terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Alvim desnuda cinismo da direita "liberal"

Por Cynara Menezes, no blog Socialista Morena:

No fundo, soa Lohengrin, a ópera de Wagner que Hitler adorava. Diante das câmeras, um sujeito ainda jovem, mas de aparência encarquilhada, metido num paletó antiquado, cabelo amansado a golpes de gel e repartido de lado, crispa a boca e franze o cenho, de forma ameaçadora, ao falar em “arte” e “cultura”. O texto soa familiar, e é: veloz, o site Jornalistas Livres aponta que se trata de um CTRL+C/CTRL+V (“copiar e colar”) de trechos do discurso do ministro da Propaganda de Adolf Hitler, Joseph Goebbels, para diretores de teatro, em 1933.

Ele próprio diretor de teatro frustrado (assim como Hitler era pintor frustrado), o secretário de Cultura de Bolsonaro, Roberto Alvim, cruzou nitidamente uma linha nesta quinta-feira à noite. Mostrou que há, dentro do governo, simpatizantes declarados do nazismo. Ao copiar o pensamento de um líder nazista numa fala oficial, Alvim se alinha aos nazistas. É inegável. Se um ministro dos governos petistas citasse Stalin em um pronunciamento, seria automaticamente tachado de “stalinista”. Lógico. E seria justo.

Não que as opiniões do presidente da República sejam melhores que as de um nazista declarado. Bolsonaro já insultou quilombolas e homossexuais. Bolsonaro elogiou diversas vezes um torturador. Bolsonaro deu “nota 10″ para a ditadura militar. Bolsonaro defendeu abertamente a perseguição à mídia comercial. Bolsonaro atacou jornalistas. Bolsonaro falou em fuzilar adversários. Ter um secretário de Cultura nazista é só a cereja apodrecida do bolo.
Todo mundo sabia quem era Bolsonaro. No exterior, sua vitória foi lamentada por chargistas e jornalistas de veículos respeitados como “a ascensão do fascismo no Brasil”. Aqui, não. Era proibido dar nome aos bois. Era proibido chamar a extrema direita de extrema direita. Era proibido dizer que um governo fascista é fascista. E por quê? Porque é preciso manter um mínimo verniz civilizatório sobre o presidente para que a direita “liberal” continue cinicamente a dizer que é possível ser anti-Bolsonaro e ao mesmo tempo defender a política econômica do governo.

O que tem acontecido desde que Bolsonaro tomou posse? A direita “liberal”, representada principalmente pelo DEM e pelo PSDB com o suporte de seus parceiros midiáticos, tem defendido todos os principais projetos econômicos do governo. Tucanos e “Democratas” (sic) votaram em peso nas propostas de Bolsonaro no Congresso. A Folha de S.Paulo chegou a publicar um editorial defendendo que o Brasil está “na direção correta”. As organizações Globo não param de noticiar a suposta “melhora” na economia e a saltitante reação dos mercados, utilizando inclusive dados falsos para corroborar o “milagre”.

A direita “liberal” afirma ser plausível aprovar entusiasticamente a política econômica de Bolsonaro enquanto pontualmente critica o mal que ele representa à nossa democracia. Roberto Alvim está aí para desmentir que não, não é plausível. Quem apoia a política econômica de Bolsonaro também assina embaixo de suas opiniões, assina embaixo da ministra que propõe “abstinência sexual” para combater a gravidez precoce, assina embaixo do ministro da Educação que xinga cidadãos nas redes sociais e assassina cotidianamente a Língua Portuguesa, e assina embaixo do secretário de Cultura nazista.

Tanto é impossível apoiar Bolsonaro na economia e ao mesmo tempo supostamente combatê-lo no campo dos direitos humanos e dos costumes que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, se pronunciou de forma dura em relação a Alvim. “O secretário da Cultura passou de todos os limites. É inaceitável. O governo brasileiro deveria afastá-lo urgente do cargo”, defendeu Maia, pelo twitter.

Alvim foi demitido. Isso não muda o fato de que foi contratado. Não muda o fato de que, na mesma noite, havia participado da live semanal ao lado do presidente da República no facebook – o ministro Abraham Weintraub, que é judeu, também estava presente. Não muda o fato de que Bolsonaro já disse e fez coisas tão graves quanto ele. Não muda o fato de que quem apoia a política econômica de um governo fascista é tão fascista quanto o governo.

Até porque não é a primeira vez que um membro do governo é acusado de parafrasear discursos nazistas. Aconteceu com o próprio Weintraub, aliás: em uma palestra, o atual ministro da Educação fez aos comunistas acusação idêntica à que os nazistas faziam contra os judeus.
Fascistas disfarçados não são menos fascistas porque estão disfarçados. No fundo, o erro de Alvim foi escancarar que é fascista, tornando impossível à direita “liberal” manter o apoio incondicional ao governo que tem demonstrado até aqui. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, presumidamente um “guardião” da democracia, chegou a postar elogios ao ministro Paulo Guedes em seu twitter. “Tem rumo”, disse. Dias depois, assoprou. “Economia não é tudo”. FHC e a Globo são hoje os principais baluartes desta direita que se equilibra entre a subserviência ao mercado e o suposto combate a Bolsonaro.

Ora, a política econômica de Hitler também foi apoiada pelo capital. É possível dizer que Hitler era mau, mas sua política econômica era boa? É claro que não. O que é possível afirmar é que as empresas que apoiaram o nazismo foram coniventes com o nazismo. Ou não foi a Bayer quem forneceu o gás das câmaras de gás? Quem se une a nazistas, nazista é.

O pior é saber que, não muito tempo atrás, teve gente na esquerda cobrando o PT por não “dar a mão” a esses “liberais” contra Bolsonaro, enquanto o partido se unia ao PSOL e ao PCdoB na oposição ativa à política econômica do governo no Congresso, que é o que vale. Como podemos dar a mão aos cúmplices do fascismo?

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