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As duas últimas pesquisas eleitorais que retratam a corrida ao Palácio do Planalto deste ano acenderam o sinal de alerta da campanha do ex-presidente Lula (PT).
Na sexta-feira (18), um levantamento do PoderData mostrou que a diferença entre o líder de esquerda e o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), caiu de 14% para 9%. O petista teria recuado alguns pontos, pouco fora da margem de erro, ficando com 40% das intenções de voto, enquanto o líder de extrema-direita teria subido 3%, chegando a 31% da preferência dos entrevistados.
Já numa sondagem da CNT (Confederação Nacional dos Transportes) divulgada nesta segunda-feira (21), um cenário de diminuição um pouco menos acentuado apareceu no radar, mas ainda assim preocupante para o candidato de esquerda. Lula teria ficado praticamente estável, passando de 42,8% para 42,2%, enquanto Bolsonaro teria crescido de 25,6% para 28%.
A partir daí, surgem mil teorias e leituras dos acontecimentos e gente de peso do campo progressista saiu em público para gritar que não há nada ganho ainda.
Guilherme Boulos, do PSOL, foi um dos que pediu humildade e uma noção de realidade, apontando como fator fundamental para o crescimento do extremista radical os primeiros pagamentos do Auxílio Brasil, o programa provisório eleitoreiro de Jair Bolsonaro que dará R$ 400 a 18 milhões de famílias até o fim do ano.
“Lula é favorito, mas a eleição não está ganha. Pode parecer um contrassenso, dada a popularidade de Lula entre os mais pobres e particularmente no Nordeste. Mas não é. Seria um erro grosseiro subestimar o efeito de um benefício de R$ 400 para 18 milhões de famílias brasileiras que se encontram na extrema pobreza exemplificou. É a diferença entre comer ou não. Ser despejado ou conseguir pagar o aluguel. Não é pouca coisa em tempos de vacas magras”, alertou o líder do MTST nas redes sociais.
Para fazer uma leitura mais aprofundada desse cenário, falar do Auxílio Brasil e do seu potencial de transferência de votos e sobre uma perspectiva histórica à luz da economia nas reeleições do passado, a reportagem da Fórum foi ouvir quem estuda o assunto.
O professor Rafael Moreira é cientista político e doutor pela Universidade de São Paulo (USP).
Ele compartilha da visão de Guilherme Boulos e pensa que o Auxílio Brasil não pode ser ignorado ou menosprezado.
“Há alguns setores da esquerda que nos últimos tempos tiveram uma certa ilusão de que a eleição já estava ganha pelo Lula, por conta das forças políticas que ele tem conseguido trazer par ao campo dele, pela penetração social que ele tem, apostando na memória política de uma parte do eleitorado, alguns pensando até lá na frente de como seria a repartição das fatias de poder num governo Lula.
No entanto, as coisas não são bem assim. Apesar das pesquisas apontarem Lula muito à frente, estagnado, mas estagnado num patamar elevado, a gente não pode esquecer que há um presidente da República disputando uma reeleição, seja lá quem ele for, pode até ser o pior presidente da História do Brasil, seja qualquer outro nome.
Quem tem a caneta de presidente nas mãos tem um poder muito grande. E esse poder vai desde editar medidas provisórias, que têm impacto direto no cotidiano, alterando o status quo, além de ter o poder de promover políticas públicas com alto impacto social a partir do momento que são implementadas. E esse é o caso do Auxílio Brasil”, explicou Moreira.
A desinformação sobre a natureza do Auxílio Brasil, que só valerá até o fim de 2022, também pode levar Bolsonaro a ganhar votos no pleito deste ano, de acordo com o acadêmico, lembrando que ainda assim a ajuda refletirá em alguma melhora nas condições de vida dessas camadas menos abastadas.
“Grande parte da população não sabe que esse dinheiro só ficará disponível até o final do ano, que é uma medida claramente eleitoreira, só que isso na prática não importa, pois é algo que tem impacto direto e imediato.
Quem recebe esse dinheiro sente as mudanças agora e muito por conta da crise social e do abismo social existente no país.
Qualquer medida econômica que mostre resultado na faixa de renda dessas pessoas, sobretudo na atual conjuntura, com desemprego altíssimo, desigualdade enorme e miséria, faz com que a percepção dessas pessoas mude”, considerou o cientista político.
Para Moreira, no entanto, o Auxílio Brasil não é o único fator que deve ser levado em consideração quando lemos os dados das últimas pesquisas eleitorais. A máquina de fazer mentiras do clã de extrema-direita pode ter um peso nas mudanças notadas nos números das últimas semanas.
