quarta-feira, 23 de outubro de 2019

A escola sob o dogma do mercado

Por Jorge Barcelos, na jornal Le Monde Diplomatique-Brasil:

Carlos Roberto Jamil Cury afirma que o princípio da gestão democrática é mais do que a eleição de diretores ou diretoras em escolas públicas. A gestão implica que os interlocutores dialoguem, tenham paciência na busca de respostas, que saibam construir uma boa educação com base na justiça. A gestão é democrática quando é encontro de pessoas para a solução de conflitos. “Gestão provém do verbo latino gero, gessi, gestum, gerere e significa levar sobre si, carregar, chamar a si, executar, exercer, gerar. Trata-se de algo que implica o sujeito. Isto pode ser visto em um dos substantivos derivado deste verbo. Trata-se de gestatio, ou seja, gestação, isto é, o ato pelo qual se traz em si e dentro de si algo novo, diferente, um novo ente. Ora, o termo gestão tem sua raiz etimológica em ger que significa fazer brotar, germinar, fazer nascer. Da mesma raiz provêm os termos genitora, genitor, gérmen”, finaliza Cury.

Administrar uma realidade que já é democrática exige diálogo. É o caso de Porto Alegre, que tem construído uma trajetória de sucesso desde 1993. Regina Maria Pozzobon assinala em “Os desafios da gestão municipal democrática Porto Alegre” que o processo de democratização da educação estava associado ao de democratização da cidade, ou seja, de constituição de uma esfera pública não estatal capaz de controlar a ação do estado. A gestão democrática da escola nasce no contexto da qualificação da participação popular visando à formação para cidadania, argumento citado por Cury, que lembra o que o político Norberto Bobbio, autor de “O Futuro da Democracia” (1986), afirma que a educação para a cidadania é modo de fazer com que um súdito transforme-se em cidadão. “A gestão democrática é um princípio do Estado nas políticas educacionais que espelha o próprio Estado Democrático de Direito e nele se espelha, postulando a presença dos cidadãos no processo e no produto de políticas dos governos. Os cidadãos querem mais do que ser executores de políticas, querem ser ouvidos e ter presença em arenas públicas de elaboração e nos momentos de tomada de decisão. Trata-se de democratizar a própria democracia”, finaliza Cury.

Desde o último dia 3 de outubro, quando o Secretário Municipal de Educação, Adriano Naves de Brito, reuniu os diretores das escolas para apresentar o Projeto de Lei 20/2019, que reforma a Lei de Gestão Democrática das Escolas de Porto Alegre, os professores das escolas municipais enfrentam mais um embate com a administração pelo projeto de gestão democrática do ensino melhor para a cidade. O motivo do embate é que a atual proposta não foi fruto de diálogo com a categoria, não respeitou as conquistas e consensos de professores, alunos e comunidade escolar consolidados desde a instalação da Lei 7.365, de 18 de novembro de 1993. Quer dizer, é uma proposta de gestão democrática que nasce antidemocrática. Afirmam os educadores que ela foi elaborada em gabinete, conduzida sem um processo de discussão democrática pelo poder público com os atores envolvidos, reduz a figura do diretor escolar a de gestor de empresas, estabelece sua subordinação irrefletida aos pressupostos da política neoliberal em andamento no governo e a planos de rendimento que não consideram as condições materiais das escolas. Além disso, para os educadores, a proposta não estabelece contrapartidas justas ao processo de democratização em andamento, o que significa dizer que não oferecem como contrapartida para as alterações que promovem sequer a renegociação do orçamento da educação ou a oferta de novos contratos para fornecimento de bens e serviços para as escolas municipais.

