quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Perspectivas da economia nativa para 2019

Por Guilherme Costa Delgado, no site Correio da Cidadania:

Um co­nhe­cido teó­logo e eco­no­mista bra­si­leiro, de as­cen­dência co­reana – Jung Mo Sung –, pu­blicou no se­gundo se­mestre de 2018 um livro muito ins­ti­gante, que nos ajuda a des­vendar o sen­tido deste artigo. O tí­tulo do livro é: “Ido­la­tria do Di­nheiro e Di­reitos Hu­manos – uma crí­tica te­o­ló­gica ao novo mito do ca­pi­ta­lismo”.

A tese cen­tral deste livro, sim­pli­fi­cando para situá-lo nas Pers­pec­tivas da Eco­nomia para 2019, é a mu­dança de pa­ra­digma do sis­tema econô­mico global – do ‘mito do de­sen­vol­vi­mento econô­mico universal’ ao ‘mito do mer­cado livre global’. As nar­ra­tivas e prá­ticas cal­cadas nessas ver­sões mitológicas, se­gundo o autor, es­ti­veram em per­ma­nente dis­puta no pe­ríodo Pós-Guerra Mun­dial, com clara opção do de­sen­vol­vi­men­tismo nos trinta anos dou­rados das dé­cadas 1950-1980’, de re­la­tivo aban­dono nos pri­meiros ex­pe­ri­mentos do ne­o­li­be­ra­lismo ao es­tilo That­cher/Re­agan. Mas a partir da crise fi­nan­ceira norte-ame­ri­cana de 2008, o sis­tema fi­nan­ceiro mun­dial opera, de ma­neira sis­te­má­tica, na ne­gação do pri­meiro mito e sa­cra­li­zação do se­gundo.

As ide­o­lo­gias sub­ja­centes ao mito do mer­cado livre, sem quais­quer re­gu­la­ções res­tri­tivas, contém negação ra­dical do cha­mado Es­tado So­cial, porque nega di­reito so­cial e seus re­que­ri­mentos de obriga­ções so­ciais dos mais ricos para com os mais po­bres, uma es­pécie de pedra an­gular do Templo, res­tau­rada e na­tu­ra­li­zada da de­si­gual­dade.

E a partir deste Templo re­cu­peram-se ve­lhas te­o­lo­gias su­pe­radas já no ju­daísmo pro­fé­tico e principalmente a partir de Jesus Cristo – te­o­lo­gias da Pros­pe­ri­dade e da Re­tri­buição -, que ao invés da jus­tiça e da mi­se­ri­córdia para com as ví­timas da de­si­gual­dade so­cial, in­cri­minam os po­bres pela própria sorte e elegem a ri­queza como de­sígnio ab­so­luto de um deus im­pi­e­doso e in­di­fe­rente para com a pro­teção so­cial dos seres hu­manos.

A tese acima ex­posta não é uma vulgar for­mu­lação de grupos pen­te­cos­tais, à re­velia dos ver­da­deiros evan­gé­licos. Mas uma for­mu­lação ven­cida à época da pre­va­lência do key­ne­si­a­nismo, com as­si­na­turas de três eco­no­mistas ne­o­clás­sicos - Ludwig Von Misses, F. A. Von Hayek e Milton Fri­edman, que ora vi­raram es­pécie de orá­culos da cha­mada “equipe econô­mica” do novo go­verno e que já o eram do governo Temer.

Mas o leitor pode per­ti­nen­te­mente fazer a per­gunta – o que tem a ver essa mis­tura de te­oria econô­mica com te­o­logia ido­lá­trica acima ex­posta, com as Pers­pec­tivas Econô­micas para 2019?

Vamos tentar res­ponder esta questão por partes.

1) he­rança de po­lí­tica econô­mica e so­cial exe­cu­tada no tri­ênio 2016-2018, pre­ce­dida pelo en­saio de 2015 do mi­nistro Levy, contém duras res­tri­ções à pers­pec­tiva do cres­ci­mento econô­mico com li­gação ao Es­tado So­cial. Ao lado de vá­rias re­formas na linha da li­be­ra­li­zação dos mer­cados, prin­ci­pal­mente do tra­balho e dos bens da na­tu­reza (terra, minas, águas e campos pe­tro­leiros), sob com­pleta pro­pri­e­dade e gestão do sis­tema fi­nan­ceiro.

