sábado, 5 de janeiro de 2019

A experiência do “governo paralelo”

Por Cynara Menezes, no blog Socialista Morena:

Em 1990, após a vitória de Fernando Collor na eleição de 1989, o PT decidiu montar um “governo paralelo” em contraponto ao oficial. Foram escolhidos “ministros” e tudo, com o objetivo de mostrar à população as diferenças entre os dois projetos de país e as medidas que seriam tomadas por Lula na comparação com o que estava sendo feito pela direita. É hora de os partidos de esquerda, capitaneados pelo PT, PSOL e PCdoB, reeditarem esta experiência.

“Eu aposto muito no governo paralelo, porque ele poderá mostrar para a sociedade o outro lado da moeda. Poderá mostrar os seus projetos e as contradições que existem na política oficial”, explicou Lula, coordenador do governo paralelo, em entrevista na época. “Ele vai se tornar uma alternativa concreta para a sociedade brasileira, uma fonte de referências. A sociedade vai perceber que tem alguém no Brasil que além do discurso apresenta coisas concretas.”

Bolsonaro tem um projeto para a Previdência? O governo paralelo também apresenta o seu. Bolsonaro ameaça as terras indígenas e quilombolas? O governo paralelo esclarece a população sobre isso. Bolsonaro quer doutrinar criancinhas nas escolas? O governo paralelo demonstra que a esquerda nunca o fez. O gabinete paralelo, tradição em países como a Inglaterra, Canadá e Austrália, seria mais uma forma de a oposição se posicionar e esclarecer a população.

No dia em que Collor apresentou seu nefasto plano econômico, por exemplo, o governo paralelo convocou entrevista coletiva para que os especialistas da área o rebatessem. Uma das formas de atuação no período era o recolhimento de assinaturas para apresentar emendas populares, uma tarefa hoje facilitada pelas redes sociais. Bolsonaro só tem maioria simples no Congresso. Ou seja, quanto mais pressão por lá, melhor. Projetos com um número alto de assinaturas terão o poder de mobilizar a opinião pública e angariar apoio para propostas diametralmente opostas às do governo de extrema-direita.

A fórmula de oposição organizada como governo paralelo é extremamente útil para obter adesões junto à sociedade civil. Não é difícil prever que, assim que o projeto econômico de Bolsonaro começar a naufragar, setores das chamadas “classes produtivas” irão perceber que se trata de um projeto vazio de país, sem sustentabilidade nem futuro –e que lhes trará prejuízo financeiro. O próprio agronegócio, um dos principais sustentáculos do governo, vai logo se dar conta que o desprezo pelas questões ambientais mais prejudica o setor internacionalmente do que o fortalece.

Outra utilidade do governo paralelo será combater a maquiagem e as mentiras que serão promovidas pelo governo Bolsonaro com a intenção de iludir o povo e conquistar popularidade, como fez a ditadura militar que o presidente tanto admira. Entidades como o IBGE e o Ipea correm o risco de ser aparelhados em benefício da narrativa governamental, e é preciso ter desde já figuras respeitáveis destas instituições atuando para desmentir, de forma “oficial”, a manipulação. Cada vez que o governo apresentar “números”, o governo paralelo, em entrevista coletiva, apontaria a incongruência dos dados.

Na época de Collor, o governo paralelo atuou também na defesa da Constituição, acionando o STF sempre que alguma medida contrariasse a Carta Magna, algo que vai se tornar frequente nos anos Bolsonaro. Para cada área destas, um nome deveria ser indicado, como se fossem “ministros” de um governo “sombra”, como também é chamada a experiência de governo paralelo em outros países. Seriam indicados inclusive nomes para as pastas e instituições extintas por Bolsonaro.

Em 1990, tínhamos, paralelamente ao gabinete de Collor, Antonio Candido na Cultura; Aziz Ab’Saber no Meio Ambiente; Benedita da Silva na Defesa da Cidadania e Combate às Discriminações; Carlos Nelson Coutinho nas Relações Exteriores; Cristovam Buarque na Educação e Desenvolvimento; Cristina Tavares nas Comunicações; Paulo Paim no Trabalho; e Luiz Pinguelli Rosa na Ciência e Tecnologia, entre outros. Não será difícil formar uma equipe semelhante, com personalidades de fato preparadas para estar no governo do país.

Na área da Justiça, por exemplo, nomes ligados à defesa de um Judiciário democrático e sem viés estariam aptos a entrar no embate com a visão medieval e partidarizada de Sérgio Moro à frente da pasta. Na área da Educação, um ministro paralelo daria entrevista alertando sobre a intenção real de impor a ideologia de extrema-direita e a defesa da ditadura militas nas escolas toda vez que o reacionário escolhido por Bolsonaro defendesse o “escola sem partido”. Já imaginaram a Sonia Guajajara num Ministério paralelo dos Povos Indígenas? E Boulos na Reforma Agrária e Urbana?

O mais importante: com o governo paralelo instituído teríamos a possibilidade de manter vivas na memória do povo as ideias e os ideais de esquerda e as realizações dos governos Lula e Dilma, distorcidos pelos Bolsonaro ao longo dos anos com suas fake news e que agora serão ainda mais vilipendiados com a ajuda da imprensa comercial e o uso da máquina do Estado.

1 comentários:

Anônimo disse...

Gosto do conceito de governo sombra do Reino Unido, essa era uma pratica comum no inicio do seculo XX, foi assim que a Irlanda estabilizou sua independência.