O que o secretário faz é exercer seu poder de forma autoritária, o que vai ter fatalmente consequências na organização da vida escolar. Sintetiza a Atempa, sindicato que congrega os técnicos educacionais do município que “o governo desconsidera as famílias quando impõe a nova rotina escolar sem debate, quando reduz os custos na merenda escolar, [quando] não investe na agricultura familiar, [quando] deixa estudantes sem professores, sem monitores, sem atendimento educacional especializado, sem transporte escolar, sem condições de estudo de qualidade! ”

A experiência da gestão democrática

A Lei de Gestão Democrática possui uma longa história como mecanismo de gestão, motivo pelo qual sempre foi respeitada dentro da política da Secretaria Municipal de Educação, inclusive em governos não-petistas como o de José Fogaça. A razão é que a eleição de diretores sempre foi produto de regras estabelecidas e aceitas pela comunidade escolar e nunca se cogitou a possibilidade de imposição de competências técnicas exteriores que obrigassem a submissão do diretor, como é o caso agora. Sem considerar o fator humano e a história da democratização das escolas municipais, a proposta tem como efeito fazer retroceder, na rede municipal, seu caminho para ciência e cultura. Para os professores, ela produz a inversão de prioridades porque põe como foco “objetivos” de gestão formulados pela administração em detrimento da capacidade de eleição de objetivos pelos professores das escolas. As consequências são conhecidas: desaparecimento do rosto principal da democratização do ensino.

Para o sociólogo Romaric Godin, que acaba de lançar o livro “A Guerra Social na França” (La Decouverte Editions, 2019) tais processos são o efeito da imposição do modelo econômico baseado no crescimento infinito do capital, ampliação do modelo fordista e extrativista contra o mundo do trabalho e dos mais frágeis, como alunos e professores. O impasse para o autor é que os administradores de plantão acreditam que a difusão da ideia de que tais políticas são acertadas e que os princípios de base do capital ajudarão a superar os problemas da escola não encontra respaldo para os professores, pois o que se vê com sua adoção é uma deterioração rápida do social e nele, da escola. Podemos dizer que Godin valoriza a reinvenção da economia sim, mas o modo como os neoliberais apontam a reinvenção da educação, que a reforma da lei da gestão democrática pretende realizar, não encontra apoio na experiência dos professores. Se a educação vem sendo foco de investimentos e de atenção dos gestores neoliberais, o problema, para os professores, é que se trata de um pensamento que ao invés de visar o bem comum, visa a educação como serva do mercado na sociedade.

Democracia de fachada

O PLE 20/2019, projeto de reforma da lei da democratização das escolas, afeta o peso dos votos, duração de mandatos e reconduções de diretores de escola. Na interpretação dos sindicatos, o projeto busca dificultar o acesso dos professores à formação de chapas, já que exige maior tempo de serviço público para poder se candidatar e estabelece a avaliação periódica com base no desempenho no IDEB. O artifício de sedução é estabelecer uma democracia de fachada ao anunciar que busca dar maior participação à comunidade escolar ao alterar o peso dos votos, reduzindo o peso de professores e funcionários, de 50% para 30%. Ora, o peso dos professores e servidores foi produto de um consenso legitimado pelas diferenças nas competências que possuem no trato com o aluno e pelas dificuldades de pais acessarem e participarem da vida escolar de seus filhos. O que pretende o governo? Ao passar para os pais a maioria dos votos, o governo conta com o apoio daqueles pais conservadores para exercer resistência aos professores: o fato é que, por não estarem na escola, pais são naturalmente mais resistentes as transformações das novas pedagogias e suscetíveis a ideia de necessidade de mercado. Chamo a isso de populismo de caserna, isto é, não basta o prefeito e seu secretário buscarem introduzir mecanismos de dominação neoliberal nas escolas, é preciso fazer isso com um verniz populista, isto é, produzindo a inversão de sentidos de que se trata de um benefício para a comunidade quando não se trata, já que se sabe o quanto visam fortalecer princípios do mercado.

O modelo de gestão da educação em Porto Alegre é perigoso para os processos de democratização em escala nacional. Cada secretaria municipal de educação de norte a sul do país pode se sentir à vontade para adaptar sua rotina administrativa aos princípios do paradigma neoliberal, o que significa incluir na sua agenda de trabalho, processos que retiram a autonomia dos diretores eleitos, dos objetivos da educação municipal, etc. A administração afirma que realizará curso de gestão de 40 horas para os eleitos. A natureza do curso – currículos, objetivos, ideologia, é claro, – já se pode imaginar: transformar a escola num lugar de aplicabilidade da lógica das empresas. Não é que os profissionais mais experientes não concorram nas eleições porque se indispõem com os professores mais jovens, mas porque eles, mais do que ninguém, sofrem os efeitos do cansaço escolar, do processo de desmotivação provocado pela própria ação do secretário ao longo destes três anos. Para Roseli Sibemberg, estudiosa das políticas municipais de educação, o que o secretário chama de autonomia, ela chama de superpoderes “O que adianta, por exemplo, poder constituir um diretor conforme a nota do IDEB em duas disciplinas (português e matemática) e não dar à escola as mínimas condições pedagógicas para atingir uma boa nota nessas ou nas demais? Não adianta empoderar um gestor e não o conjunto que compõe a escola, como se uma lei pudesse dar a ele superpoderes.”

