Foto: Ricardo Stuckert |
O último mês do terrível ano de 2021 começa com o quadro político quase definido para 2022.
João Dória ganhou o braço de ferro no PSDB, e por estreita margem será o candidato de um partido decadente. Dória tem a máquina de São Paulo, muito dinheiro e guarda alguma simpatia em setores tradicionais da elite paulista.
Sérgio Moro ocupou todos os espaços que a mídia tradicional generosamente lhe concedeu: é o candidato da Globo e de fatias importantes do mercado financeiro, além de agregar aqueles militares que sonham com um bolsonarismo sem Bolsonaro.
Ainda na extrema-direita, Bolsonaro jogou fora o figurino de "anti sistema" e se abraçou ao Centrão, filiando-se ao PL, enquanto vê suas taxas de aprovação caírem abaixo de 20%.
O movimento mais importante, no entanto, deu-se na oposição. Lula emitiu sinais, numa entrevista a emissora de rádio gaúcha, de que a aliança com Geraldo Alckmin passou de "possível" para o estágio de "desejável" em parte da direção petista.
A possibilidade da chapa Lula-Alckmin gera urticária em parte da militância de esquerda, mas é preciso entender o grave quadro do país.
Não, Alckmin não soma grande quantidade de votos ao pré-candidato do PT, hoje favorito nas pesquisas. O que Alckmin faz é destravar portas.
Não se sabe se a articulação vai prosperar, mas a reação de colunistas lavajatistas, que trabalham como escribas do patronato midiático, mostra que a conversa entre Lula e o (quase) ex tucano muda o jogo.
Josias de Sousa (UOL) e Vera Magalhães (O Globo) estão entre os que atacaram a chapa que ninguém sabe se vai mesmo existir. Mas já assusta.
A reação na mídia, seguida de críticas de empresários extremistas como Salim Mattar (outro que criticou a conversa entre Lula e Alckmin), é sinal claro de que o lavajatismo torce para que o petista fique preso ao canto esquerdo do ringue, com a (falsa) imagem de "radical defensor de ditaduras" sendo martelada nas manchetes.
A chapa Lula-Alckmin quebra essa narrativa.
Lula poderia ganhar a eleição com uma chapa "puro sangue" de centro-esquerda? Talvez... Mas lembremos: em 1989, 1994 e 1998 (quando se apresentou acompanhado de Bisol/PSB, Mercadante/PT e Brizola/PDT), Lula perdeu. Em 2002 e 2006, com um vice moderado, Lula ampliou e ganhou a eleição.
Ah, mas Alckmin apoiou o golpe de 2016! É verdade. Foi dos menos barulhentos no apoio ao golpe, chegou a se posicionar contra, mas depois embarcou na aventura.
A dura realidade é que o golpe de 2016 nos levou a um quadro de degenerescência da Democracia. Não vivemos na normalidade democrática. E a esquerda sozinha, parece-me, não tem força para tirar o país do atoleiro. Não basta ganhar nas urnas, é preciso criar governabilidade.
Nos anos 1970, JK e Carlos Lacerda (que haviam apoiado o Golpe de 64) sentaram pra conversar com Jango para formar uma frente ampla pela Democracia e contra a ditadura. Mais tarde, um personagem como Teotônio Vilela (egresso do partido conservador Arena) teve papel fundamental na abertura democrática, denunciando abusos autoritários e cobrando a anistia.
Não acho que Alckmin tenha a mesma estatura desses personagens. Mas o paralelo é possível. Situações excepcionais requerem saídas excepcionais.
Não pretendo dourar a pílula: Alckmin é conservador e privatista (apesar de, em 2006, ter declarado que não levaria adiante privatização de Petrobras e Banco do Brasil); por outro lado, é um interlocutor leal e correto nas negociações - como atesta Fernando Haddad, que teve interlocução com ele quando o petista era prefeito e Alckmin governador.
A extrema-direita hoje tem dois personagens à procura de um enredo: Bolsonaro ou Moro podem blocar a direita (agronegócio, mercado, militares, mídia) e transformar 2022 num inferno salpicado de antipetismo e terrorismo eleitoral.
Alckmin com Lula significa romper o bloco da direita, significa tirar uma peça que está "do lado de lá" e trazer "pro lado de cá" do tabuleiro.
Não sei se o conservador Alckmin será, ao fim, o vice de Lula. Mas a conversa, por si só, mexe com o tabuleiro, assusta a direita e permite que Lula abra portas ainda fechadas junto ao empresariado e à classe média conservadora.
Lula-Alckmin não é tão importante, talvez, para ganhar a eleição. Mas para criar governabilidade em 2023.
Por fim, o arranjo permitiria destravar o quadro em São Paulo, criando as condições para a derrota do bloco de Dória e para encerrar o longo ciclo tucano no estado mais rico do país.
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