Por Juliana Sayuri e Alexandre Busko Valim, no jornal Le Monde Diplomatique-Brasil:
Jair Bolsonaro (PSL) assumirá a Presidência da República a partir de 1 de janeiro de 2019. Feliz ano velho: fantasmas antigos de um passado autoritário rondam o presidente eleito em outubro último, como o discurso elogioso à ditadura militar, a caça às bruxas nas universidades, a censura à imprensa, além de uma escalada de atos de violência e violações de direitos humanos no país.
Entretanto, conforme expressou o editor Silvio Caccia Bava nas páginas de novembro de Le Monde Diplomatique Brasil: “Pela visão autoritária e repressiva do governo eleito, que se propõe a destituir direitos por atacado no começo de seu governo, a enquadrar os movimentos sociais como terroristas e a tratar com violência a oposição, não faltarão motivos para que a oposição se articule”. Parte dessa resistência se dá no campo das palavras – e é esta a proposta deste dossiê especial que busca discutir tendências autoritárias que se desenrolam no presente, sobretudo a dois diletos temas do presidente eleito: direitos humanos e ditadura militar, segundo reportagem da BBC News Brasil que destacou estudo do sociólogo Leonardo Nascimento.
“Nós, historiadores, sentimos rapidamente no ar o que estava acontecendo. A democracia estava sendo corroída por dentro”, destaca a historiadora Beatriz Mamigonian, professora titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e integrante do movimento Historiadores pela Democracia. Em entrevista exclusiva, ela analisa os sombrios sinais do passado no presente. E destaca o papel dos profissionais da história nos debates atuais: “Observando nosso engajamento de 2016 para cá, penso que fizemos tudo o que era possível”.
Paralelos históricos são instrutivos, escreveu o sociólogo Gabriel Cohn neste Diplô, desde que não levados ao pé da letra. De fato, há momentos que trazem à tona semelhanças entre regimes autoritários do passado e do presente – “e autoritarismo”, diz Cohn, “é o que menos falta no modelo que se vai construindo, importa descobrir a forma particular que vai assumindo em cada caso”. Neste contexto, esta série, assinada por professores e pós-graduandos da UFSC, discute diferentes aspectos de tais tendências autoritárias atuais, partindo de chavões que marcaram a campanha presidencial.
“Tem que mudar tudo isso que tá aí, tá ok?”, por exemplo, deu o tom de desencantamento com a política, um dos elementos de incerteza do futuro que historicamente nutre o fascismo. Dialogando com Francisco Carlos Teixeira da Silva e Robert O. Paxton, a historiadora Natália Abreu Damasceno explora essa discussão. Segundo seu diagnóstico, os admiradores de Bolsonaro, autores de agressões e até assassinato em nome do presidente eleito, já passaram do “simples flerte fascistoide” e abraçaram o neofascismo.
“As instituições estão funcionando normalmente”, outra frase repetida ad infinitum nos últimos tempos, oculta a fragilidade da jovem democracia. Nesta arena se debruça o historiador Ricardo Duwe que, a partir das considerações de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, autores de How Democracies Die (2018), indica vestígios de uma trilha para institucionalização do autoritarismo no país.
“Vote consciente!” é o bordão bradado invariavelmente a cada pleito. A jornalista e historiadora Luciana Paula Bonetti Silva discute como o lema se esvazia diante de práticas neocoronelistas por empresários comprometidos em angariar votos para certos candidatos, inclusive intimidando e ameaçando demitir milhares de funcionários caso seu pangaré não vença a corrida eleitoral.
“As mulheres de direita são muito mais bonitas que as de esquerda”, paspalhice proferida por Eduardo Bolsonaro, filho do presidente eleito, sinaliza como as alas conservadoras definitivamente não compreenderam o fenômeno #EleNão, o feminismo e as discussões sobre o feminino. A designer e historiadora Isabela Fuchs aborda o papel das mulheres na política, em 1964 e em 2018.
“Já está feito, já pegou fogo, quer que faça o quê?” foi a assombrosa afirmação de Jair Bolsonaro após o trágico incêndio do Museu Nacional, no Rio, que se tornou símbolo do descaso pela memória, pela cultura e pela ciência no país. Especialista cultural, a historiadora Giane Maria de Souza analisa a trajetória de tentativas de políticas participativas de patrimônio cultural – e como muitas delas se tornaram cinzas.
“Na ditadura, tudo era melhor” é uma das falácias favoritas de apoiadores do novo governo. Melhor para quem, meus amigos? O professor Jean-Marie Farines, coordenador da Comissão Memória e Verdade da UFSC, revisita o passado autoritário da ditadura militar (não superado, segundo sua análise) no campus da universidade. Farines relata estudantes expulsos, professores presos, censura, desaparecimento, perseguições políticas, prisões arbitrárias e ilegais, torturas, “suicídios” – e questiona: como ter saudades?
