Por Bruno Stankevicius Bassi, no site The Intercept-Brasil:
Desde o impeachment de Dilma Rousseff, tornou-se recorrente a menção à Bancada BBB, acrônimo para Bíblia, Boi e Bala, as grandes frentes de interesse no Congresso Nacional. Mas o apelido, surgido em 2015, não expressa fielmente o balanço de poder. Quem manda mesmo no Brasil é a bancada do boi – a bancada ruralista.
Até este ano, os ruralistas dominavam mais da metade da Câmara e um terço do Senado (para comparação, a bancada evangélica tinha 16% da Câmara e a da bala, 7%). Com a renovação trazida pela eleição de outubro, o número de deputados ruralistas caiu para menos da metade (por enquanto, como veremos a seguir). Mas a mudança pouco significa para o jogo de poder na Câmara – decisivos para a eleição de Bolsonaro, os políticos envolvidos com o agronegócio acabam de emplacar sua ministra, a deputada do DEM Tereza Cristina, do Mato Grosso do Sul, hoje presidente da poderosa Frente Parlamentar da Agropecuária, a FPA, que engloba, principalmente, políticos do MDB, DEM, PP, PR e PSD.
Ainda no primeiro turno, a frente parlamentar endossou seu apoio a Bolsonaro, causando comoção na disputa eleitoral – o apoio dos ruralistas costuma decidir as eleições. Sob a justificativa de atender ao “clamor do setor produtivo nacional”, a aliança foi costurada pessoalmente por Tereza Cristina.
À frente da FPA, ela se consolidou como uma das principais lideranças da bancada ruralista na Câmara. Como deputada, se destacou pela defesa de políticas anti-indígenas. Em agosto, Cristina pediu ao ministro da Justiça, Torquato Jardim, a suspensão da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, que busca destravar processos como a demarcação de terras indígenas e quilombolas. Em 2017, a deputada sul-mato-grossense foi autora de um requerimento convocando audiência pública para discutir a liberação de terras indígenas para empreendimentos agrícolas.
Mas a futura ministra é marcada mesmo por sua ardente defesa dos agrotóxicos. Sua condução na comissão que aprovou o “PL do Veneno”, que flexibiliza o uso de agrotóxicos proibidos no país, lhe valeu o apelido de “Musa do Veneno”. Tereza Cristina figura também entre os parlamentares que mais receberam doações do agronegócio. Em 2018, dos R$ 2,3 milhões arrecadados, R$ 900 mil vieram de empresas do setor – como a Cosan, por exemplo, conglomerado do setor de acúcar e etanol.
A nomeação da ruralista segue o mesmo roteiro dos governos anteriores. Dos últimos cinco ministros da Agricultura, quatro são produtores rurais. Titular do cargo entre 2013 e 2014, Antônio Andrade, do MDB, é dono de fazendas em Minas Gerais. Seu sucessor, Neri Geller, que assume uma vaga na Câmara pelo PP em Mato Grosso, é dono do Grupo Geller e já foi investigado por venda ilegal de lotes destinados à reforma agrária. Em 2017, afirmou que usou milho para pagar uma dívida de campanha. Blairo Maggi, atual ministro de Temer, dispensa apresentações: ele é conhecido como “o rei da soja”.
Menos cadeiras… por enquanto
A Frente Parlamentar de Agricultura tinha, até as eleições, 213 deputados. Mas, dos 189 deputados integrantes da frente que disputavam a reeleição, apenas 96 conseguiram se eleger. No Senado, onde a frente almejava conquistar mais espaço, serão 17 representantes da entidade, dez cadeiras a menos do que eles ocupam hoje.
Mas ela ainda pode crescer. Além de políticos tradicionais que voltam ao Congresso após um período sem exercer mandato, como o ex-ministro da Agricultura Neri Geller, do PP de Mato Grosso, eleito deputado federal, e o ex-governador do Mato Grosso Jayme Campos, do DEM, de volta ao Senado, a FPA mira nos novatos. Na semana passada, na primeira reunião oficial após as eleições, participaram deputados que estreiam na legislatura no ano que vem, como Alexandre Frota, eleito pelo PSL em São Paulo, José Carlos Schiavinato, do PP paranaense e Zé Mário, do DEM em Goiás.
O começo com Bolsonaro não foi exatamente fácil. O primeiro atrito foi no anúncio da fusão dos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. Tereza Cristina foi uma das que mostrou “preocupação” com a medida, abortada depois da repercussão negativa. Depois, Bolsonaro fez o desastrado anúncio da mudança da embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, levantando a preocupação de possíveis retaliações comerciais dos países árabes para a importação de carne brasileira.
