terça-feira, 17 de dezembro de 2019

O nazista de Unaí e a encruzilhada do país

Homem vestindo braçadeira nazista sentado em bar na cidade de Unaí, em MG

Por Jotabê Medeiros, na revista CartaCapital:

Não havia nem uma cerveja nem um rabo-de-galo na mesa vermelha de plástico do nazista de Unaí.

A foto também não mostrava alguém mais na mesa além dele mesmo, o nazista de Unaí.

Muita gente escavou na internet um velho ditado alemão: “Se tem dez pessoas numa mesa, senta um nazista e ninguém se levanta, é porque tem onze nazistas na mesa”. É preciso que se diga: ao menos na foto que registrou o fato, todo mundo se manteve longe.

No filme Bastardos Inglórios, Tarantino é ainda mais radical em seu aconselhamento: se não restar alternativa a não ser sentar numa mesa com um nazista, é melhor você apontar sua pistola Walther para os bagos dele antes que ele aponte a Walther dele para os seus bagos.

O nazista de Unaí ocupou uma mesa no Booteco Bar e Restaurante, de Unaí, no Noroeste de Minas, no sábado, 14. Chamaram a polícia, mas a polícia não o interpelou.

Nem todo mundo sabe, mas é crime o que o nazista de Unaí cometeu ao usar uma braçadeira com a suástica, e a pena para o crime de divulgação do nazismo é de 2 a 5 anos de prisão e multa (lei 7.716/1989).

O nazista de Unaí, simbolicamente, escancarou a súbita encruzilhada na qual nos encontramos nesse momento no País: sob a égide do atual governo brasileiro, do qual o mundo todo identifica características típicas do fascismo, como reagir socialmente? É possível sentar à mesa com gente que compactua com atitudes diametralmente opostas à democracia e às noções de humanismo e civilidade, que aplaude assassinatos de indígenas e violência contra ativistas ambientais?

“O governo não é o Brasil”, argumentaram alguns amigos, defendendo a recente aceitação por André Sturm do cargo de Secretário do Audiovisual do governo. Segundo essa linha de argumentação, ele poderia estancar a destruição do setor, em pleno curso. É o debate de Mephisto, de István Szabó, atualizado.

Quanto à questão acima, tenho muitos bons amigos que não hesitaram um minuto: levantaram da mesa rapidamente ao primeiro clarim do Horst Wessel Lied, o hino hitlerista. Nunca quiseram correr o mínimo risco de se sentar no mesmo lugar que um neofascista (ou um apoiador deste, ou um genérico deste).

Eu só sigo tentando fazer a distinção entre os que se portam como o nazista de Unaí (que sabia da gravidade do seu ato e ainda assim o cometeu, orgulhosamente) e aquelas pessoas que não têm noção do redemoinho de perversidade que se esconde sob o discurso moralista do miliciano de Brasília. Ainda é possível alegar inocência? Sei lá, cultivo essas esperanças tolas. É claro que há níveis de comprometimento que tornam impossíveis as relações – um nazista fardado é algo que facilita muito as decisões. Será que algumas pessoas se dão conta da crescente proximidade que estão ficando daquela mesa de plástico do homem de Minas?

Mas é preciso ter claro que o nazista de Unaí não representava Unaí, não representava Minas Gerais, não representava o Brasil. Era apenas um nazista solitário numa mesa de plástico tentando fazer o mundo pensar que representa uma ignorância hegemônica, só que não.

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