Por Rodolfo Lucena, no site Tutaméia:
Com uma homenagem a Julian Assange, fundador do Wikileaks preso em Londres por ter ajudado a divulgar documentos comprovando crimes de governos e corporação internacionais, a jornalista Eleonora de Lucena, copresidente do Tutaméia, começou sua participação em seminário realizado no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, três de maio.
“Assange é hoje, no mundo, a pessoa que encarna a luta pela liberdade de imprensa e as ameaças que sofre a liberdade de imprensa. Até o silêncio sobre o caso dele, em muitos lugares do mundo, revela muito sobre o momento que a gente está vivendo.”
“É um momento de apreensão”, continuou Lucena, falando a um grupo reunido no auditório do Twitter em São Paulo, em evento promovido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (veja o vídeo da participação da copresidente do Tutaméia no evento).
Hoje, diz a jornalista, “os conceitos mais elementares e básicos da liberdade de expressão estão sendo colocados em xeque em várias sociedades –e aqui no Brasil também. O que a gente está vendo hoje é um retrocesso em muitas áreas, um retrocesso violento, que também atinge a imprensa.”
E prosseguiu: “A gente está numa fase, que já vemos há alguns anos, de atitudes agressivas, atitudes de uma parte da sociedade que não quer debater, que não quer conversar. É uma hora também de reflexão sobre o papel que os meios de comunicação desempenham neste momento tão cheio de arestas que a gente está vivendo, tão polarizado –mais do que polarizado: um momento violento mesmo”.
Ela aponta: “Os meios de comunicação têm um papel nessa situação toda, muitas vezes acirrando essa situação que questiona os elementos básicos da convivência democrática. A gente tem de pensar em que medida a ascensão da extrema direita no Brasil está relacionada ao comportamento da imprensa, ao comportamento dos jornalistas que, talvez, não tenham exercido o seu papel da maneira que a sociedade espera, de uma maneira questionadora, uma maneira crítica”.
O jornalismo deve à sociedade, afirma ela: “Muitas vezes eu sinto que a gente banaliza ou naturaliza expressões, comportamentos, medidas, que passam como se fossem normais. Não se questiona uma série de atos que estrão destruindo o Brasil. Nós estamos vivendo hoje, em maio de 2019, uma destruição do país sem paralelo na história. Em várias áreas a gente está sentindo isso, seja na economia, na venda desenfreada das empresas brasileiras, nas universidades, no pensamento brasileiro. São medidas deliberadas, assumidas, de destruição”.
Por isso, considera Eleonora de Lucena, “cabe aos jornalistas ter uma atitude muito mais presente e crítica em relação a tudo isso que está acontecendo no país. O que estamos vivendo no Brasil hoje não tem paralelo no mundo. E a gente não consegue colocar isso claramente. No geral –há exceções, claro–, a gente fica numa posição muito pouco crítica e, às vezes, até aliada dessa pressão enorme que existe sobre o Brasil, sobre o conhecimento, sobre o debate democrático. Não se reage. Às vezes até, ao contrário, se abre espaço para que esse movimento siga dividindo a sociedade, provocando o caos –o caos faz parte da dinâmica, o caos tem método, de propósito se faz essa confusão, nos divide, e a gente fica sem uma visão de conjunto do que está acontecendo no Brasil”.
Volta a apontar: “É um momento muito grave que a gente está vivendo. E o jornalismo precisa refletir, sim, sobre o seu papel na sociedade, sobre o que a sociedade espera dos profissionais dessa área. A gente está vendo todo o dia comportamentos muito … não vou dizer deselegante, porque deselegante é até uma palavra muito elegante para classificar esses comportamentos, que são absolutamente abjetos, nojentos, e não há rebelião em relação a isso!!! Não há contestação”.
É preciso mudar, considera a jornalista: “O Dia Mundial da Liberdade de Imprensa deve ser usado, então, para colocar o debate, para desinterditar essa falta de conversa que está havendo na sociedade e para que o jornalismo, nas suas diversas plataformas, possa ser um instrumento de reflexão da sociedade. Acho que a gente está devendo essa”.
Notícias falsas
A indústria das notícias falsas também foi debatida no encontro, que teve ainda como painelistas a advogada Taís Gasparian e os jornalistas Ancelmo Gois e Carlos Andreazza (CLIQUE AQUI para ver o vídeo completo da sessão).