“No entanto, há que se pontuar outras coisas. Eu não vejo que essa elevação nas intenções de votos tenham uma relação apenas com o Auxílio Brasil.
A percepção que há entre os analistas desse processo é que eles (o governo Bolsonaro) já está colocando a máquina digital das redes pra funcionar.
Já há elementos que mostram o que será usado esse ano na campanha de Jair Bolsonaro.
Esses memes do presidente visitando a Rússia, dizendo que ele evitou a 3ª Guerra Mundial, enfim, embora nós saibamos que isso é uma bobagem, mas da forma como foi propagado por bolsonaristas de peso, ainda que alguns aleguem que foi de forma irônica, tem gente, entre aqueles que recebem, que não verão isso como irônico.
Eles estão testando o eleitorado e vendo qual vai ser o grau de adesão do eleitorado a essas narrativas. Não tenho dúvidas de que isso foi um teste para ver o alcance que as coisas tomarão lá na frente e também não tenho dúvida que isso está acontecendo já agora”, acrescentou.
O que confirma sua tese, segundo Moreira, são os movimentos realizados pelas autoridades da Justiça Eleitoral, que tentam a todo custo tornar o processo deste ano mais transparente, sobretudo procurando regular aplicativos e plataformas que estão sendo utilizados pelo bolsonarismo para espalhar desinformação.
“Não foi à toa que boa parte do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) está discutindo uma forma de regular o Telegram, que é onde a coisa está rolando solta. Muitas vezes a esquerda, ou os acadêmicos e intelectuais, ficam apartados disso. Nós entendemos a dinâmica do Twitter, das montagens de grupos no WhatsApp, com figuras do bolsonarismo administrando 80, até 100m grupos e distribuindo esse tipo de informação, no entanto nós não compreendemos muito bem como as coisas se dão no Telegram.
Eu tenho um feeling que me diz que o Telegram já está cumprindo um papel dentro desse crescimento do bolsonarismo.
Há gente distribuindo coisas nesses grupos que não são materiais e conteúdos que são distribuídos no Facebook, por exemplo.
Esse pessoal está colocando a máquina para funcionar e isso causa um impacto que vai muito além das camadas populares.
Eles atingem uma classe média dita escolarizada, mas sem qualquer senso crítico, assim como a elite econômica”, finalizou.
Sob o aspecto histórico, é possível alinhar os fatos que englobam a tentativa de reeleição de Bolsonaro com outros presidentes que conquistaram um segundo mandato?
Para o historiador Cesar Agenor Fernandes da Silva, professor da Universidade Estadual do Centro Oeste (UNICENTRO-PR), que é doutor em História pela UNESP, os cenários do passado são muito diferentes do atual. Ele começa falando do triunfo eleitoral de Fernando Henrique Cardoso nos anos 90.
“Quando a gente pensa na Nova República, a primeira coisa a se analisar é o cenário das reeleições. Primeiramente, a Constituição de 1988 nem previa a reeleição, e é no governo de Fernando Henrique Cardoso é que se pensa numa Emenda Constitucional que permita a reeleição de prefeitos, governadores e do presidente.
Aí é válido lembrar que o governo de FHC contava com um grande apoio popular porque veio após a chamada “década perdida” dos anos 80, dos governos militares e dos planos econômicos que entregaram uma economia completamente destruída na redemocratização, com uma inflação que chegava a mais de 1000% ao ano, sem falar das tentativas frustradas do Plano Bresser, Plano Verão, Plano Cruzado, Plano Collor, enfim.
É no governo Itamar Franco, com o Plano Real, que chega a estabilidade monetária e, por consequência, uma estabilidade econômica. Isso naturalmente deu um grande prestígio ao ministro da Economia da época, que era o FHC.
Isso foi fundamental para que grandes parcelas da população tivesse uma melhora na vida financeira, ainda que o mapa da fome fosse muito grande e a linha da fome fosse muito alta.
Aí nós lembramos que o FHC vence a eleição de 1998 em 1° turno, não vai a debates. No entanto, assim que assume o segundo mandato ele flexibiliza o câmbio, lembrado que o real era paritário com o dólar, e então isso acarretou em vários problemas”, relembrou Cesar.
No caso de Lula, em 2006, um grande capital eleitoral, explica o historiador, foi conseguido em pouco tempo, fazendo com que o petista inclusive se reelegesse com facilidade mesmo enfrentando o escândalo midiático do Mensalão.
