Por Ricardo Gebrim, no jornal Brasil de Fato:
A Grande Ilusão é o título de um livro de Norman Angell, escrito em 1910. O autor fez uma vigorosa análise sobre a possibilidade da grande guerra mundial que seria deflagrada apenas quatro anos após o lançamento de sua obra. Ao estudar as últimas guerras, as características dos novos armamentos, a configuração geopolítica das alianças entre os países, concluiu que uma guerra poderia se espalhar pela Europa, seria uma catástrofe sem precedentes e todas as potências sairiam derrotadas, com a destruição econômica até mesmo dos vencedores.
A Europa vivenciava um período de anos de prosperidade e crescimento contínuo. Ampliava rapidamente a interdependência comercial e financeira entre os países do continente. Ao mesmo tempo, a corrida armamentista se intensificava como nunca antes. Vários livros foram publicados naqueles anos prevendo a “próxima guerra”, mas nenhum foi tão lido por generais, primeiros-ministros e monarcas quanto a Grande Ilusão.
De nada adiantou a leitura de uma previsão que se comprovou tão acertada poucos anos depois.
Recordemos outro episódio histórico. A Linha Maginot. Foi um sistema de fortificações e de defesa construído pela França ao longo de suas fronteiras com a Alemanha e a Itália, após a Primeira Guerra Mundial, entre 1930 e 1936. Tratava-se da mais formidável linha defensiva jamais construída no mundo, com imensa complexidade tecnológica e poderio militar, considerada intransponível pelos engenheiros.
Sabemos que a linha Maginot não evitou a derrota da França no início da Segunda Guerra Mundial, em 1940, na medida em que as divisões alemãs contornaram-na atacando a região de Sedan, além da sua extremidade oeste, vencendo em poucas semanas. Para tanto, valeram-se da surpreendente velocidade de seus blindados.
Hoje, conhecendo os desdobramentos históricos, é fácil conceber essa possibilidade. Mas os generais, engenheiros, líderes políticos franceses dos anos 20 e 30 eram imbecis? Como não previram que poderia acontecer? Nos parece tão evidente…
O futuro sempre traz aspectos inimagináveis, mas mesmo os que se revelam previsíveis são difíceis de serem absorvidos. Não é fácil lidar com o novo. Temos uma inércia na manutenção de nossas concepções.
Com o golpe militar de 1964, experientes líderes políticos golpistas, como os governadores Adhemar de Barros, Magalhães Pinto e Carlos Lacerda, assim como parte expressiva da oposição e muitas forças de esquerda, acreditavam piamente que estavam diante de um evento passageiro, que restabeleceria o processo democrático com as esperadas eleições de 1966.
Da mesma forma, importantes analistas não perceberam que o chamado “milagre econômico” alterava as bases da produção nacional e dava um fôlego à ditadura nos anos 70.
Hoje, temos a nítida percepção que o bloco no poder, composto pela unidade das várias frações burguesas, aproveita-se da profunda derrota que infringiu às forças populares para promover o seu programa, com aceleradas e importantes transformações.
A segunda ofensiva neoliberal que estamos enfrentando acelera um programa que desmonta as bases nacionais de todo o ciclo virtuoso de nosso período desenvolvimentista (1930-1980). Porém, ainda não conseguimos mensurar seu impacto.
Perda tecnológica, Base de Alcântara, autonomia do Banco Central, leilão do Pré-Sal, analfabetismo funcional atingindo o ensino médio em uma década, são apenas expoentes trágicos de uma interminável lista que promove uma profunda reversão de nosso papel na Ordem Mundial, impactando a organização social e as relações da classe trabalhadora e simultaneamente criando obstáculos aparentemente intransponíveis para o exercício da soberania.
Há um evidente sentido de retirar poder dos espaços submetidos ao mecanismo democrático, como o Executivo e o Legislativo. Um processo que transforma a nossa limitada democracia em uma performance vazia, na qual as estratégias de luta das forças de esquerda entram em colapso completo se não conseguirem corresponder ao novo momento.
Os mecanismos estatais, como o BNDES e as políticas econômicas que possibilitaram a aliança com a burguesia interna, tão importante para a vitória e manutenção dos governos petistas, estão sendo desmontados.
No entanto, vivemos um senso comum de que as condições sociais irão se agravar, o que é muito provável, possibilitando nosso retorno democrático, quiçá agora mesmo em 2022!
Nossa Grande Ilusão ou talvez nossa linha Maginot!
Recordemos do brilhante trabalho de Naomi Klein. Ela nos mostra que sempre há um perigo, e algo maior que um perigo, de que crises podem ser usadas como terapia de choque. Usadas para reforçar ideologicamente o sistema. Sempre podem ser construídas alternativas ainda mais reacionárias e conservadoras, disputando a insatisfação popular.
Agravamento das condições de vida, sem organização social, sem o paciente e invisível trabalho de base, não desemboca necessariamente em transformações, e quando as explosões sociais não se esgotam pela intensa repressão, as insatisfações correm o risco de serem capturadas pelas concepções mais reacionárias.
Nossa maior lacuna, ao longo dos governos petistas, foi o total desprezo pela organização popular. Pagamos o preço quando não conseguimos envolver sequer uma pequena porcentagem dos beneficiários dos programas sociais na luta contra o golpe.
E a frustração com nossos governos, que esteve presente na expressiva votação que Bolsonaro teve em redutos da classe trabalhadora, não desaparecerá com facilidade.
O debate estratégico volta a se colocar para o conjunto das forças de esquerda, exigindo o estudo e a compreensão das mudanças econômicas e sociais que estamos vivenciando.
