Pedro Sánchez e Lula. Foto: Ricardo Stuckert |
Um tuíte do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – com não mais que 29 palavras e 200 caracteres – despertou o primeiro frenesi das elites brasileiras em relação aos temas que serão debatidos neste ano eleitoral. Ao compartilhar em suas redes sociais, em 4 de janeiro, uma notícia a respeito da “revogação” da reforma trabalhista pelo governo espanhol, Lula agregou este breve comentário: “É importante que os brasileiros acompanhem de perto o que está acontecendo na Reforma Trabalhista da Espanha, onde o presidente Pedro Sanchez está trabalhando para recuperar direitos dos trabalhadores”.
Na véspera, a presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann, já havia mencionado, também nas redes – e de forma mais explícita –, o exemplo espanhol. “Notícias alvissareiras desse período: Argentina revoga privatização de empresas de energia e Espanha reforma trabalhista que retirou direitos”, escreveu Gleisi. “A reforma espanhola serviu de modelo para a brasileira e ambas não criaram empregos, só precarizaram os direitos. Já temos o caminho.”
A rigor, o que o governo liderado Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) promoveu não foi, precisamente, a revogação completa da reforma trabalhista de 2012. As mudanças liberais de dez anos atrás impulsionaram a precarização do trabalho no país europeu – em especial, as contratações temporárias – sem promover geração de empregos. O movimento sindical cobrava a anulação da reforma – o que se tornou uma bandeira de lutas também do PSOE. Pedro Sánchez, presidente da Espanha desde 2018 e secretário-geral do partido, coordenou diálogos tripartites, que, além do governo, envolveram o setor patronal e os sindicatos. Com isso, o líder espanhol costurou um acordo para suprimir vários retrocessos da reforma trabalhista, sem anulá-la integralmente.
Mesmo com o envolvimento dos empresários de lá no debate – e apesar de certas concessões do governo espanhol para viabilizar avanços –, os empresários de cá não gostaram do aceno em favor dos trabalhadores. Aos olhos do mercado e da grande mídia, Lula já estaria anunciando que, caso volte ao Planalto, vai revogar a reforma trabalhista (Lei 13.467/17,), um dos legados do governo Michel Temer mais festejados pelo setor patronal. Era preciso, pois, defender a reforma e, claro, atacar o chamam de “lulopetismo”.
Coube ao jornal O Estado de S. Paulo o ataque mais histérico. Em editorial publicado no domingo (9), o Estadão insinuou que a preocupação central de Lula era a de restabelecer o imposto sindical – um dos muitos retrocessos da reforma. “A resistência de Lula à reforma trabalhista de 2017 não é, portanto, um aspecto acidental, uma incompreensão pontual”, registrou o editorial. “Ela expõe, uma vez mais, a grande fissura que sempre existiu entre o discurso do PT em defesa dos direitos dos trabalhadores e a realidade da legenda, que desde suas origens priorizou os interesses dos sindicatos e das lideranças sindicais.”
O raciocínio tortuoso e oportunista do Estadão foge do ponto central do debate: a reforma brasileira – que alterou mais de 200 dispositivos da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), em prejuízo à classe trabalhadora e ao movimento sindical – foi um estelionato. Em 2017, o governo Temer propagandeava que, uma vez em vigência, a nova legislação viabilizaria a criação de empregos em larga escala.
Seu ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, bravateava que a reforma geraria 2 milhões de postos de trabalho com carteira assinada em até dois anos. Tudo por causa das novíssimas (e precárias) modalidades de contração que seriam autorizadas – como as jornadas parcial, intermitente e por produtividade. Mais efusivo, Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, contabilizava 6 milhões de novos empregos, sem especificar um prazo para tamanha fartura. “A grande mudança é dar mais poderes aos trabalhadores para negociar suas próprias condições de trabalho”, afirmava Meirelles.
