Charge: Duke |
Que o Estadão tem ideia fixa em relação a Lula, não se discute. É uma convicção tão arraigada quanto seu respeito pela Revolução Constitucionalista.
Prova dessa fixação é a chamada da pesquisa eleitoral da Confederação Nacional dos Transportes.
A pesquisa permitiria inúmeras chamadas, tipo:
1. Lula mantém a liderança no 1º e 2º turno.
2. Bolsonaro se recupera levemente.
3. Ciro Gomes passa Sérgio Moro.
4. 65% dos eleitores não votariam em Doria em nenhuma hipótese.
Qual a chamada escolhida?:
“Bolsonaro tem 40% contra 30% de Lula entre os evangélicos”
Daí, nenhuma surpresa o editorial principal de hoje:
“O mito do grande articulador”, com o intertítulo “Lula se apresenta como exímio negociador, mas evidências mostram que a governabilidade lulopetista foi altamente custosa e pouco efetiva”.
O editorial se baseia em artigo de ontem, de Carlos Pereira, tendo por base estudos dele, de Marcus Mello e Frederico Bertholini, militantes midiáticos do antilulismo.
O tema é interessantíssimo.
Desde que Fernando Henrique Cardoso desenvolveu o chamado “presidencialismo de coalisão”, faltam estudos isentos analisando seu custo.
Está certo que um artigo de jornal não tem a abrangência da tese completa.
Mas espera-se que sintetize os pontos centrais da tese, ainda mais se são do mesmo autor.
No primeiro parágrafo, percebe-se a métrica utilizada:
“Trata-se de uma falácia, por dois motivos: primeiro porque Lula não tem agora, como não teve no passado, grandes reformas a propor – ao contrário, ele já avisou que não as promoverá. Depois, porque os dados desmentem o mito do grande articulador”.
Ou seja, bom administrador é o que cede ao mito das “reformas”.
No governo Lula surgiram o Prouni, a expansão os institutos federais, as políticas de financiamento dos pequenos produtores, regras para preferências às Pequenas e Micro Empresas nas compras públicas, as obras de água para o Nordeste, o programa Luz para Todos, uma soma de políticas que, pela primeira vez, reduziu as desigualdades e tirou o Brasil do Mapa da Fome.
Além de dar passos relevantes para tratar a previdência dos funcionários públicos.
Mas os autores sentenciaram que Lula não tinha grandes reformas a propor – e não se fala mais nisso, para não comprometer o argumento central ao artigo. É o velho estratagema do “suponhamos”.
“Suponhamos que” qualquer coisa e, em cima disso, formulamos teses que só cabem na formulação que criamos.
A segunda métrica define que a efetividade das gestões presidenciais depende de:
- congruência ideológica;
- grau de poder;
- recursos compartilhados com aliados.
Em cima desses critérios, o trabalho chega a resultados fantásticos.
Compara gastos orçamentários e execução de emendas parlamentares entre FHC e Lula, sem considerar o estado da economia nos dois períodos: com FHC, uma média de crescimento do PIB claramente inferior ao período Lula.
Há uma regrinha simples: em circunstâncias normais mais dinheiro no orçamento permite mais emendas, e vice-versa.
Outra métrica é o cálculo dos destinatários dos recursos. Segundo o trabalho, FHC destinou 70% dos recursos aos aliados e Lula apenas 30%.
Se a destinação dos recursos é custo de governabilidade e FHC gastou, em termos percentuais, mais que o dobro de Lula, como tratar a coalizão de Lula como mais custosa?
Outra conclusão fantástica foi a de que a coalizão de Lula foi “mais distante das preferências do Congresso” do que, por exemplo, as de Michel Temer. Ora, há um conflito permanente entre as preferências do Congresso e do Executivo.
Quanto mais fraco o Executivo, mais concessões serão feitas ao Congresso.
Pelo critério dos ilustres pesquisadores, o presidente que mais se aproximou das preferências do Congresso foi Bolsonaro, que terceirizou o orçamento, deu tudo o que o Congresso exigiu.
Ora, pode-se criticar Lula por não se aproximar das preferências do Congresso. Mas, raios!, a medida de eficiência das coalizões é a capacidade do governo de preservar as decisões sobre os gastos orçamentários – e não o contrário.
FHC ceder às preferências do Congresso, Temer ser o próprio Congresso no poder, Bolsonaro terceirizar a execução do orçamento, são sinais de fraqueza da coalizão. No entanto, os prezados pesquisadores apresentam como sinal de sucesso.
Libertar-se do paroquialismo das demandas do Congresso, para impor seu próprio programa; gastar apenas 30% das emendas com aliados é, pela métrica inacreditável dos cientistas, sinal de ineficiência política.
É importante a crítica ao presidencialismo de coalizão, a crítica correta a Lula, Dilma, assim como a FHC e Temer.
Mas espera-se um mínimo de racionalidade e de honestidade intelectual.
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