Mas os ânimos se acalmaram. Além de já terem o ministério da Agricultura, a FPA já articula o apoio da bancada do PSL para eleger seu vice-presidente, Alceu Moreira, do MDB gaúcho, à presidência da Câmara. Vale lembrar que Onyx Lorenzoni, confirmado como o ministro-chefe da Casa Civil, também é um membro da Frente Parlamentar de Agropecuária.
Nos governos estaduais, dois ruralistas alcançaram uma vitória retumbante já no primeiro turno. Gladson Cameli, do PP, se elegeu no Acre, e Ronaldo Caiado, do DEM, em Goiás.
Conquistas ruralistas
Com poder e penetração em várias partes do governo, os ruralistas são eficientes em emplacar pautas de interesse próprio. No governo atual, por exemplo, eles conseguiram fazer com que o presidente Michel Temer assinasse um decreto permitindo a conversão de multas ambientais em prestação de serviço, dificultaram a divulgação da “lista suja” do trabalho escravo e lotearam cargos na Funai para aliados políticos vinculados ao agronegócio. Agora, querem aproveitar os momentos derradeiros dos deputados não reeleitos para colocar em votação o PL do Veneno, ainda em 2018.
A Frente Parlamentar atua não apenas em pautas que atingem diretamente o agronegócio. Dela saíram, por exemplo, 49,59% dos votos favoráveis ao impeachment da presidente Dilma Rousseff. A frente também foi decisiva na manutenção de Temer no poder. Nas duas votações que rejeitaram as denúncias contra ele, realizadas em agosto e outubro de 2017, mais da metade dos votos saíram da FPA: 50,9% e 55,6%, respectivamente. O preço dessa fidelidade foi o apoio irrestrito do governo às demandas do setor.
Além de ser o mais poderoso bloco de interesses no Congresso, a FPA é também o grupo mais rico. A frente é financiada pelo Instituto Pensar Agro, uma coalizão de 42 entidades de classe que inclui, entre seus membros mais influentes, associações de produtores de soja, milho, algodão, de criadores de gado, a Sociedade Rural Brasileira e a Associação Brasileira do Agronegócio.
As propostas apoiadas pela frente são definidas durante os almoços realizados às terças-feiras em sua sede, em uma mansão no Lago Sul de Brasília. Já tradicionais na agenda política da capital, os almoços recebem representantes de associações, empresários do agronegócio e jornalistas. Neles, os deputados e senadores debatem o “cardápio da semana”: as pautas que entrarão nas comissões e no plenário nos dias seguintes.
Em novembro de 2017, nós fomos expulsos de um dos almoços, aberto à imprensa, sob a alegação de que se tratava de uma propriedade privada.
Até este ano, os ruralistas dominavam mais da metade da Câmara e um terço do Senado (para comparação, a bancada evangélica tinha 16% da Câmara e a da bala, 7%). Com a renovação trazida pela eleição de outubro, o número de deputados ruralistas caiu para menos da metade (por enquanto, como veremos a seguir). Mas a mudança pouco significa para o jogo de poder na Câmara – decisivos para a eleição de Bolsonaro, os políticos envolvidos com o agronegócio acabam de emplacar sua ministra, a deputada do DEM Tereza Cristina, do Mato Grosso do Sul, hoje presidente da poderosa Frente Parlamentar da Agropecuária, a FPA, que engloba, principalmente, políticos do MDB, DEM, PP, PR e PSD.
Ainda no primeiro turno, a frente parlamentar endossou seu apoio a Bolsonaro, causando comoção na disputa eleitoral – o apoio dos ruralistas costuma decidir as eleições. Sob a justificativa de atender ao “clamor do setor produtivo nacional”, a aliança foi costurada pessoalmente por Tereza Cristina.
À frente da FPA, ela se consolidou como uma das principais lideranças da bancada ruralista na Câmara. Como deputada, se destacou pela defesa de políticas anti-indígenas. Em agosto, Cristina pediu ao ministro da Justiça, Torquato Jardim, a suspensão da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, que busca destravar processos como a demarcação de terras indígenas e quilombolas. Em 2017, a deputada sul-mato-grossense foi autora de um requerimento convocando audiência pública para discutir a liberação de terras indígenas para empreendimentos agrícolas.
Mas a futura ministra é marcada mesmo por sua ardente defesa dos agrotóxicos. Sua condução na comissão que aprovou o “PL do Veneno”, que flexibiliza o uso de agrotóxicos proibidos no país, lhe valeu o apelido de “Musa do Veneno”. Tereza Cristina figura também entre os parlamentares que mais receberam doações do agronegócio. Em 2018, dos R$ 2,3 milhões arrecadados, R$ 900 mil vieram de empresas do setor – como a Cosan, por exemplo, conglomerado do setor de acúcar e etanol.