2) Há uma des­mon­tagem tá­cita do sis­tema de di­reitos so­ciais há já vá­rios anos, que se torna ex­plí­cita a partir da Emenda Cons­ti­tu­ci­onal 95/2016 (teto dos gastos pri­má­rios por 20 anos), ope­rante de forma res­tri­tiva nos Or­ça­mentos de 2017, 2018 e 2019.

3) O mer­cado de tra­balho cons­trangeu-se de forma ra­dical a partir de 2015 pelo de­sem­prego in­vo­lun­tário, pelo de­sa­lento (pes­soas que de­sistem de pro­curar em­prego) e pela in­for­ma­li­dade, re­gre­dindo em quatro anos aos pa­drões do início da dé­cada.

Di­ante deste quadro con­jun­tural-es­tru­tural, qual­quer ho­ri­zonte pros­pec­tivo que se venha a propor contém ne­ces­sa­ri­a­mente ex­pec­ta­tivas do vir a ser, im­preg­nadas de va­lores sobre o fu­turo ime­diato (2019), su­pos­ta­mente afe­tado por ação po­lí­tica nova.

Mas é aqui que re­side o pe­rigo! Al­guns dos prin­ci­pais for­mu­la­dores de po­lí­tica econô­mica do novo go­verno são dis­cí­pulos os­ten­sivos do ‘mito do mer­cado livre’, a exemplo do mi­nistro da Fa­zenda Paulo Guedes e também do se­nador eleito Flávio Bol­so­naro, que se jacta de for­mação econô­mica ob­tida em MBA de uma Fun­dação L.V. Misses. E o pró­prio pre­si­dente eleito tem feito de­cla­ra­ções e no­me­a­ções de sua equipe de mi­nis­tros e au­xi­li­ares di­retos, na linha da ra­di­ca­li­zação dos mer­cados de tra­balho, terra e di­nheiro des­re­gu­lados.

Por outro lado, os quatro anos de li­be­ra­li­zação con­ti­nuada, na linha da ‘ido­la­tria do di­nheiro’, como enun­ciado no ci­tado livro, ra­di­ca­li­zada no go­verno Temer, não con­du­ziram a qual­quer pro­jeto econô­mico so­cial sus­ten­tável, seja em termos de em­prego, cres­ci­mento, en­di­vi­da­mento, sus­ten­ta­bi­li­dade am­bi­ental e in­di­ca­dores so­ciais de con­di­ções de vida. Ao con­trário, pi­o­raram sen­si­vel­mente todos esses in­di­ca­dores. Disso há já dis­po­nível fonte em­pí­rica com­pa­ra­tiva, que me dis­penso aqui de apre­sentá-la.

O apro­fun­da­mento da ex­pe­ri­ência do mito do mer­cado livre é uma es­pécie de voo cego no rumo do apro­fun­da­mento da crise so­cial, porque não há so­lução à crise so­cial pelo mer­cado des­re­gu­lado. A ex­pe­ri­ência his­tó­rica do ca­pi­ta­lismo assim nos en­sina.

Na re­a­li­dade, 2019 será tempo de apro­fun­da­mento de con­tra­di­ções. O que re­sul­tará daí não se re­solve com mais vi­o­lência. Mas se o pro­jeto de con­cer­tação e co­esão, in­cluindo os bra­si­leiros mais sa­cri­fi­cados pela crise, não se in­clui no pro­jeto po­lí­tico do novo go­verno, temos a in­go­ver­na­bi­li­dade como re­sul­tante. Pe­quenos si­nais de re­cu­pe­ração econô­mica, ilu­sões de pros­pe­ri­dade logo ‘ali na es­quina’ serão bran­didos com grande le­vi­an­dade como in­di­ca­dores dos novos rumos do novo mito.

Mas a re­a­li­dade da eco­nomia po­lí­tica da de­si­gual­dade es­tru­tural, en­quanto não en­fren­tada do ponto de vista de uma ética so­cial re­co­nhe­cível, clama por luta po­lí­tica e so­cial para mu­dança de rumos, que nos pa­rece ser a ver­da­deira pers­pec­tiva bra­si­leira para 2019.

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