Sempre ele, o mercado

Estabelecer a convocação de um referendo para novas eleições quando o professor não atingir a meta de alta de 2% é seguir a lógica de mercado, seja da avaliação ano a ano pelo IDEB ou Prova Porto Alegre, sempre o ideal produtivista da defesa da eficácia a qualquer preço. Nessa defesa da eficácia, perde-se as perguntas essenciais: o que sabem os alunos? Que saberes são capazes de reter? Essa avaliação é capaz de promover o “fato social total”, engajar todas as dimensões humanas e revelar o complexo da educação? É claro que não! As críticas do secretário, de que a escola é ineficaz querem dizer que ela não persegue as boas finalidades. Quais são elas na visão do secretário? Sempre as que envolvem o aprendizado das regras invisíveis do livre mercado, os pressupostos e crenças subjetivos que favorecem a adaptação ao emprego e às empresas. O que o secretário esconde é que sua definição de eficácia é uma construção social, é uma ideologia, está num contexto de relações de força que aderem a lógica econômica que define o que é e o que não é eficiente.

O Professor Alex é professor da rede municipal de Porto Alegre, vereador e presidente da Comissão de Educação da Câmara Municipal que é um dos atores que vem construindo uma trajetória de oposição a ideia de que as regras do mercado devem fazer parte do universo simbólico da educação municipal. Ele afirma que a iniciativa da reforma da eleição de diretores é uma jogada para a torcida: a rede escolar sequer vê atendida suas reivindicações de professores de matemática! A CECE tem sido uma frente de oposição importante para colaborar na defesa do movimento de professores e não é à toa que o secretário municipal de educação, sucessivamente chamado a prestar contas, cancela sua presença, negando-se a explicar aos vereadores um projeto de lei que já está em regime de urgência ” – Não compareci às reuniões porque o projeto não estava pronto. Agora, a palavra está com eles (vereadores) ” – declara o secretário municipal de educação Adriano Brito. O problema é que ao recusar participar de reuniões convocadas pelo poder legislativo, o secretário revela a recusa do debate, e matéria de ZH sugere que isto seja estratégico, já que o projeto é uma mudança de última hora no processo eleitoral cujo efeito é produzir o desinteresse do professor de participar do processo ”quem tem nove anos de serviço não quer participar, e quem não tem e quer, não pode. É uma bagunça e um desrespeito“ – declara o diretor de uma escola da zona sul da capital em matéria à ZH.

O Ideb como dispositivo legitimador

A escolha do Ideb é um ponto já denunciado pelos pesquisadores. A origem de sua adoção por administradores neoliberais é anterior ao projeto do secretário Adriano Naves de Brito. Liane Maria Bernardi, doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), professora aposentada da Rede Pública Municipal de Porto Alegre e integrante do Grupo de Pesquisa Relações entre o Público e o Privado na Educação, vem estudando como um grupo de banqueiros e empresários vem ao longo dos anos articulando no país o setor privado junto ao governo. Na sua interpretação, trata-se de um grupo que tem se dedicado a oferecer um diagnóstico dos problemas da educação nacional para oferecer um tratamento privado para resolver seus problemas. Na visão de Bernardi, a iniciativa visa a introdução na escola de um sujeito que eles chamam de dotados de “competências emocionais” que ela denomina de “sujeito sob controle”: “o objetivo é ter pessoas tranquilas, socializadas, que não explodam em violência, apesar da miséria e da falta de direitos, e que desenvolvam competências básicas. Por isso a estratégia é o enfoque tão grande no Português e na Matemática e no desmonte das demais áreas do conhecimento. Eles querem um sujeito que saiba minimamente ler, escrever, calcular e se submeter”, diz a pesquisadora. Nesse contexto, grupos empresariais ligados a educação vendem desde computadores, material didático e cartilhas de alfabetização e aceleração de aprendizagem, como os grupos Positivo e Ayrton Senna.

