Por Luis Nassif, no Jornal GGN:
Em artigo no Estadão de ontem, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, volta aos seus tempos de Clube Militar, e conclama para uma maior intervenção militar.
De início, encampa o bordão preferido do mercado e da mídia, o bálsamo das reformas genéricas “imprescindíveis”, como a tributária, a administrativa e a política.
Depois, ataca o desvirtuamento da administração pública, “atingida em cheio pela corrupção e pelo clientelismo político”.
Defende a opção por Bolsonaro, como uma “clara escolha pela condenação do maior caso de corrupção da História, pelas reformas que promovam a retomada do desenvolvimento e pelo combate à violência, compromissos deste governo com a sociedade brasileira”.
De um lado, procura reavivar o antipetismo da tropa. Mas, de outro, aponta a incapacidade do governo Bolsonaro de avançar com as tais reformas e a profissionalização do Estado.
Critica o aparelhamento do setor público, ignorando o fato de que mais de 10 mil militares assumiram cargos civis, sem serem concursados.
Pelo contrário, foram chamados dentro do “esforço de racionalização, efetividade e moralização da administração pública, em prol do soerguimento do País”, passando ao largo do desastre na saúde, responsabilidade direta do general Pazuello.
O que estaria por trás desse artigo?
Que Bolsonaro está na defensiva, não se discute.
Nos últimos dias, Bolsonaro manteve a retórica irresponsável, mas moderou consideravelmente as loucuras efetivas, a partir dos seguintes movimentos:
1. Aceitou um Ministro da Saúde médico, que defende medidas de distanciamento, embora contido pelo negacionismo de Bolsonaro.
2. Indicou um Ministro das Relações Exteriores racional, que propõe bom relacionamento com a China, investimento na diplomacia das vacinas e preocupação com o meio ambiente.
3. Indicou um delegado geral da Polícia Federal bem menos polêmico que as indicações anteriores.
4. Respeitou os procedimentos militares na indicação dos comandantes das Três Forças.
5. Ontem, montou um jogo de cena tentando apadrinhar a vacina Sputinik, da Rússia.
Os sucessivos recordes de casos e óbitos, a atuação errática de Bolsonaro, a irresponsabilidade no combate à pandemia, a convicção – expressa em conversas entre os militares vazadas para a mídia – de que Bolsonaro é um sociopata, tudo isso reforça a resistência dos militares em relação a ele.
Mas qual seria a lógica do artigo de Mourão?
Especialistas do pensamento militar levantam os seguintes pontos.
O artigo faz parte de um movimento do setor militar para desembarcar do governo Bolsonaro, mas não desembarcar do poder. A única maneira seria contar com uma renúncia de Bolsonaro.
O artigo seria uma espécie de reedição do conselho de Dom João VI a Pedro 1o: coloque a coroa na cabeça antes que algum aventureiro o faça.
E é um movimento de peça, no momento em que Lula avança e começa a dominar o tabuleiro do xadrez.
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