* Por Juliana Sayuri e Alexandre Busko Valim, respectivamente jornalista, historiadora e autora de Diplô: Paris – Porto Alegre (2016) e Paris – Buenos Aires (2018), e historiador, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e autor de O Triunfo da Persuasão (2017), entre outros.
Entretanto, conforme expressou o editor Silvio Caccia Bava nas páginas de novembro de Le Monde Diplomatique Brasil: “Pela visão autoritária e repressiva do governo eleito, que se propõe a destituir direitos por atacado no começo de seu governo, a enquadrar os movimentos sociais como terroristas e a tratar com violência a oposição, não faltarão motivos para que a oposição se articule”. Parte dessa resistência se dá no campo das palavras – e é esta a proposta deste dossiê especial que busca discutir tendências autoritárias que se desenrolam no presente, sobretudo a dois diletos temas do presidente eleito: direitos humanos e ditadura militar, segundo reportagem da BBC News Brasil que destacou estudo do sociólogo Leonardo Nascimento.
“Nós, historiadores, sentimos rapidamente no ar o que estava acontecendo. A democracia estava sendo corroída por dentro”, destaca a historiadora Beatriz Mamigonian, professora titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e integrante do movimento Historiadores pela Democracia. Em entrevista exclusiva, ela analisa os sombrios sinais do passado no presente. E destaca o papel dos profissionais da história nos debates atuais: “Observando nosso engajamento de 2016 para cá, penso que fizemos tudo o que era possível”.
Paralelos históricos são instrutivos, escreveu o sociólogo Gabriel Cohn neste Diplô, desde que não levados ao pé da letra. De fato, há momentos que trazem à tona semelhanças entre regimes autoritários do passado e do presente – “e autoritarismo”, diz Cohn, “é o que menos falta no modelo que se vai construindo, importa descobrir a forma particular que vai assumindo em cada caso”. Neste contexto, esta série, assinada por professores e pós-graduandos da UFSC, discute diferentes aspectos de tais tendências autoritárias atuais, partindo de chavões que marcaram a campanha presidencial.
“Tem que mudar tudo isso que tá aí, tá ok?”, por exemplo, deu o tom de desencantamento com a política, um dos elementos de incerteza do futuro que historicamente nutre o fascismo. Dialogando com Francisco Carlos Teixeira da Silva e Robert O. Paxton, a historiadora Natália Abreu Damasceno explora essa discussão. Segundo seu diagnóstico, os admiradores de Bolsonaro, autores de agressões e até assassinato em nome do presidente eleito, já passaram do “simples flerte fascistoide” e abraçaram o neofascismo.
“As instituições estão funcionando normalmente”, outra frase repetida ad infinitum nos últimos tempos, oculta a fragilidade da jovem democracia. Nesta arena se debruça o historiador Ricardo Duwe que, a partir das considerações de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, autores de How Democracies Die (2018), indica vestígios de uma trilha para institucionalização do autoritarismo no país.
“Vote consciente!” é o bordão bradado invariavelmente a cada pleito. A jornalista e historiadora Luciana Paula Bonetti Silva discute como o lema se esvazia diante de práticas neocoronelistas por empresários comprometidos em angariar votos para certos candidatos, inclusive intimidando e ameaçando demitir milhares de funcionários caso seu pangaré não vença a corrida eleitoral.
“As mulheres de direita são muito mais bonitas que as de esquerda”, paspalhice proferida por Eduardo Bolsonaro, filho do presidente eleito, sinaliza como as alas conservadoras definitivamente não compreenderam o fenômeno #EleNão, o feminismo e as discussões sobre o feminino. A designer e historiadora Isabela Fuchs aborda o papel das mulheres na política, em 1964 e em 2018.
“Já está feito, já pegou fogo, quer que faça o quê?” foi a assombrosa afirmação de Jair Bolsonaro após o trágico incêndio do Museu Nacional, no Rio, que se tornou símbolo do descaso pela memória, pela cultura e pela ciência no país. Especialista cultural, a historiadora Giane Maria de Souza analisa a trajetória de tentativas de políticas participativas de patrimônio cultural – e como muitas delas se tornaram cinzas.
“Na ditadura, tudo era melhor” é uma das falácias favoritas de apoiadores do novo governo. Melhor para quem, meus amigos? O professor Jean-Marie Farines, coordenador da Comissão Memória e Verdade da UFSC, revisita o passado autoritário da ditadura militar (não superado, segundo sua análise) no campus da universidade. Farines relata estudantes expulsos, professores presos, censura, desaparecimento, perseguições políticas, prisões arbitrárias e ilegais, torturas, “suicídios” – e questiona: como ter saudades?
* Por Juliana Sayuri e Alexandre Busko Valim, respectivamente jornalista, historiadora e autora de Diplô: Paris – Porto Alegre (2016) e Paris – Buenos Aires (2018), e historiador, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e autor de O Triunfo da Persuasão (2017), entre outros.
0 comentários:
Postar um comentário