Para Berardi a escolha de Ideb é uma questão complicada pois a comparação de um índice bruto de uma escola privada e o de uma escola pública de periferia deve levar em conta diversas variáveis. Além disso, segundo a autora, isso é pior ainda quando o governo municipal vem atuando de forma destruidora dos projetos consolidados “Os professores não têm mais hora de planejamento nem reunião pedagógica. Todos os nossos projetos praticamente desapareceram. Isso aconteceu em toda a rede municipal. Um que outro conseguiu sobreviver. Não conseguiram, mas tentaram acabar inclusive com a Orquestra do Villa Lobos. Dos projetos que a minha escola tinha, não sobrou nenhum”, afirma. Alunos de realidades escolares diferentes, com acessos de nível diferente de recursos não devem ser classificados por um mesmo índice bruto, finaliza a autora. Afinal, aplicar provas a alunos do Rosário e da Restinga é querer classificá-los sem considerar o fato de que eles não estão em igualdade de condições. Berardi tem razão em apontar que o objetivo de mostrar que a escola pública não funciona é o modo de sugerir a população de que a iniciativa privada tem a solução: “Aqui em Porto Alegre, no final do ano passado, o prefeito abriu um edital de chamamento público para startups, empresas que vendem soluções tecnológicas via plataformas digitais. Eles definiram dezenove desafios em três frentes: gestão (junto às direções), parte pedagógica (junto aos professores) e a relação da informação com os pais. Esses startups entram dentro da escola e aplicam a sua tecnologia. Se der certo, ótimo, ela valida a tecnologia e passa a vender para os governos. Se não der certo, azar da escola que aceitou testar essa tecnologia. Muito dessa tecnologia está relacionada a reforço escolar, coisa que a própria escola poderia construir, mas que não tem espaço nem professores para tanto”, finaliza.

Bernardi aponta que nessa lógica está a ideia de ressignificação do discurso educativo. É o que acontece por exemplo na expressão “recursos públicos para a educação pública” sutilmente substituído pela expressão “recursos públicos para a educação”, forma de naturalizar a ideia de acessar os recursos públicos para o mercado, redesenhando o currículo com o interesse na aplicação da Base Nacional. Alerta a pesquisadora que a Base Nacional em vigor não é a dos debates de professores, mas o do substitutivo que desconfigurou a proposta original. Qual cartilha segue o secretário Brito? A dos organismos internacionais, é claro, que propõem a ideia de governança caracterizada pela administração enxuta, do trabalho na lógica gerencial e a preocupação com índices, a ideia da educação como mercadoria a ser oferecida ao cidadão, de uso de vouchers, etc. Essa cartilha depende, para se efetivar, do enfraquecimento da distinção entre educação pública e privada, o que vem sendo feito pelo secretário com dedicação amplamente coberta pela imprensa. A política de quebrar o monopólio estatal, diz Berardi, é explícita nesses projetos e depende do fim da relação das escolas públicas com a comunidade para que, no seu lugar, possam os projetos da rede privada terem espaço “Isso é assustador. Eles vão agindo de forma silenciosa, vão entrando devagarinho, cercando se tornando parceiros e ofertando seus projetos”, finaliza. Para Berardi, é sua forma de construir legitimidade e hegemonia cujo efeito é possibilitar ao capital o direito de fazer currículo, de formar professores e determinar as bases da democracia escolar, tudo com o objetivo de produzir trabalhadores para o mercado, para os empresários e suas empresas. Há, é claro, um pressuposto que nunca é revelado: o de que para os educadores que construíram sua visão de mundo no período democrático, educar é construir cidadãos de direitos, enquanto que para Brito, educar é criar cidadãos que saibam escolher os produtos que acham melhor “Os governos deixam de pagar o professor, desmontam a escola pública, não repassam recursos, deixam faltar professores, deixa chegar, em resumo, ao pior quadro possível, inviabilizando a construção de um projeto emancipador de educação, visando a criação de um cidadão crítico e consciente de seus direitos. E substitui tudo isso por vouchers, pela oferta de ensino técnico para criar um cidadão que faz escolhas no mercado”, finaliza.

