sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Paulo Guedes, posto ou paiol?

Por Sergio Araujo, no site Sul-21:

Considerado um dos responsáveis pela vitória de Jair Bolsonaro na eleição presidencial e escalado para ser o superministro da gestão do ex-capitão, Paulo Guedes, por suas declarações polêmicas, tem marcado sua passagem pelo ministério da Economia mais como um paiol de declarações bombásticas do que como “posto Ipiranga”, aquele que tem resposta para todos os desafios da economia, como foi rotulado pelo presidente.

Essa mistura de independência operacional com rebeldia pessoal pode até ser do agrado de Bolsonaro e seus seguidores, mas tem causado preocupação ao mercado financeiro nacional e internacional e desassossego à maioria dos brasileiros. Natural, uma vez que o que deveria servir de abastecimento de soluções para os problemas macroeconômicos está sendo utilizado como material de combustão para a geração de crises e conflitos.

Em sua polêmica mais recente, Guedes chamou os servidores públicos de parasitas, por considera-los trabalhadores privilegiados por terem estabilidade no emprego e “aposentadoria generosa”. Embora tenha retificado a desastrosa declaração, por motivos políticos, ficou clara a sua intenção de criar um clima favorável a implantação da pretendida reforma administrativa para o funcionalismo federal. Foi, portanto, uma fala premeditada.

Outra declaração desafortunada (veja a ironia) do ministro, realizada no Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), buscou atenuar a crítica internacional pela forma como o Brasil tem lidado com as queimadas da floresta amazônica. Na ocasião, Guedes culpou a pobreza pela destruição ambiental; “Destroem porque estão com fome”, disse ele. Tamanha desconexão com a realidade, seja como visão historicamente atrasada ou como factualmente equivocada, sofreu repúdio generalizado e teve que ser reformulada.

Inclua-se no rol de declarações bumerangues (ditas e desditas) do ministro as bombásticas sugestões de criação do “imposto do pecado”, que sobretaxava cigarros, bebidas alcoólicas e produtos com adição de açúcar, e o retorno da cobrança da CPMF, sob nova denominação. Credito na conta dele, apesar de ter sido manifestada pelo presidente, a desastrosa ideia de sugerir que os Estados, a maioria depauperados, abrissem mão da cobrança do ICMS sobre os combustíveis. Jogada nitidamente ensaiada com fins meramente eleitorais.

Aliás, essa série de impropérios ditos pelo ministro da Fazenda – e não apenas por ele, mas por diversos ministros e principalmente pelo presidente – tem se tornado uma rotina desagradável, que não consegue mais disfarçar sua intenção estratégica de servir de “balão de ensaio” para as medidas que o governo pretende adotar e para os objetivos, todos indistintamente com viés ideológico e eleitoral, que busca inexoravelmente alcançar. Mas a questão é: Dá para chamar de surpreendente essa verborragia contraditória de Paulo Guedes? Se considerarmos o passado dele, sua essência enquanto economista, veremos que ele age com uma coerência previsível. Guedes é o que popularmente se denomina de dinheirista. Alguém que usa o dinheiro para gerar mais dinheiro. Não para distribuir, como seria de se esperar de alguém que desempenha uma atividade pública de cunho social, mas para acumular. Para encher as burras da União e privilegiar os segmentos com os quais se identifica, especialmente os ligados ao mercado de capitais.

É por isso que seu subconsciente lhe faz cair em contradição em suas manifestações intempestivas, que por serem impactantes do ponto de vista moral e ético, precisam ser reformuladas e até mesmo desmentidas. Uma espécie de modulação temporal de um oportunismo latente. Ou seja, quando a má intenção foi descoberta ou a mentira não colou.

E já que Bolsonaro reafirmou que “Paulo Guedes é 100% responsável pela condução da economia brasileira e que não existe plano B”, não resta outra atitude perante a arrogância postural e a truculência verbal do ministro senão a condescendência ou o enfrentamento. E esse é o desafio daqueles que por ventura se julgam vítimas do poderio expansionista do poderoso ministro. Fazer valer o pacto federativo, no caso dos governadores, e a Constituição, no que tange a hierarquização popular – “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido” -, ou fechar os olhos e fingir que vivemos num regime democrático exercido em sua plenitude, mesmo sabendo que os destinos da população estão sendo comandados por déspotas de ocasião?

No caso específico do Rio Grande do Sul, cabe ao governador Eduardo Leite, fiel seguidor da cartilha neoliberal e que tem cumprido rigorosamente as exigências do Tesouro Nacional para uma possível inclusão do estado no Regime de Recuperação Fiscal, dentre elas as reformas previdenciária e administrativa e, brevemente, a tributária, mostrar sua determinação para que o governo federal pare de impor obstáculos à concretização do pleito gaúcho e seja realmente parceiro do Rio Grande na busca da retomada do seu desenvolvimento.

E mais, que exija a devolução ao Rio Grande daquilo que é seu por direito, como o retorno dos impostos repassados ao erário nacional na forma de investimentos em obras e serviços, e que finalmente devolva o que deve por conta da Lei Kandir. Sim, a União precisa parar de tratar os estados e o cidadão como pedintes e parasitas, e passar a trata-los como entes federados e contribuintes. Não é favor nenhum, é obrigação. É o Estado quem deve servir a sociedade, não o contrário. Só os regimes totalitários pensam e atuam diferente.

Se é esse o Brasil que querem impor ao povo, que parem de tergiversar e digam logo a verdade. Posto Ipiranga! Era só o que faltava!

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