Sobre o assunto, a copresidente de Tutaméia afirmou:
“Há hoje uma máquina de notícias falsas funcionando o tempo todo. E o que me angustia é ficar ouvindo essas coisas e não ter o contraponto, não ter o contraponto ali, [apontando]: Tá errado, é mentira.
“Esconder informações, como vimos agora em relação ao projeto da Reforma da Previdência, esconder estudos, não ser transparente, ser agressivo, tentar intimidar… Essas tentativas todas, de intimidação, elas mereceriam, sim, uma resposta mais unificada em torno da questão do jornalismo, da liberdade de expressão, e não estou vendo isso. A tragédia está tão grande, que a podia haver mais reação.”
Parte da imprensa e dos meios de comunicação em geral não apenas não reage como apoia a interdição do debate, no entender da jornalista: “Um dos problemas principais que a gente vê nestes anos é a falta de diversidade na comunicação. Sobre a Reforma da Previdência, por exemplo, a gente não vê nada contra, absolutamente nada, é tudo a favor”.
Nacionalismo de fancaria
Para piorar as coisas, há confusão de conceitos e aceitação da propaganda de o governo faz de si mesmo. Eleonora de Lucena trata de desfazer tais equívocos:
“Alguém falou que o governo é nacionalista. O governo não é nacionalista. Ele diz que é nacionalista, ele joga com a bandeira nacional, mas é o contrário: a primeira medida do Bolsonaro foi entregar a Embraer. O Bolsonaro está vendendo a Petrobras inteira, está fazendo tudo ao contrário… A imprensa reproduz: “É um governo nacionalista”. NÃO É UM GOVERNO NACIONALISTA. A direita no hemisfério norte é diferente da direita no sul. O próprio Trump tem um discurso nacionalista e tomou numa série de medidas consoantes com isso. Aqui é diferente: o cara se diz nacionalista, tem a bandeira do Brasil, “Pátria amada” e, ao contrário, ele faz tudo ao contrário de defender os interesses nacionais. É um mundo de faz de conta, é um mundo paralelo: ele diz uma coisa e faz outra O TEMPO TODO, O TEMPO INTEIRO”.
A divulgação de mentiras e a balbúrdia existente no governo são de caso pensado, aponta Lucena: “Esse governo tem projeto isso, não é que não tenha projeto. Ele tem um projeto muito claro: é essa confusão, é um projeto de destruição. Aliás, ele tem a capacidade de falar isso nos Estados Unidos. Depois de visitar a CIA, ele falou isso, ele falou: “Tem de destruir, tem de destruir”. Esse é o projeto”.
Papel do jornalismo
Para ser útil à sociedade, a imprensa deve sair da postura de submissão e acomodamento identificada por Eleonora de Lucena:
“Eu acho que está faltando ao jornalismo, o jornalismo brasileiro está devendo, como eu disse antes, em mostrar as contradições, em mostrar o contraditório. Nem todo o mundo concorda com essas afirmações [de Bolsonaro e dos governistas], nem todo o mundo é a favor da Reforma da Previdência. Há contas diferentes, há visões diferentes.
“Há um pensamento único, parece, pairando por aí. É um pensamento que a gente conhece, que está ligado ao neoliberalismo, que está ligado ao fundamentalismo religioso, e que tenta impor essa vontade a toda a sociedade.
Falta de debate e diversidade
“Sempre que conversamos sobre jornalismo, se lembra a história: o jornalismo, os jornais têm de fazer o papel de uma conversa na praça. É a sociedade falando com ela mesmo, é a gente discutindo diversos pontos de vista em um debate, como se todo mundo estivesse sentado em uma praça, e o jornalismo facilitaria… Seria uma forma de a sociedade conversar com ela mesma, ver as diferenças, as opiniões conflitantes. Debater, participar do processo democrático.
Hoje a gente não tem isso, não tem praça mais. Então eu acho que é sobre isso que a gente precisava refletir para trazer a diversidade, as visões diferentes, para que a sociedade possa opinar, possa se manifestar e decidir sobre seu futuro.”