A nomeação da ruralista segue o mesmo roteiro dos governos anteriores. Dos últimos cinco ministros da Agricultura, quatro são produtores rurais. Titular do cargo entre 2013 e 2014, Antônio Andrade, do MDB, é dono de fazendas em Minas Gerais. Seu sucessor, Neri Geller, que assume uma vaga na Câmara pelo PP em Mato Grosso, é dono do Grupo Geller e já foi investigado por venda ilegal de lotes destinados à reforma agrária. Em 2017, afirmou que usou milho para pagar uma dívida de campanha. Blairo Maggi, atual ministro de Temer, dispensa apresentações: ele é conhecido como “o rei da soja”.
Menos cadeiras… por enquanto
A Frente Parlamentar de Agricultura tinha, até as eleições, 213 deputados. Mas, dos 189 deputados integrantes da frente que disputavam a reeleição, apenas 96 conseguiram se eleger. No Senado, onde a frente almejava conquistar mais espaço, serão 17 representantes da entidade, dez cadeiras a menos do que eles ocupam hoje.
Mas ela ainda pode crescer. Além de políticos tradicionais que voltam ao Congresso após um período sem exercer mandato, como o ex-ministro da Agricultura Neri Geller, do PP de Mato Grosso, eleito deputado federal, e o ex-governador do Mato Grosso Jayme Campos, do DEM, de volta ao Senado, a FPA mira nos novatos. Na semana passada, na primeira reunião oficial após as eleições, participaram deputados que estreiam na legislatura no ano que vem, como Alexandre Frota, eleito pelo PSL em São Paulo, José Carlos Schiavinato, do PP paranaense e Zé Mário, do DEM em Goiás.
O começo com Bolsonaro não foi exatamente fácil. O primeiro atrito foi no anúncio da fusão dos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. Tereza Cristina foi uma das que mostrou “preocupação” com a medida, abortada depois da repercussão negativa. Depois, Bolsonaro fez o desastrado anúncio da mudança da embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, levantando a preocupação de possíveis retaliações comerciais dos países árabes para a importação de carne brasileira.
Mas os ânimos se acalmaram. Além de já terem o ministério da Agricultura, a FPA já articula o apoio da bancada do PSL para eleger seu vice-presidente, Alceu Moreira, do MDB gaúcho, à presidência da Câmara. Vale lembrar que Onyx Lorenzoni, confirmado como o ministro-chefe da Casa Civil, também é um membro da Frente Parlamentar de Agropecuária.
Nos governos estaduais, dois ruralistas alcançaram uma vitória retumbante já no primeiro turno. Gladson Cameli, do PP, se elegeu no Acre, e Ronaldo Caiado, do DEM, em Goiás.
Conquistas ruralistas
Com poder e penetração em várias partes do governo, os ruralistas são eficientes em emplacar pautas de interesse próprio. No governo atual, por exemplo, eles conseguiram fazer com que o presidente Michel Temer assinasse um decreto permitindo a conversão de multas ambientais em prestação de serviço, dificultaram a divulgação da “lista suja” do trabalho escravo e lotearam cargos na Funai para aliados políticos vinculados ao agronegócio. Agora, querem aproveitar os momentos derradeiros dos deputados não reeleitos para colocar em votação o PL do Veneno, ainda em 2018.
A Frente Parlamentar atua não apenas em pautas que atingem diretamente o agronegócio. Dela saíram, por exemplo, 49,59% dos votos favoráveis ao impeachment da presidente Dilma Rousseff. A frente também foi decisiva na manutenção de Temer no poder. Nas duas votações que rejeitaram as denúncias contra ele, realizadas em agosto e outubro de 2017, mais da metade dos votos saíram da FPA: 50,9% e 55,6%, respectivamente. O preço dessa fidelidade foi o apoio irrestrito do governo às demandas do setor.
Além de ser o mais poderoso bloco de interesses no Congresso, a FPA é também o grupo mais rico. A frente é financiada pelo Instituto Pensar Agro, uma coalizão de 42 entidades de classe que inclui, entre seus membros mais influentes, associações de produtores de soja, milho, algodão, de criadores de gado, a Sociedade Rural Brasileira e a Associação Brasileira do Agronegócio.
As propostas apoiadas pela frente são definidas durante os almoços realizados às terças-feiras em sua sede, em uma mansão no Lago Sul de Brasília. Já tradicionais na agenda política da capital, os almoços recebem representantes de associações, empresários do agronegócio e jornalistas. Neles, os deputados e senadores debatem o “cardápio da semana”: as pautas que entrarão nas comissões e no plenário nos dias seguintes.