Revolução e contrarrevolução são fenômenos indivisíveis um do outro. Estamos diante de imensos desafios teóricos, políticos e organizativos. É preciso encará-los ou seguir amargando na derrota. Ou então, seguir confiando na Linha Maginot.
A Europa vivenciava um período de anos de prosperidade e crescimento contínuo. Ampliava rapidamente a interdependência comercial e financeira entre os países do continente. Ao mesmo tempo, a corrida armamentista se intensificava como nunca antes. Vários livros foram publicados naqueles anos prevendo a “próxima guerra”, mas nenhum foi tão lido por generais, primeiros-ministros e monarcas quanto a Grande Ilusão.
De nada adiantou a leitura de uma previsão que se comprovou tão acertada poucos anos depois.
Recordemos outro episódio histórico. A Linha Maginot. Foi um sistema de fortificações e de defesa construído pela França ao longo de suas fronteiras com a Alemanha e a Itália, após a Primeira Guerra Mundial, entre 1930 e 1936. Tratava-se da mais formidável linha defensiva jamais construída no mundo, com imensa complexidade tecnológica e poderio militar, considerada intransponível pelos engenheiros.
Sabemos que a linha Maginot não evitou a derrota da França no início da Segunda Guerra Mundial, em 1940, na medida em que as divisões alemãs contornaram-na atacando a região de Sedan, além da sua extremidade oeste, vencendo em poucas semanas. Para tanto, valeram-se da surpreendente velocidade de seus blindados.
Hoje, conhecendo os desdobramentos históricos, é fácil conceber essa possibilidade. Mas os generais, engenheiros, líderes políticos franceses dos anos 20 e 30 eram imbecis? Como não previram que poderia acontecer? Nos parece tão evidente…
O futuro sempre traz aspectos inimagináveis, mas mesmo os que se revelam previsíveis são difíceis de serem absorvidos. Não é fácil lidar com o novo. Temos uma inércia na manutenção de nossas concepções.
Com o golpe militar de 1964, experientes líderes políticos golpistas, como os governadores Adhemar de Barros, Magalhães Pinto e Carlos Lacerda, assim como parte expressiva da oposição e muitas forças de esquerda, acreditavam piamente que estavam diante de um evento passageiro, que restabeleceria o processo democrático com as esperadas eleições de 1966.
Da mesma forma, importantes analistas não perceberam que o chamado “milagre econômico” alterava as bases da produção nacional e dava um fôlego à ditadura nos anos 70.
Hoje, temos a nítida percepção que o bloco no poder, composto pela unidade das várias frações burguesas, aproveita-se da profunda derrota que infringiu às forças populares para promover o seu programa, com aceleradas e importantes transformações.
A segunda ofensiva neoliberal que estamos enfrentando acelera um programa que desmonta as bases nacionais de todo o ciclo virtuoso de nosso período desenvolvimentista (1930-1980). Porém, ainda não conseguimos mensurar seu impacto.
Perda tecnológica, Base de Alcântara, autonomia do Banco Central, leilão do Pré-Sal, analfabetismo funcional atingindo o ensino médio em uma década, são apenas expoentes trágicos de uma interminável lista que promove uma profunda reversão de nosso papel na Ordem Mundial, impactando a organização social e as relações da classe trabalhadora e simultaneamente criando obstáculos aparentemente intransponíveis para o exercício da soberania.
Há um evidente sentido de retirar poder dos espaços submetidos ao mecanismo democrático, como o Executivo e o Legislativo. Um processo que transforma a nossa limitada democracia em uma performance vazia, na qual as estratégias de luta das forças de esquerda entram em colapso completo se não conseguirem corresponder ao novo momento.
Os mecanismos estatais, como o BNDES e as políticas econômicas que possibilitaram a aliança com a burguesia interna, tão importante para a vitória e manutenção dos governos petistas, estão sendo desmontados.
No entanto, vivemos um senso comum de que as condições sociais irão se agravar, o que é muito provável, possibilitando nosso retorno democrático, quiçá agora mesmo em 2022!
Nossa Grande Ilusão ou talvez nossa linha Maginot!
Recordemos do brilhante trabalho de Naomi Klein. Ela nos mostra que sempre há um perigo, e algo maior que um perigo, de que crises podem ser usadas como terapia de choque. Usadas para reforçar ideologicamente o sistema. Sempre podem ser construídas alternativas ainda mais reacionárias e conservadoras, disputando a insatisfação popular.
Agravamento das condições de vida, sem organização social, sem o paciente e invisível trabalho de base, não desemboca necessariamente em transformações, e quando as explosões sociais não se esgotam pela intensa repressão, as insatisfações correm o risco de serem capturadas pelas concepções mais reacionárias.
Nossa maior lacuna, ao longo dos governos petistas, foi o total desprezo pela organização popular. Pagamos o preço quando não conseguimos envolver sequer uma pequena porcentagem dos beneficiários dos programas sociais na luta contra o golpe.
E a frustração com nossos governos, que esteve presente na expressiva votação que Bolsonaro teve em redutos da classe trabalhadora, não desaparecerá com facilidade.
O debate estratégico volta a se colocar para o conjunto das forças de esquerda, exigindo o estudo e a compreensão das mudanças econômicas e sociais que estamos vivenciando.
Revolução e contrarrevolução são fenômenos indivisíveis um do outro. Estamos diante de imensos desafios teóricos, políticos e organizativos. É preciso encará-los ou seguir amargando na derrota. Ou então, seguir confiando na Linha Maginot.
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