“No caso da reeleição de Lula, em 2006, seu governo apresentava forte conquistas econômicas, recorde de emprego e ações sociais muito fortes.
O adversário foi aquele que provavelmente será agora seu companheiro Geraldo Alckmin, que bateu forte no discurso de denúncia da corrupção por conta do Mensalão.
E esse não foi um escândalo pequeno e foi uma ação penal televisionada, só que não foi o suficiente para tirar a vitória de um presidente que acabou sendo reeleito”, esclareceu o professor universitário.
A gestão de oito anos do ex-presidente petista trouxe tantos resultados que eleger Dilma Rousseff, de acordo com Cesar, não foi um grande sacrifício. No entanto, a perda de alguns indicadores extraordinários da economia e a crise política potencializada pela direita não permitiram que as coisas terminassem bem e a primeira mulher a chefiar o Estado brasileiro acabou sofrendo um golpe parlamentar.
“No segundo mandato de Lula houve um grande crescimento econômico, muito grande. E por que enfatizar a questão econômica nesse tema da eleição. Porque a economia tem grande peso nas decisões do eleitor brasileiro.
Nós temos pouca tolerância com altos graus inflacionários, porque muita gente cresceu e viveu no período da hiperinflação e há uma lembrança muito viva disso.
Essa inflação nos tira o poder de compra, você já não consegue mais comprar o que comprava antes. Aí surgem os gastos maiores com combustíveis, você não pode mais comer uma carne de maior qualidade, e isso afeta demais a vida cotidiana e por consequência afeta a avalição que as pessoas fazem do governo.
E naquele momento, do segundo governo Lula, atinge-se um auge desses indicadores positivos e então se elege a presidente Dilma Rousseff, e com certa tranquilidade.
Quando Dilma é reeleita, ninguém pode esquecer que o desemprego era inferior a 5%. Havia um momento de políticas sociais a todo vapor, com Prouni, a classe C passou a ter poder de compra, o que aqueceu o mercado imobiliário e o mercado automobilístico, e todos os mercados de consumo direto.
Claro que no segundo mandato de Dilma muitas dessas conquistas começaram a pesar, mas a crise política impediu que surgissem soluções para esses problemas. A somatória do início de uma crise econômica com a crise política fez com que a crise econômica se agravasse muito”, contextualizou.
Já no caso de Bolsonaro, Cesar entende que o Auxílio Brasil até pode dar algum resultado, mas as condições econômicas deploráveis do país neste momento devem impedir que o radical de extrema-direita colha um grande volume de apoio.
“O presidente Jair Bolsonaro, embora tenha oscilado para cima um pouco, com base, creio eu em algumas pessoas que acreditavam numa terceira via, mas que de forma alguma votariam em Lula e aí já declaram voto em Bolsonaro, e claro também por causa do Auxílio Brasil.
Mas é importante deixar claro que não há uma perspectiva de melhora econômica substancial, infelizmente, no dia a dia das pessoas, com inflação controlada, com diminuição do preço dos combustíveis.
Essa impossibilidade de reaquecimento econômico neste ano de 2022 certamente será um ponto nevrálgico na eleição", falou o historiador.
Ainda assim, no entendimento do estudioso da História, não se deve subestimar a capacidade eleitoral de Jair Bolsonaro, o que inclusive foi determinante para seu triunfo há pouco mais de três anos.
“Óbvio que não devemos cometer o mesmo erro de 2018 e menosprezar a capacidade eleitoral de Jair Bolsonaro. Ninguém deve ignorar o que é governo, nem desprezar uma visão crítica desse governo, mas também não é possível ignorar que, historicamente, outras outros governantes que estiveram no poder, inclusive utilizando a máquina pública, venceram.
Não dá pra dizer que Bolsonaro não será muito competitivo na eleição, ninguém deve considerar que ele já está derrotado.
Mas também é necessário manter em vista que no histórico das reeleições o cenário econômico, que o andamento da economia, é fundamental para a classificação por parte do eleitorado como um governo bom ou ruim.
Da mesma forma, é preciso lembrar que o Auxílio Emergencial, que não foi um projeto gestado por muito tempo e pensado como algo de longo prazo, como foi o Bolsa Família, premiado mundialmente, ele foi algo feito às pressas, de forma atabalhoada, como tudo nesse governo, e pode não ser o suficiente para garantir o triunfo de Bolsonaro”, concluiu Cesar.
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