Censura à imprensa
Para caracterizar a falta de resposta adequada dos meios de comunicação aos ataques à liberdade de imprensa, Eleonora de Lucena lembrou o caso da permissão e proibição e volta à permissão da entrevista do presidente Lula:
“No ano passado, o Lewandowski deu à Folha o direito de fazer a entrevista com o presidente Lula. Várias pessoas presas no Brasil foram entrevistadas. Ele deu essa decisão, que foi cassada pelo Fux, que disse, na sua decisão, que, se a entrevista já tivesse sido feita, ela não poderia sair.
“Como o Chico Fogo [NR.: Luís Francisco Carvalho Filho, advogado] apontou naquele dia, o ministro do Supremo implantou o regime de censura prévia. Isso é um escândalo. Acho até que os jornais deveriam estar muito mais atentos a isso, foi um escândalo a não entrevista.
“Como é que o ministro, que já não tinha esse poder de cassar a decisão do outro, disse que, se tivesse sido feita, a entrevista não poderia sair. É um negócio absurdo isso, gente, o que aconteceu.
“O Toffoli não permitiu a entrevista, passou todo processo eleitoral, a gente teve um processo eleitoral cheio de problemas, cheio de graves momentos em que a Constituição não vigorou. E depois dessa confusão, agora vem e libera a entrevista …
“Foi uma boa coisa, antes tarde do que nunca. Tem de fazer a entrevista – deveria ter sido feita lá atrás. Achei aquilo um atentado à liberdade de expressão. E vi muito pouca gente protestando contra isso.
Papel da imprensa
A jornalista apontou que, ao contrário do que muitos afirmam, há pouca informação. E o povo, as empresas, o país, todos precisam de mais informação:
“A gente tem a ilusão de quem tem muita coisa circulando, de que tem muita informação. A gente não tem informação: a gente tem esse caos, mas não tem informação.
“[Precisamos] pensar a situação brasileira para além dessa enxurrada de decisões, comunicados, barbaridades, essa maluquice toda que a gente vive, que não é maluquice, é criada… Mas a gente fica às vezes simplesmente reproduzindo, sem contextualização, sem enfrentar com informação e sem uma causa própria.
“A gente pode pensar o Brasil para além do que está sendo colocado aí. A gente está vivendo uma situação grotesca no Brasil, e a gente precisa ter informação. A sociedade precisa ter acesso à informação. As redes sociais, os jornais, as TVs têm um papel importantíssimo a cumprir nessa história, que é dar informação, que é discutir, apresentar outros dados, levantar outros debates, e não ficar somente à mercê desse carrossel de absurdos, de loucuras que ficam sendo jogadas e que têm essa intenção muito clara de destruição… Destruição até do sentimento de solidariedade na sociedade, destruição dos laços sociais, destruição da ideia de país, destruição de tudo.
“Precisa parar, buscar informação, transmitir informação e ampliar muito o horizonte do debate.”
De olho no futuro
Na última rodada de participação dos painelistas, cada um comentou sobre as perspectivas da imprensa no país. Eis alguns trechos da participação de Eleonora de Lucena:
“O jornalismo de qualidade é necessário, tem mercado. A gente não vai viver sem jornalismo. Mas o próprio modelo de negócios, das empresas, está em mudança. No mundo inteiro há essa questão: quem vai pagar pela informação, quem vai pagar pelo repórter apurar, quem vai pagar para o editor editar, como é que esse modelo de negócio se sustenta daqui para a frente.
“Essa é uma questão que não está resolvida e que nos leva a outra, que é a da fragmentação.
“É muito bom ter essa diversidade na internet, mas isso também me levar a pensar assim: onde é que eu vou buscar informação. É tudo muito fragmentado, disperso, partido… É muito de nicho…
“Há muitas visões, mas, ao mesmo tempo, uma visão panorâmica, uma visão mais integrada da realidade está cada vez mais difícil de a gente encontrar, porque está tudo muito disperso. O modelo está sendo questionado, e a gente, acho, não pode perder esse horizonte: o jornalismo tem essa pretensão de tentar traduzir a realidade de uma sociedade…
“Espero que, daqui a três anos [NR.: depois do fim do governo Bolsonaro], a gente esteja comemorando a democracia, a gente esteja comemorando mais liberdade. Por que esse período de trevas que a gente está enfrentando, espero que a sociedade reaja a isso. Temos várias demonstrações de que há uma reação, talvez ainda incipiente, mas há uma reação.