Lutar contra a sedução do projeto de lei

A justificativa contida no corpo do projeto (PLE 517/2019) revoga a Lei Municipal 7365, de 17 de novembro de 1993 diz tudo o que precisamos saber: considera “defasada“ a lei, pois representa o “espírito” dos anos 90, com “pautas e desafios” bem diferentes daqueles que hoje se impõem ao regime estatal. Não é preciso ler nas entrelinhas pois o espírito dos anos 90 a que se refere é o de uma educação voltada para a cidadania, para os processos de democratização da escola, enquanto que as “pautas e desafios” hoje são os impostos ao regime estatal, que é o de garantir as condições para o bom desenvolvimento do mercado. O prefeito não diz isso, mas está lá, tudinho nas entrelinhas.

A justificativa ainda usa a família como argumento dissuasório ao dizer que “trata-se de plasmar na lei um espírito mais condizente com que as famílias esperam da escola” o que significa também atender aos interesses do neoconservadorismo em ascensão e seu evidente viés de retrocesso no campo da moral e dos costumes. Para o prefeito, se trata de fazer agora sim uma lei de “gestão da escola”, mas a pergunta é, que tipo de gestão estabelece a concepção neoliberal? Exatamente o que propõe a lei, reduzir o poder democrático da escola, abrindo mão das competências do diretor em defesa de um princípio de qualidade baseado no controle, na produtividade e na performance.

Ao responsabilizar o diretor na conquista de indicadores de produtividade, o prefeito busca alcançar um novo patamar da dominação neoliberal, aquele que faz do diretor um ator educacional transformado em agente de dominação. Por isso o projeto de lei reforça as instâncias de avaliação de performance, de transferência do exercício de poder, retirando poder do professor e o outorgando aos novos vigilantes da moral e dos bons costumes: a família. A promessa de tempo maior de gestão oculta o mesmo ovo da serpente, a saber, o de ser maior tempo de controle para a proposta neoliberal, que vai se imiscuindo na escola. Os pais são utilizados como parte da estratégia, são como marionetes de um processo que não dominam as ferramentas essenciais, são acariciados com a promessa de mais poder, subterfúgio para reduzir o papel dos professores. O que o discurso do prefeito e de seu secretário não esclarece é que tipo de progresso é de aprendizagem é esse que está em andamento: nessa lógica, os conteúdos de matemática e português são privilegiados porque, sabe-se que eles são de interesse, em primeiro lugar, do capital que despreza os conteúdos de cidadania e política, estes sim, um obstáculo a sua realização porque fazem parte do repertório necessário à luta por direitos, e por isso mesmo, adversos aos interesses do capital.

A análise do projeto de lei 20/2019 revela que não é um discurso legal, mas um discurso de sedução. É de sedução porque desvia o olhar do público de onde devem estar o foco do processo de aprendizagem, coloca como elementos essenciais aquilo que sequer deveria ser considerado pelo processo pedagógico. O prefeito sabe que não é necessário privatizar as escolas nesse momento para adequá-las ao discurso neoliberal: basta influenciar seus conteúdos, suas formas de gestão, os procedimentos e relações de poder dentro da escola e as concepções de ensino, que passam a funcionar com base nos dogmas do mercado. Por isso é necessário resistir a mais esta ofensiva contra a escola, ela não é inevitável como pretende o prefeito ou seu secretário. Mais do que uma resistência surda, é preciso uma luta coletiva que tome em primeiro lugar o parlamento, onde será votada a lei, pois a consciência dos seus perigos está na mutação da vida escolar que promove.

* Jorge Barcelos é historiador, doutor em Educação. Autor de “O Tribunal de Contas e a Educação Municipal” (Editora Fi, 2017) e “A impossibilidade do real: introdução ao pensamento de Jean Baudrillard” (Editora Homo Plásticus,2018) é colaborador de Le Monde Diplomatique Brasil, Sul21, Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e do Jornal O Estado de Direito. Mantém a página jorgebarcellos.pro.br.

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