou, para usar um termo da moda, a “autocrítica”.
Pelo que ouço, pelo que vejo, pelo que sinto, acredito que já estamos na fase da reflexão, do autoflagelo. A “autocrítica”, ao menos para mim, passa por uma pergunta fundamental: por que subestimamos tanto Jair Bolsonaro?
E, de fato, subestimamos, sem dúvida. Falo aqui por mim e por mais outros tantos companheiros e companheiras. Não acreditávamos que o Deputado Capitão pudesse chegar tão longe. Chegamos a torcer para que o segundo turno fosse disputado contra Bolsonaro. Dávamos a vitória como certa.
Quase ninguém acreditou que Bolsonaro venceria, nem mesmo do lado de lá. Vocês lembram que Bolsonaro não conseguiu um companheiro de chapa dentro da classe política? Ele tentou, conversou, bateu em muitas portas com o pires na mão. Ninguém quis apostar, ninguém quis ser seu vice. Se arrependimento matasse, a direita brasileira seria hoje um grande cemitério. A esquerda também.
Precisamos reconhecer que Bolsonaro soube jogar o jogo. Ele balançou o livro “Aparelho Sexual e Cia” no Jornal Nacional, em horário nobre, bradando “vejam o que estão distribuindo nas escolas”. Pouco importa se o livro foi mesmo distribuído nas escolas (não foi). Uma afirmação contundente, no Jornal Nacional e em horário nobre se torna uma verdade em si. De nada adiantam os desmentidos que vêm depois.
Ainda no início da campanha, Bolsonaro sinalizou ao mercado que Paulo Guedes (um ortodoxo que assusta até os economistas mais ortodoxos) seria o seu ministro da Fazenda. Foi o bastante para que as forças mais poderosas do capital nacional e internacional abandonassem qualquer compromisso que pudessem ter com os valores da civilização, deixando Geraldo Alckmin de lado e embarcando na canoa de Jair Bolsonaro.
Bolsonaro foi capaz de se apresentar à opinião pública como o candidato da mudança, como um candidato antissistema. Bolsonaro foi deputado federal nos últimos 28 anos. Até pouquíssimo tempo atrás, ele era filiado ao PP, partido estatisticamente mais corrupto do sistema político brasileiro.
Bolsonaro emplacou todos os filhos na vida política. Todos!
Bolsonaro apoiou todas as medidas antipovo implementadas pelo governo de Michel Temer. Mesmo assim, o cabra foi capaz de se apresentar como o candidato da mudança. E nem podemos culpar a imprensa hegemônica, que em diversos momentos da campanha tentou demolir sua candidatura.
Bolsonaro foi eleito com 55% dos votos válidos! A vitória eleitoral de Bolsonaro se explica por muitos motivos. A estratégia correta na campanha e na performance pública está entre eles. Até aqui, Bolsonaro jogou bem.
Não nos resta outra alternativa a não ser reconhecer o óbvio: se Bolsonaro está longe de ser um homem brilhante, também não é o idiota que acreditávamos que fosse. Continuar subestimando-o seria insistir no erro. Eu não o farei. Sou daqueles que aprendem com os erros.
Mas como nem tudo na vida são flores, Bolsonaro começa a dar suas caneladas. Talvez animado com a vitória e tomado por um excesso de auto-estima, o presidente eleito cometeu aquele que, na minha avaliação, é o seu primeiro grande erro estratégico. Ao convidar Sérgio Moro para ser seu “superministro”, Bolsonaro trouxe um adversário potencial, e poderosíssimo, para o coração do seu governo. É deste erro que quero falar neste texto.
O sucesso de Bolsonaro foi impulsionado pelo antipetismo, que hoje talvez seja o capital político mais valioso do Brasil. A maioria das principais lideranças busca fôlego político no antipetismo. João Dória, os desconhecidos governadores eleitos no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, Ciro Gomes e Marina Silva. Todos tentam se alimentar do antipetismo.
O antipetismo tem longa história, que nos leva lá para os anos 1980. Poderíamos ir até mais longe, antes mesmo da fundação do PT, reconhecendo que o antipetismo herdou outros “anti”: o “antipcbismo” dos anos 1930 e 1940, o “antipetebismo” da década de 1950. Não é de hoje que o establischment político brasileiro precisa de um “anti” pra chamar de seu, acendendo o ódio da população contra todo e qualquer projeto político que tenha alguma intenção redistributiva.
Sem dúvidas, Sérgio Moro é o principal responsável pela força do antipetismo e um dos arquitetos do bolsonarismo. Em entrevista recente, o próprio Jair Bolsonaro reconheceu sua dívida com o juiz, agora ministro do seu governo.
Mas será que foi prudente trazer Moro para o coração de um governo eleito pelo antipetismo? Como disputar o controle do antipetismo com o sujeito que construiu o antipetismo?
Moro não será um ministro qualquer. Moro é o principal personagem da crise. Como ele será coadjuvante no governo que é o resultado da crise?
Não há outro lugar ambicionado por Sérgio Moro que não seja o de protagonista, o de único protagonista. Moro não quer ser apenas ministro. Ele está com os dois olhos em 2022. Moro quer a cadeira onde Bolsonaro está sentado. Não duvido que em seus pensamentos mais íntimos, Moro se ache mais merecedor da cadeira do que o presidente eleito.
Justo! Afinal, Bolsonaro não teria chegado lá sem Sérgio Moro.
Moro preparou a campa. Bolsonaro deitou.
A história recente do Brasil deixou claro que Moro não é controlável, a não ser por forças muito poderosas que ainda conhecemos pouco. Sérgio Moro é um quadro político muito bem treinado. Quase todos os seus movimentos foram calculados com astúcia: os vazamentos seletivos para a imprensa, a escolha de Lula como antagonista, o uso habilidoso daquilo que os juristas chamam de “neoconstitucionalismo”.
Moro é o tipo de subordinado que não pode ser demitido. O chefe que contrata subordinado que não pode ser demitido deixa de ser chefe e se transforma em refém.
Ao entregar uma “Superministério” para Sérgio Moro, Bolsonaro fez política, é claro. Só os tolos acham que esses caras estão, de fato, preocupados em combater a corrupção. Bolsonaro quis surfar na popularidade da operação Lava Jato.
Será que Bolsonaro, eleito com 55% dos votos válidos, precisava disso? Não foi muito guloso o presidente eleito?
Ao fazer de Sérgio Moro o seu ministro da Justiça, Bolsonaro colocou a Polícia Federal sob o controle de um homem vaidoso, ambicioso e incontrolável. A Polícia Federal é capaz de destruir qualquer governo. Dilma Rousseff que o diga.
A ver quais serão os desdobramentos da presença de Sérgio Moro no governo de Jair Bolsonaro. Se previsões ainda são possíveis, eu diria que Bolsonaro vai se arrepender por alimentar onça com braço curto.
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