“Espero que a gente esteja melhor. A juventude e mesmo os novos jornalistas também têm esse papel a desempenhar nos próximos anos.”
“Assange é hoje, no mundo, a pessoa que encarna a luta pela liberdade de imprensa e as ameaças que sofre a liberdade de imprensa. Até o silêncio sobre o caso dele, em muitos lugares do mundo, revela muito sobre o momento que a gente está vivendo.”
“É um momento de apreensão”, continuou Lucena, falando a um grupo reunido no auditório do Twitter em São Paulo, em evento promovido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (veja o vídeo da participação da copresidente do Tutaméia no evento).
Hoje, diz a jornalista, “os conceitos mais elementares e básicos da liberdade de expressão estão sendo colocados em xeque em várias sociedades –e aqui no Brasil também. O que a gente está vendo hoje é um retrocesso em muitas áreas, um retrocesso violento, que também atinge a imprensa.”
E prosseguiu: “A gente está numa fase, que já vemos há alguns anos, de atitudes agressivas, atitudes de uma parte da sociedade que não quer debater, que não quer conversar. É uma hora também de reflexão sobre o papel que os meios de comunicação desempenham neste momento tão cheio de arestas que a gente está vivendo, tão polarizado –mais do que polarizado: um momento violento mesmo”.
Ela aponta: “Os meios de comunicação têm um papel nessa situação toda, muitas vezes acirrando essa situação que questiona os elementos básicos da convivência democrática. A gente tem de pensar em que medida a ascensão da extrema direita no Brasil está relacionada ao comportamento da imprensa, ao comportamento dos jornalistas que, talvez, não tenham exercido o seu papel da maneira que a sociedade espera, de uma maneira questionadora, uma maneira crítica”.
O jornalismo deve à sociedade, afirma ela: “Muitas vezes eu sinto que a gente banaliza ou naturaliza expressões, comportamentos, medidas, que passam como se fossem normais. Não se questiona uma série de atos que estrão destruindo o Brasil. Nós estamos vivendo hoje, em maio de 2019, uma destruição do país sem paralelo na história. Em várias áreas a gente está sentindo isso, seja na economia, na venda desenfreada das empresas brasileiras, nas universidades, no pensamento brasileiro. São medidas deliberadas, assumidas, de destruição”.
Por isso, considera Eleonora de Lucena, “cabe aos jornalistas ter uma atitude muito mais presente e crítica em relação a tudo isso que está acontecendo no país. O que estamos vivendo no Brasil hoje não tem paralelo no mundo. E a gente não consegue colocar isso claramente. No geral –há exceções, claro–, a gente fica numa posição muito pouco crítica e, às vezes, até aliada dessa pressão enorme que existe sobre o Brasil, sobre o conhecimento, sobre o debate democrático. Não se reage. Às vezes até, ao contrário, se abre espaço para que esse movimento siga dividindo a sociedade, provocando o caos –o caos faz parte da dinâmica, o caos tem método, de propósito se faz essa confusão, nos divide, e a gente fica sem uma visão de conjunto do que está acontecendo no Brasil”.
Volta a apontar: “É um momento muito grave que a gente está vivendo. E o jornalismo precisa refletir, sim, sobre o seu papel na sociedade, sobre o que a sociedade espera dos profissionais dessa área. A gente está vendo todo o dia comportamentos muito … não vou dizer deselegante, porque deselegante é até uma palavra muito elegante para classificar esses comportamentos, que são absolutamente abjetos, nojentos, e não há rebelião em relação a isso!!! Não há contestação”.
É preciso mudar, considera a jornalista: “O Dia Mundial da Liberdade de Imprensa deve ser usado, então, para colocar o debate, para desinterditar essa falta de conversa que está havendo na sociedade e para que o jornalismo, nas suas diversas plataformas, possa ser um instrumento de reflexão da sociedade. Acho que a gente está devendo essa”.
Notícias falsas
A indústria das notícias falsas também foi debatida no encontro, que teve ainda como painelistas a advogada Taís Gasparian e os jornalistas Ancelmo Gois e Carlos Andreazza (CLIQUE AQUI para ver o vídeo completo da sessão).
