Charge: Gilmar |
Se a federação de partidos for tomada apenas como uma solução para salvar as pequenas legendas das cláusulas de barreira – que tiram a representação parlamentar daquelas que não obtiverem o mínimo exigido de votos nas próximas eleições para a Câmara dos Deputados – então é preciso pesar as suas inconveniências.
As obrigações decorrentes deste acordo fogem aos padrões das coalizões políticas tradicionais, onde os partidos que integram uma aliança eleitoral têm toda liberdade para trilhar o caminho que for, passada a eleição.
Segundo a nova lei, as forças políticas que formarem uma federação para disputar as eleições proporcionais devem permanecer unidas pelos quatro anos seguintes.
Estarão submetidas a um programa definido antes da disputa eleitoral, e poderão, por meio de regras pactuadas previamente, definir posições políticas que, votadas internamente, obrigam a obediência de todos seus integrantes.
Mas essas eleições presidenciais, para a democracia em geral, e para as esquerdas em particular, envolvem coisas muito mais complexas do que a liberdade para fazer ou desfazer coalizões partidárias.
A tarefa de uma federação no campo progressista e democrático é muito maior do que a conveniência de cada partido que a integre.
Trata-se, primeiro, de garantir as eleições livres e democráticas – e nelas eleger um candidato que se oponha ao regime fascista e militar do capitão da reserva Jair Bolsonaro, e que tenha condições políticas para liderar a reconstrução da democracia brasileira.
Em segundo, garantir que a vitória seja expressiva a ponto de não deixar a menor dúvida de sua posição majoritária na sociedade, e desarmar a bomba que os militares armam de forma explícita, à luz do dia, para desestabilizar o candidato que ainda será eleito questionando a lisura de um pleito que sequer ocorreu.
Em terceiro, ter uma bancada sólida para desarmar o grupo parlamentar que tornou o Congresso o seu balcão de negócios e mostrou ter um poder enorme de chantagem e de desestabilização das instituições.
Em quarto, tornar a bancada progressista relevante.
Os setores de esquerda precisam ter força própria e incontestável para defender os interesses da população carente e destituída de direitos, que assumiu proporções inacreditáveis nesses seis anos posteriores ao golpe de 2016 contra a presidenta Dilma. Esta é uma tarefa urgente – e se as esquerdas não fizerem isso, quem fará?
Além dessas tarefas institucionais, uma federação de esquerda pode ser obrigada a exercer uma função paralela mais importante ainda do que esta: dar organicidade às forças progressistas.
Atuar, em conjunto, como um único partido político.
Hoje Lula exerce uma liderança inconteste sobre o eleitor oposicionista e sobre os movimentos populares que ficaram órfãos depois do golpe de Michel Temer contra Dilma.
Em torno de sua figura certamente serão forjados consensos, mas essas negociações serão fluidas se não forem mediadas por um partido político.
É essa mediação que dará organicidade às bandeiras, às reivindicações e às forças políticas progressistas.
Para conseguir isso, todavia, a federação deve primeiramente se constituir organicamente, ela própria, em torno de uma tarefa histórica: dar sentido à luta oposicionista contra o fascismo e contra os retrocessos na área social e econômica.
Por que uma federação?
Porque nenhum dos partidos envolvidos hoje na discussão de uma frente progressista pode assumir sozinho essa tarefa.
Um trabalho persistente da Justiça e da mídia tradicional desde 2005 contra o PT e sua imagem e as dificuldades de organização dos partidos de esquerda menores não tornam estas legendas, isoladamente, catalisadoras dos sentimentos deste Brasil profundo que passou (e passa) pelo maior trauma pessoal e coletivo das últimas décadas: o empobrecimento, a fome, o cerceamento político e a deterioração de suas expectativas com a política e com país.
A simples junção deles numa federação, todavia, não consegue automaticamente os tornar mobilizadores ou mesmo representantes da imensa maioria brasileira que se opõe ao governo fascista de Bolsonaro.
Esta coalizão vai obrigatoriamente desembocar nas eleições, mas antes disso tem que assumir para si a tarefa de dialogar com a população, com os movimentos populares que mantém uma proximidade maior com esses atores políticos hoje dispersos nas ruas, sem lar, sem emprego e sem esperança.
Hoje a maioria deles pensa num único líder, Lula, como solução salvadora. Serão frustrados se o grande incômodo social provocado pelo fascismo, o desalento coletivo, não se transformar num projeto político organizado, numa meta, numa ideologia. Dada a fragilidade do quadro partidário brasileiro – partidos progressistas incluídos – a federação pode assumir este papel.
Juntos, esses partidos podem fazer uma bancada mais significativa do que em separado, porque em federação não serão desprezados os votos obtidos pelas legendas que não conseguirem cumprir as cláusulas de barreira.
Juntos com Lula, poderão capitalizar os eleitores mais identificados ideologicamente com o candidato a presidente, que também estará coligado com partidos de centro.
Numa base parlamentar que vai reunir um amplo espectro político, os partidos de esquerda só terão algum peso com uma forte representação parlamentar – caso contrário, as suas bandeiras se diluirão no mar de dissensos entre uma futura base parlamentar de Lula.
Mais do que isso, sem se definirem como uma unidade das forças progressistas terão muita dificuldade de diálogo com a sociedade civil e de se tornarem parte legítima na negociação de um novo pacto social, caminho obrigatório depois de seis anos de destruição do país pelo projeto de poder de extrema-direita.
O país terá que ser reconstruído. O papel dos setores progressistas – que podem atuar sob a liderança de uma federação, se esta se importar mais com o projeto político que deve ser comum aos partidos de esquerda do que com problemas paroquiais – é fazer com que, na reconstrução, o Brasil se aproxime de novo do que era no pós-Constituinte de 1988.