A narrativa governista – reproduzida devotadamente pela grande mídia, tal qual uma verdade absoluta – dava a entender que a reforma trabalhista, por si só, desencadearia o milagre da multiplicação de vagas num país com 13 milhões de desempregados. Pouco importaria a estagnação econômica, as taxas de investimento em queda, a prolongada desindustrialização, as obras públicas paradas ou o atraso tecnológico do País. A saída para criar milhões de empregos a médio prazo seria a “desregulamentação” trabalhista, a “desburocratização” do ambiente de negócios, a “modernização” das relações de trabalho, a “desoneração” da folha de pagamento – enfim, a retirada de direitos e encargos.
Pois bem, o desmonte foi consumado, e a precarização, legalizada. Mas dois anos depois, de 2017 para 2019, o estoque de empregos com carteira assinada no Brasil passou de 46,3 milhões para 46,7 milhões, conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Em 2020, com os efeitos do bolsonarismo e da pandemia de Covid-19, o número de postos de trabalho formais já havia caído para 46,2 milhões. A reforma não salvou a lavoura, nem as fábricas, nem comércios e lojas.
Na Folha de S.Paulo, o porta-voz da reforma foi ninguém menos que o próprio Temer. Também no domingo, o jornal publicou artigo do ex-presidente recheado de fake news, a tratar o desmonte da legislação trabalhista como “modernização”. Diz Temer que era impossível cortar direitos com a reforma por um detalhe técnico: “É que os direitos dos trabalhadores estão definidos no art. 7º da Constituição Federal, e a reforma trabalhista foi veiculada por norma infraconstitucional”. A reforma, de acordo com a fala fraudulenta de Temer, teria sido fruto de “intenso diálogo entre as forças produtivas da nação: os empregados e os empregadores”. E teria feito chover: “Assegurou direitos, gerou empregos e propiciou segurança jurídica”.
Maroto, Temer usa uma das muitas acepções da palavra “direito” para confundir. Sob essa visão, os avanços que os trabalhadores conquistaram fora da Constituição – por lei, decretos e normas, por exemplo – não seriam exatamente “direitos”. Tampouco o ex-presidente convence quando alega que a reforma criou postos de trabalho e deu segurança às relações de trabalho. O que as novas regras proporcionaram, na realidade, foi o empoderamento ainda maior do capital sobre o trabalho, além da tentativa de asfixiar a Justiça do Trabalho e o movimento sindical.
Não é por acaso que a mais categórica resposta ao artigo de Temer partiu das próprias centrais sindicais, numa nota conjunta que desmente, ponto a ponto, as inverdades escritas pelo ex-presidente – inclusive o engodo de que a reforma de 2017 foi pactuada entre representantes dos empresários e dos trabalhadores. As centrais, mais do que isso, já anunciaram a realização de uma nova Conferência Nacional da Classe Trabalhadora – a Conclat 2022 –, a ser realizada em abril, para deliberar uma plataforma de lutas unificada, de olho nas eleições gerais de outubro. A esta altura, a reconquista de direitos e a valorização do sindicalismo – por meio da revogação ou esvaziamento da reforma trabalhista de Temer – já se impôs como prioridade.
No fundo, a chiadeira do empresariado tem outra razão de ser. O período de 2016-2021, aberto pelo golpe e marcado pela volta da agenda neoliberal, foi de uma ofensiva vitoriosa do capital contra o trabalho. Para além da reforma trabalhista, houve a lei da terceirização irrestrita, o teto de gastos, a reforma da Previdência e outras investidas liberalizantes. A despeito da gravíssima crise brasileira – que também compromete o empresariado –, a legislação pendeu, nos últimos anos, para o mercado, enfraquecendo o Estado, desequilibrando ainda mais as relações de trabalho e ampliando as desigualdades.
Tal como tem ocorrido recentemente em diversos países da América Latina – como Argentina, Bolívia, Peru, Honduras e Chile –, o Brasil tem a possibilidade de vencer o neoliberalismo e construir um novo ciclo progressista, democrático e soberano. A revogação da reforma trabalhista pode ser só o começo da reconstrução nacional, no rumo de um projeto de desenvolvimento soberano, com valorização do trabalho, geração de empregos e distribuição de renda. Para o povo brasileiro, debater o programa necessário ao futuro do País se torna tão relevante quanto derrubar Bolsonaro e sua agenda.
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