Sobre o assunto, a copresidente de Tutaméia afirmou:
“Há hoje uma máquina de notícias falsas funcionando o tempo todo. E o que me angustia é ficar ouvindo essas coisas e não ter o contraponto, não ter o contraponto ali, [apontando]: Tá errado, é mentira.
“Esconder informações, como vimos agora em relação ao projeto da Reforma da Previdência, esconder estudos, não ser transparente, ser agressivo, tentar intimidar… Essas tentativas todas, de intimidação, elas mereceriam, sim, uma resposta mais unificada em torno da questão do jornalismo, da liberdade de expressão, e não estou vendo isso. A tragédia está tão grande, que a podia haver mais reação.”
Parte da imprensa e dos meios de comunicação em geral não apenas não reage como apoia a interdição do debate, no entender da jornalista: “Um dos problemas principais que a gente vê nestes anos é a falta de diversidade na comunicação. Sobre a Reforma da Previdência, por exemplo, a gente não vê nada contra, absolutamente nada, é tudo a favor”.
Nacionalismo de fancaria
Para piorar as coisas, há confusão de conceitos e aceitação da propaganda de o governo faz de si mesmo. Eleonora de Lucena trata de desfazer tais equívocos:
“Alguém falou que o governo é nacionalista. O governo não é nacionalista. Ele diz que é nacionalista, ele joga com a bandeira nacional, mas é o contrário: a primeira medida do Bolsonaro foi entregar a Embraer. O Bolsonaro está vendendo a Petrobras inteira, está fazendo tudo ao contrário… A imprensa reproduz: “É um governo nacionalista”. NÃO É UM GOVERNO NACIONALISTA. A direita no hemisfério norte é diferente da direita no sul. O próprio Trump tem um discurso nacionalista e tomou numa série de medidas consoantes com isso. Aqui é diferente: o cara se diz nacionalista, tem a bandeira do Brasil, “Pátria amada” e, ao contrário, ele faz tudo ao contrário de defender os interesses nacionais. É um mundo de faz de conta, é um mundo paralelo: ele diz uma coisa e faz outra O TEMPO TODO, O TEMPO INTEIRO”.
A divulgação de mentiras e a balbúrdia existente no governo são de caso pensado, aponta Lucena: “Esse governo tem projeto isso, não é que não tenha projeto. Ele tem um projeto muito claro: é essa confusão, é um projeto de destruição. Aliás, ele tem a capacidade de falar isso nos Estados Unidos. Depois de visitar a CIA, ele falou isso, ele falou: “Tem de destruir, tem de destruir”. Esse é o projeto”.
Papel do jornalismo
Para ser útil à sociedade, a imprensa deve sair da postura de submissão e acomodamento identificada por Eleonora de Lucena:
“Eu acho que está faltando ao jornalismo, o jornalismo brasileiro está devendo, como eu disse antes, em mostrar as contradições, em mostrar o contraditório. Nem todo o mundo concorda com essas afirmações [de Bolsonaro e dos governistas], nem todo o mundo é a favor da Reforma da Previdência. Há contas diferentes, há visões diferentes.
“Há um pensamento único, parece, pairando por aí. É um pensamento que a gente conhece, que está ligado ao neoliberalismo, que está ligado ao fundamentalismo religioso, e que tenta impor essa vontade a toda a sociedade.
Falta de debate e diversidade
“Sempre que conversamos sobre jornalismo, se lembra a história: o jornalismo, os jornais têm de fazer o papel de uma conversa na praça. É a sociedade falando com ela mesmo, é a gente discutindo diversos pontos de vista em um debate, como se todo mundo estivesse sentado em uma praça, e o jornalismo facilitaria… Seria uma forma de a sociedade conversar com ela mesma, ver as diferenças, as opiniões conflitantes. Debater, participar do processo democrático.
Hoje a gente não tem isso, não tem praça mais. Então eu acho que é sobre isso que a gente precisava refletir para trazer a diversidade, as visões diferentes, para que a sociedade possa opinar, possa se manifestar e decidir sobre seu futuro.”
Censura à imprensa
Para caracterizar a falta de resposta adequada dos meios de comunicação aos ataques à liberdade de imprensa, Eleonora de Lucena lembrou o caso da permissão e proibição e volta à permissão da entrevista do presidente Lula:
“No ano passado, o Lewandowski deu à Folha o direito de fazer a entrevista com o presidente Lula. Várias pessoas presas no Brasil foram entrevistadas. Ele deu essa decisão, que foi cassada pelo Fux, que disse, na sua decisão, que, se a entrevista já tivesse sido feita, ela não poderia sair.