Recomeçar de onde a Nação brasileira partiu, depois de 21 anos de ditadura militar.
* Maria Inês Nassif é jornalista e cientista política.
As obrigações decorrentes deste acordo fogem aos padrões das coalizões políticas tradicionais, onde os partidos que integram uma aliança eleitoral têm toda liberdade para trilhar o caminho que for, passada a eleição.
Segundo a nova lei, as forças políticas que formarem uma federação para disputar as eleições proporcionais devem permanecer unidas pelos quatro anos seguintes.
Estarão submetidas a um programa definido antes da disputa eleitoral, e poderão, por meio de regras pactuadas previamente, definir posições políticas que, votadas internamente, obrigam a obediência de todos seus integrantes.
Mas essas eleições presidenciais, para a democracia em geral, e para as esquerdas em particular, envolvem coisas muito mais complexas do que a liberdade para fazer ou desfazer coalizões partidárias.
A tarefa de uma federação no campo progressista e democrático é muito maior do que a conveniência de cada partido que a integre.
Trata-se, primeiro, de garantir as eleições livres e democráticas – e nelas eleger um candidato que se oponha ao regime fascista e militar do capitão da reserva Jair Bolsonaro, e que tenha condições políticas para liderar a reconstrução da democracia brasileira.
Em segundo, garantir que a vitória seja expressiva a ponto de não deixar a menor dúvida de sua posição majoritária na sociedade, e desarmar a bomba que os militares armam de forma explícita, à luz do dia, para desestabilizar o candidato que ainda será eleito questionando a lisura de um pleito que sequer ocorreu.
Em terceiro, ter uma bancada sólida para desarmar o grupo parlamentar que tornou o Congresso o seu balcão de negócios e mostrou ter um poder enorme de chantagem e de desestabilização das instituições.
Em quarto, tornar a bancada progressista relevante.
Os setores de esquerda precisam ter força própria e incontestável para defender os interesses da população carente e destituída de direitos, que assumiu proporções inacreditáveis nesses seis anos posteriores ao golpe de 2016 contra a presidenta Dilma. Esta é uma tarefa urgente – e se as esquerdas não fizerem isso, quem fará?
Além dessas tarefas institucionais, uma federação de esquerda pode ser obrigada a exercer uma função paralela mais importante ainda do que esta: dar organicidade às forças progressistas.
Atuar, em conjunto, como um único partido político.
Hoje Lula exerce uma liderança inconteste sobre o eleitor oposicionista e sobre os movimentos populares que ficaram órfãos depois do golpe de Michel Temer contra Dilma.
Em torno de sua figura certamente serão forjados consensos, mas essas negociações serão fluidas se não forem mediadas por um partido político.
É essa mediação que dará organicidade às bandeiras, às reivindicações e às forças políticas progressistas.
Para conseguir isso, todavia, a federação deve primeiramente se constituir organicamente, ela própria, em torno de uma tarefa histórica: dar sentido à luta oposicionista contra o fascismo e contra os retrocessos na área social e econômica.
Por que uma federação?
Porque nenhum dos partidos envolvidos hoje na discussão de uma frente progressista pode assumir sozinho essa tarefa.
Um trabalho persistente da Justiça e da mídia tradicional desde 2005 contra o PT e sua imagem e as dificuldades de organização dos partidos de esquerda menores não tornam estas legendas, isoladamente, catalisadoras dos sentimentos deste Brasil profundo que passou (e passa) pelo maior trauma pessoal e coletivo das últimas décadas: o empobrecimento, a fome, o cerceamento político e a deterioração de suas expectativas com a política e com país.
A simples junção deles numa federação, todavia, não consegue automaticamente os tornar mobilizadores ou mesmo representantes da imensa maioria brasileira que se opõe ao governo fascista de Bolsonaro.
Esta coalizão vai obrigatoriamente desembocar nas eleições, mas antes disso tem que assumir para si a tarefa de dialogar com a população, com os movimentos populares que mantém uma proximidade maior com esses atores políticos hoje dispersos nas ruas, sem lar, sem emprego e sem esperança.
Hoje a maioria deles pensa num único líder, Lula, como solução salvadora. Serão frustrados se o grande incômodo social provocado pelo fascismo, o desalento coletivo, não se transformar num projeto político organizado, numa meta, numa ideologia. Dada a fragilidade do quadro partidário brasileiro – partidos progressistas incluídos – a federação pode assumir este papel.
Juntos, esses partidos podem fazer uma bancada mais significativa do que em separado, porque em federação não serão desprezados os votos obtidos pelas legendas que não conseguirem cumprir as cláusulas de barreira.
Juntos com Lula, poderão capitalizar os eleitores mais identificados ideologicamente com o candidato a presidente, que também estará coligado com partidos de centro.
Numa base parlamentar que vai reunir um amplo espectro político, os partidos de esquerda só terão algum peso com uma forte representação parlamentar – caso contrário, as suas bandeiras se diluirão no mar de dissensos entre uma futura base parlamentar de Lula.
Mais do que isso, sem se definirem como uma unidade das forças progressistas terão muita dificuldade de diálogo com a sociedade civil e de se tornarem parte legítima na negociação de um novo pacto social, caminho obrigatório depois de seis anos de destruição do país pelo projeto de poder de extrema-direita.
O país terá que ser reconstruído. O papel dos setores progressistas – que podem atuar sob a liderança de uma federação, se esta se importar mais com o projeto político que deve ser comum aos partidos de esquerda do que com problemas paroquiais – é fazer com que, na reconstrução, o Brasil se aproxime de novo do que era no pós-Constituinte de 1988.
Recomeçar de onde a Nação brasileira partiu, depois de 21 anos de ditadura militar.
* Maria Inês Nassif é jornalista e cientista política.
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