sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Governo federal penaliza agricultura familiar

Foto: Jonas Santos
Por Elaine Tavares, no site Correio da Cidadania:

Quando se fala em agro­ne­gócio no Brasil, a ten­dência é pensar que esse é um setor que produz comida, mas isso é uma meia ver­dade. O setor agrí­cola com­porta cerca de quatro mi­lhões de propriedades ru­rais e a mai­oria delas, 84,4%, é co­man­dada pela agri­cul­tura fa­mi­liar. Só que no conjunto das pro­pri­e­dades, esses 84% re­pre­sentam apenas 24% da área ocu­pada para a agro­pe­cuária. Isso dá conta do imenso abismo que existe entre o la­ti­fúndio e a pe­quena pro­pri­e­dade fa­mi­liar, que é a que efe­ti­va­mente produz a co­mida que está na mesa do bra­si­leiro. As grandes pro­pri­e­dades, em torno de 16%, ge­ral­mente pro­duzem para ex­por­tação.

Ao lançar um olhar sobre o in­ves­ti­mento que o es­tado bra­si­leiro faz no setor agrí­cola o abismo também apa­rece: no plano de safra do binômio 2011/2012, por exemplo, o go­verno des­tinou 107 bilhões para a agri­cul­tura em­pre­sa­rial en­quanto que a fa­mi­liar ficou com apenas 16 bi­lhões. E essa dife­rença tre­menda se re­pete ano a ano, mesmo que seja jus­ta­mente o setor da agri­cul­tura fa­mi­liar o que gera cerca de 74% dos em­pregos no campo. O plano safra 2020/2021, lan­çado esse ano, que garantiu au­mento nos re­cursos, prevê 236 bi­lhões, sendo que para a agri­cul­tura fa­mi­liar serão apenas 33 bi­lhões. Mais de 200 bi­lhões fi­carão nas mãos dos em­pre­sá­rios ru­rais ex­por­ta­dores.

No que diz res­peito ao que está na mesa do bra­si­leiro é o setor da agri­cul­tura fa­mi­liar que ga­rante 80% da man­dioca, 70% do feijão, 58% do leite, 59% dos suínos, 50% das aves e 30% do gado bovino. Os dados são do censo do IBGE de 2006. Já o la­ti­fúndio, que detêm quase 75% das terras, é pró­digo em pro­duzir grãos e carne de corte para ex­por­tação. Pra­ti­ca­mente tudo vai para fora do país. O Brasil é o se­gundo país do mundo em ex­por­tação de carne bo­vina e o maior em ex­por­tação de aves.

O go­verno fe­deral tem sido pró­digo com os la­ti­fun­diá­rios e ex­tre­ma­mente duro com a agri­cul­tura fami­liar. Tanto que vá­rios pro­gramas para esse setor foram ex­tintos, como por exemplo o Plano Nacional de Agro­e­co­logia e Pro­dução Or­gâ­nica (Pla­napo), que tinha re­ce­bido mais de um bi­lhão de reais no plano safra an­te­rior e agora ficou sem nada. Outro pro­grama que foi re­du­zido foi o Pro­grama de Aqui­sição de Ali­mentos (PAA) que ga­rantia a aqui­sição de pro­dutos da agri­cul­tura fa­mi­liar para cre­ches, es­colas e asilos que ficou com apenas 220 mi­lhões, quando a pro­posta era de um bi­lhão.

Ao que pa­rece o go­verno fe­deral está muito pouco pre­o­cu­pado com o setor que produz co­mida, preferindo jogar con­fete na agri­cul­tura em­pre­sa­rial que produz para ex­portar e eleva o PIB na ba­lança co­mer­cial.

Agora, não bas­tasse todo o pro­cesso de des­monte da agri­cul­tura fa­mi­liar no que diz res­peito a políticas pú­blicas, o go­verno fe­deral vetou a pro­posta que previa du­rante a pan­demia um au­xílio emer­gen­cial de 600 reais, por cinco meses, para os agri­cul­tores, bem como a pror­ro­gação de dí­vidas e li­nhas de cré­dito. A me­dida be­ne­fi­ci­aria mais de 700 mil fa­mí­lias que não re­ce­beram qual­quer apoio até agora. O ar­gu­mento usado pelo pre­si­dente para mais esse golpe na agri­cul­tura fa­mi­liar foi de que o pro­jeto não es­pe­ci­fi­cava a fonte dos re­cursos, des­culpa já usada para vetar o au­xílio sa­ni­tário aos povos in­dí­genas.

O pre­si­dente alegou que os agri­cul­tores devem se ins­crever no au­xílio emer­gen­cial geral, mas segundo os di­ri­gentes das en­ti­dades or­ga­ni­za­tivas dos agri­cul­tores isso pode ser uma ar­ma­dilha visto que não há no apli­ca­tivo a opção agri­cultor e se for co­lo­cado como autô­nomo isso pode gerar problemas na hora de acessar ou­tras po­lí­ticas pú­blicas vol­tadas para a agri­cul­tura. Ou seja, os produtores fa­mi­li­ares foram dei­xados a sua pró­pria sorte.

Os vetos pre­si­den­ciais ainda pas­sarão por aná­lise na Câ­mara dos De­pu­tados e no Se­nado, e os movimentos li­gados aos agri­cul­tores já se mo­bi­lizam no sen­tido de pres­si­onar as casas le­gis­la­tivas. Mas, a con­si­derar o do­mínio do go­verno em cada uma delas, as es­pe­ranças são pe­quenas.

Como a agri­cul­tura fa­mi­liar é a que ga­rante a co­mida na mesa do bra­si­leiro, os agri­cul­tores es­peram também o en­ga­ja­mento dos de­mais mo­vi­mentos sin­di­cais e po­pu­lares para mais essa ba­talha. Caso con­trário, a pro­dução en­colhe e o re­sul­tado é au­mento dos preços dos ali­mentos.

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