“Como o Chico Fogo [NR.: Luís Francisco Carvalho Filho, advogado] apontou naquele dia, o ministro do Supremo implantou o regime de censura prévia. Isso é um escândalo. Acho até que os jornais deveriam estar muito mais atentos a isso, foi um escândalo a não entrevista.
“Como é que o ministro, que já não tinha esse poder de cassar a decisão do outro, disse que, se tivesse sido feita, a entrevista não poderia sair. É um negócio absurdo isso, gente, o que aconteceu.
“O Toffoli não permitiu a entrevista, passou todo processo eleitoral, a gente teve um processo eleitoral cheio de problemas, cheio de graves momentos em que a Constituição não vigorou. E depois dessa confusão, agora vem e libera a entrevista …
“Foi uma boa coisa, antes tarde do que nunca. Tem de fazer a entrevista – deveria ter sido feita lá atrás. Achei aquilo um atentado à liberdade de expressão. E vi muito pouca gente protestando contra isso.
Papel da imprensa
A jornalista apontou que, ao contrário do que muitos afirmam, há pouca informação. E o povo, as empresas, o país, todos precisam de mais informação:
“A gente tem a ilusão de quem tem muita coisa circulando, de que tem muita informação. A gente não tem informação: a gente tem esse caos, mas não tem informação.
“[Precisamos] pensar a situação brasileira para além dessa enxurrada de decisões, comunicados, barbaridades, essa maluquice toda que a gente vive, que não é maluquice, é criada… Mas a gente fica às vezes simplesmente reproduzindo, sem contextualização, sem enfrentar com informação e sem uma causa própria.
“A gente pode pensar o Brasil para além do que está sendo colocado aí. A gente está vivendo uma situação grotesca no Brasil, e a gente precisa ter informação. A sociedade precisa ter acesso à informação. As redes sociais, os jornais, as TVs têm um papel importantíssimo a cumprir nessa história, que é dar informação, que é discutir, apresentar outros dados, levantar outros debates, e não ficar somente à mercê desse carrossel de absurdos, de loucuras que ficam sendo jogadas e que têm essa intenção muito clara de destruição… Destruição até do sentimento de solidariedade na sociedade, destruição dos laços sociais, destruição da ideia de país, destruição de tudo.
“Precisa parar, buscar informação, transmitir informação e ampliar muito o horizonte do debate.”
De olho no futuro
Na última rodada de participação dos painelistas, cada um comentou sobre as perspectivas da imprensa no país. Eis alguns trechos da participação de Eleonora de Lucena:
“O jornalismo de qualidade é necessário, tem mercado. A gente não vai viver sem jornalismo. Mas o próprio modelo de negócios, das empresas, está em mudança. No mundo inteiro há essa questão: quem vai pagar pela informação, quem vai pagar pelo repórter apurar, quem vai pagar para o editor editar, como é que esse modelo de negócio se sustenta daqui para a frente.
“Essa é uma questão que não está resolvida e que nos leva a outra, que é a da fragmentação.
“É muito bom ter essa diversidade na internet, mas isso também me levar a pensar assim: onde é que eu vou buscar informação. É tudo muito fragmentado, disperso, partido… É muito de nicho…
“Há muitas visões, mas, ao mesmo tempo, uma visão panorâmica, uma visão mais integrada da realidade está cada vez mais difícil de a gente encontrar, porque está tudo muito disperso. O modelo está sendo questionado, e a gente, acho, não pode perder esse horizonte: o jornalismo tem essa pretensão de tentar traduzir a realidade de uma sociedade…
“Espero que, daqui a três anos [NR.: depois do fim do governo Bolsonaro], a gente esteja comemorando a democracia, a gente esteja comemorando mais liberdade. Por que esse período de trevas que a gente está enfrentando, espero que a sociedade reaja a isso. Temos várias demonstrações de que há uma reação, talvez ainda incipiente, mas há uma reação.
“Espero que a gente esteja melhor. A juventude e mesmo os novos jornalistas também têm esse papel a desempenhar nos próximos anos.”
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