sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Soam alarmes antifascistas na Alemanha

Foto: Hermann Bredehorst/Polaris/laif
Por César Locatelli, no site Carta Maior:

“As democracias não morrem da noite para o dia. Elas não vicejam num dia e, no outro, são extirpadas por um golpe de estado. Elas decaem gradualmente, até que o terreno esteja fértil para o sequestro autoritário do poder”, escreveu Dirk Kurbjuweit, em editorial para Der Spiegel.

Eis que em uma votação, em 6 de fevereiro, no parlamento de um estado alemão, a direita conservadora se uniu a fascistas e conseguiu eleger o governador.

O palco foi o parlamento do estado de Turíngia, estado do centro-leste alemão com pouco mais de 2 milhões de habitantes. Lá, uniram-se os membros locais da União Democrática Cristã (CDU), partido de centro-direita de Angela Merkel, e do Partido Liberal Democrático (FDP), que luta em favor das empresas.

Como essa coligação não conseguiria vencer, aliaram-se a Björn Höcke, líder de uma ala de extrema direita do partido Alternativa para a Alemanha (AfD) que é investigado pela agência de inteligência e pode ser declarada inconstitucional.

Thomas Kemmerich obteve 45 votos, contra 44 de Ramelow, atual governador do estado e que representa uma coligação de centro-esquerda.

Nenhum membro do Alternativa para a Alemanha (AfD) votou no candidato de seu partido. “Em última análise, o vencedor foi Höcke, o homem por trás da Flügel (ala extremista de direita do AfD)”, avalia a revista Der Spiegel.

Por que soaram os alarmes antifascistas?

Foi exatamente no mesmo estado alemão, Turíngia, que os nazistas iniciaram, em 1930, seu caminho ao domínio da Alemanha. Partidos conservadores de direita aliaram-se aos nazistas e permaneceram aliados por 14 meses. A ambição da direita por permanecer no poder fez com que os nazistas ganhassem aceitação nos principais círculos conservadores do país.

O desastre fatal viria a ocorrer em meados de 1932, quando foi suspensa a interdição das duas alas paramilitares do Partido Nazista – a Sturmabteilung (SA) e a Schutzstaffel (SS) – em troca do apoio de Hitler. A SA e a SS foram imediatamente às ruas e bares, fazendo a violência escalar ao Domingo Sangrento de Altona, com 16 mortes. Não obstante a violência desses grupos, Hitler continuou sendo aceito pelos conservadores.

“Analogias como essa não provam nada. Mas uma lição da República de Weimar é que a extrema-direita chegou ao poder porque os conservadores queriam usá-la para permanecer no poder”, ressalta a matéria “Abalos secundários continuam após imenso terremoto político na Alemanha”, da revista Der Spiegel.

Os membros Locais do CDU gritaram, em alto e bom som, para o país inteiro, que estão dispostos a fechar parcerias com quem quer que seja, menos com a esquerda. “Essa posição já existiu antes na Alemanha: nos últimos dias da República de Weimar”, acrescenta a revista.

As tentativas de redução de danos

De volta aos dias de hoje, prevê-se que a ala de Björn Höcke deve ganhar influência e votos depois da coligação arquitetada por ele. No entanto, o Escritório Federal para a Proteção da Constituição tem compilado inúmeras declarações para mostrar o extremismo etnonacionalista dele e de seus parceiros. “O aparato de inteligência doméstica também criticou o que descreveu como afirmações ‘claramente xenófobas’… quando Höcke declara que ‘sociedades multiculturais’ são ‘sociedades multicriminais’”. Höcke é igualmente pródigo em comentários antissemitas.

Angela Merkel, que tem como regra não comentar assuntos domésticos quando viaja ao exterior, disse na África do Sul que essa eleição “rompeu com uma convicção fundamental, tanto para a CDU quanto para mim, ou seja, de que nenhuma maioria deve ser conquistada com a ajuda do AfD". Tal resultado foi "imperdoável", um "dia ruim para a democracia" e deve ser revertido, completou ela.

Uma das vítimas do escândalo foi Annegret Kramp-Karrenbauer, incensada como potencial sucessora de Merkel, que renunciou à presidência da CDU e anunciou que não concorrerá à chancelaria no ano que vem. AKK, como é conhecida, vem sendo muito criticada pela falta de autoridade ao não demarcar claramente os limites para a liderança local do partido.

Ainda pelo CDU, de Merkel, o secretário-geral, Paul Ziemiak, fustigou o partido AfD e em especial ao seu líder na Turíngia, Björn Höcke: “Muitos perguntam-se na AfD com que direito chamo Höcke de nazista. É muito simples, chamo-lhe de nazista porque é um nazista e vou continuar a chamar-lhe assim", disse.

Afirmando estarem envergonhados e que seu partido fará todo o possível para que esse erro não volte a acontecer, o presidente do FDP, Christian Lindner, pediu, hoje (13), perdão no Parlamento pelos fatos ocorridos na Turíngia. Lindner admitiu que o seu partido tinha responsabilidade pelos danos causados pela eleição de Kemmerich, segundo EFE.

O rescaldo do escândalo

Diante da repercussão da chegada da extrema-direita a um governo estadual, pela primeira vez desde 1945, Thomas Kemmerich renunciou ao cargo para o qual havia acabado de ser eleito. Ainda não está claro se serão convocadas novas eleições.

Pesquisa realizada, em Turíngia, após o escândalo revelou um crescimento importante de 8 pontos percentuais nas preferências do Partido de Esquerda (Die Linke), de 31% para 39%, e uma queda de tamanho semelhante no apoio à CDU, de 21,7% para 13%. Surpreendentemente, o partido de extrema direita AfD subiu ligeiramente, de 23,4% para 24%.

Há uma convergência de opiniões de que o episódio representou uma violação do entendimento que os partidos democráticos devem se opor a extremistas de direita e nacionalistas étnicos. E aqueles que abandonaram esse consenso, provavelmente não voltarão atrás.

“É isso que torna os eventos da semana passada em Erfurt [capital da Turíngia] tão perigosos. Servirá apenas para reforçar os clichês e os preconceitos que os inimigos do sistema político na Alemanha têm. Além disso, exacerbará as dúvidas de todo eleitor alemão que, há anos, se sente discretamente alienado pela política aqui”, opina a revista Der Spiegel.

* Com informações de Der Spiegelgel (“A Dark Day for Democracy”), EFE (“Líder alemão pede desculpas pela crise da Turíngia”) e DW (“After Germany's far-right scandal, Left party surges as Merkel's CDU sinks”).

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