A queda do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, deve ter pouco impacto na agenda ministerial ou mesmo na imagem internacional do País. De seu sucessor, o ruralista Joaquim Alvaro Pereira Leite, não convém esperar guinadas de nenhum tipo nas diretrizes do ministério. Partidário da mesma agenda predatória que fez de Salles o pior de todos os titulares do Meio Ambiente no Brasil, Joaquim Alvaro há de ser um outro “antiministro”.
Ainda assim, a saída de Salles constitui uma das derrotas mais amargas, até aqui, para Bolsonaro. Ao lado dos ex-ministros Abraham Weintraub (Educação) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Salles era um dos representantes da chamada “ala ideológica” do governo. Bolsonaristas por convicção, esses “três mosqueteiros” do presidente de extrema-direita sobressaíam pela sem-cerimônia com que atropelavam a Constituição e punham a administração federal a serviço de imensuráveis retrocessos civilizacionais.
Às voltas com denúncias e processos, Araújo e Weintraub tiveram de deixar o governo pela porta dos fundos, sob o risco de comprometerem ainda mais Bolsonaro. Com Salles, não foi diferente. Antes do desgaste sem precedentes sofrido pelo Brasil com a negligência no combate à pandemia de Covid-19, a atuação do Ministério do Meio Ambiente (MMA) já havia protagonizado a conversão do País num pária internacional.
Criado em 1992 para ajudar a promover o desenvolvimento sustentável, com proteção ao meio ambiente, o MMA abriu mão de suas atribuições na era Salles. De costas para a pauta ambiental, o ministro se empenhou para flexibilizar regras, reduzir a fiscalização, desmontar equipes e anistiar infratores. Sua gestão empilhou recordes de queimadas e desmatamento, fez vistas grossas à destruição da Amazônia e do Pantanal, omitiu-se no megavazamento de óleo em praias do Nordeste e esvaziou órgãos ambientais, sobretudo o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
Na reunião interministerial de 22 de abril de 2020 – que se tornou pública por determinação do STF (Supremo Tribunal Federal) –, Salles escancarou seus propósitos com uma célebre sugestão: a de que o governo aproveitasse o foco da imprensa na pandemia para “ir passando a boiada e mudando todo o regramento” ambiental. “Agora, disse ele, “é hora de unir esforços pra dar de baciada a simplificação”.
Um ano após a reunião, a “boiada” passou, com várias medidas de desregulamentação. Conforme estudo publicado por pesquisadores da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) na revista científica Biological Conservation, houve 57 medidas do governo Bolsonaro para afrouxar o combate à preservação ambiental, sendo 49% delas depois do início da pandemia.
Resultado: apenas em 2021, a Amazônia teve 810 quilômetros quadrados de floresta devastada em março, 778 km² em abril e 1.180km² em maio. Com um presidente e um ministro do Meio Ambiente abertamente favoráveis à exploração mineral sem freios em áreas protegidas, a maior floresta brasileira ainda sofreu com o avanço do garimpo ilegal, sobretudo em terras indígenas.
Via de regra, Bolsonaro e Salles ironizavam as denúncias de entidades ambientalistas, minimizavam as críticas e retaliações de países desenvolvidos e davam curso à devastação. Até que o então ministro se tornou alvo de um inquérito autorizado pelo STF. Em 19 de maio passado, a operação Akuanduba, da Polícia Federal, o atingiu com mandados de busca e apreensão, além da quebra de sigilo fiscal e bancário. A suspeita: participação em “esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais”.
Apesar das recomendações contrárias da área técnica do Ibama, Salles, parceiro de empresários madeireiros, teria cooperado na exportação ilegal de madeira para a Europa e os Estados Unidos e ainda prejudicado investigações sobre a maior apreensão de madeira da história. Curiosamente, na despedida do ministério, ele cobrou “respeito” à iniciativa privada e destacou o Brasil como referência não do meio ambiente – mas, sim, do agronegócio”.
Com Salles fora, o bolsonarismo se enfraquece. O governo perde um de seus quadros políticos mais bem-sucedidos na aplicação do ideário ultraliberal. Segundo a revista Veja, Bolsonaro foi avisado de que as novas provas contra o agora ex-ministro, em poder do STF, poderiam “contaminar o PR”.
Mas a demissão de Salles não livra o presidente da crise nem dos riscos, tampouco é trunfo para o bolsonarismo. Como lembrou a presidenta nacional do PCdoB, Luciana Santos, “sua saída é também fruto da pressão popular e uma vitória para a luta de ideias e para o processo de desmascaramento do caráter entreguista e incompetente do governo Bolsonaro”. A luta para deter os retrocessos vai avançar.
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