Em novembro de 2017, nós fomos expulsos de um dos almoços, aberto à imprensa, sob a alegação de que se tratava de uma propriedade privada.
Ruralistas independentes
A bancada ruralista não é um bloco coeso de políticos ligados ao agronegócio. Fazem parte dela vários deputados que nunca atuaram na área. Um exemplo é o Rio de Janeiro: dos 15 deputados federais filiados à FPA, apenas Leonardo Picciani, do MDB, já declarou terras ou empresas agrícolas. Apesar disso, em termos numéricos, o estado era o quinto mais expressivo dentro da Frente Parlamentar da Agropecuária até outubro.
Jair Bolsonaro é outro exemplo. Embora não declare bens rurais, o presidente eleito faz uma defesa virulenta do agronegócio e se posiciona contra a demarcação de terras para indígenas e quilombolas: “nem um centímetro a mais”, costuma dizer. Ele e seu filho, Eduardo Bolsonaro, também do PSL, pertencem a outro grupo menos conhecido de lobby: a bancada da cana.
Ela é uma das várias bancadas menores, organizadas, que têm sido bem-sucedidas em emplacar seus interesses, fazer avançar ou obstruir votações e eleger e reeleger políticos. Um olhar atento para cada uma mostra coincidências entre os interesses privados de cada parlamentar e os projetos de lei, supostamente com interesse público, defendidos por eles. Saiba quem são e como atuam seus representantes:
A bancada da cana foi criada em 2013, com apoio da União da Indústria de Cana de Açúcar, a Unica, entidade que congrega as 37 maiores usinas do país. Seu coordenador é o paulista Arnaldo Jardim, do PPS, ex-secretário de Agricultura do Estado de São Paulo e reeleito deputado federal. Velho conhecido dos usineiros, Jardim já foi homenageado pela Unica por defender os interesses da indústria da cana. Na campanha de 2014, quando ainda eram permitidas doações empresariais, Arnaldo Jardim recebeu R$ 1,6 milhão de empresas sucroenergéticas, incluindo gigantes do setor como Odebrecht Agroindustrial, Coopersucar, Cosan e Guarani. Com 219 deputados signatários, a “bancada da cana” tinha mais membros que a FPA. O grupo já conquistou o aumento da mistura do etanol anidro na gasolina, incentivos fiscais para motores flex, a inclusão do setor no Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras e linhas de financiamento especiais para construção de armazéns.
A Frente Parlamentar da Silvicultura, com 220 membros até as eleições de 2018, representa o lobby da celulose. O bloco é liderado por Newton Cardoso Júnior, o principal interessado na liberação da compra de terras para estrangeiros e reeleito para mais um mandato a partir de janeiro. Ele tem um motivo pessoal para isso: somadas, suas empresas devem R$ 94,2 milhões à União e seriam beneficiadas pela entrada de capital. O deputado mineiro também é líder da “bancada do Refis”, grupo em prol do afrouxamento do programa de refinanciamento para grandes devedores. Além de flexibilizar as regras para investimentos internacionais em terras, os membros da bancada do eucalipto defendem o fim do licenciamento ambiental para atividades de silvicultura e reflorestamento.
Apesar da Frente Parlamentar da Avicultura contar com 261 membros até 2018, poucos são, de fato, granjeiros. O próprio coordenador da frente, o Sérgio de Souza, reeleito pelo MDB do Paraná, citado como beneficiário de propina na Operação Carne Fraca, não tem histórico no setor.
Geralmente confundida com a própria bancada ruralista, a pecuária tem representação própria no Congresso através da Frente Parlamentar pela Valorização do Setor de Bovinocultura do Leite. Quem coordena essa frente é o catarinense Celso Maldaner, do MDB, dono de 2.795 hectares de pastagens em São Félix do Xingu, no Pará.
A bancada do fumo é representada no Congresso pelo deputado Luis Carlos Heinze e pela senadora Ana Amélia, ambos do PP gaúcho. Vinculada à Associação dos Municípios Produtores de Tabaco (Amprotabaco), Ana Amélia foi candidata a vice-presidente na chapa do tucano Geraldo Alckmin e não volta ao Congresso em 2019. Heinze se elegeu no Senado, onde continuará defendendo os interesses de produtores tabagistas como Philip Morris e Alliance One, que ajudaram a financiar sua campanha em 2014, conforme relatam João Peres e Moriti Neto no livro Roucos e Sufocados (Editora Elefante).
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