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Não é de hoje que se questiona a mídia corporativa hegemônica por, na prática, atuar quase que como um partido político em defesa dos interesses do capital financeiro e do grande capital em geral.
A partir da década de 1970, com o avanço dos ideais do neoliberalismo por todo o planeta capitalizado, este papel político dos meios de comunicação passou a ter conotações mais nítidas, alcançando seu ponto mais elevado nestes primeiros anos do século atual.
No entanto, neste caso, de modo semelhante ao que costuma ocorrer com todo e qualquer mecanismo de dominação social, com o passar do tempo e com o desenrolar dos embates, as forças sociais que mais sofriam os efeitos negativos da dominação midiática foram aprendendo a encontrar meios para superar e neutralizar as dificuldades comunicacionais a que estavam submetidas.
Em nosso país, um claro indicador de que a mídia corporativa não estava em condições de continuar exercendo com eficácia a função de baluarte da defesa dos interesses centrais do grande capital foram as quatro vitórias presidenciais consecutivas do PT em associação com outras forças não subordinadas por completo às diretrizes do complexo midiático.
Porém, depois de terem sofrido um golpe acachapante ao não conseguirem emplacar seu candidato José Serra na disputa com a petista Dilma Rousseff, as classes dominantes brasileiras souberam extrair de sua derrota algumas lições importantes e decidiram investir pesado no desenvolvimento de novas tecnologias comunicacionais para garantir que sua hegemonia ideológica não se esfumasse.
Lamentavelmente, o campo popular foi surpreendido muito antes do que imaginava ser por ameaças de tipo novo. E foi assim que, em curtíssimo espaço de tempo, a luta de classes no campo ideológico passou a ser travada com grande intensidade por meio das redes sociais digitais. Em vista disto, em razão de nosso insuficiente domínio destas novas tecnologias, estamos encontrando mais dificuldade no trabalho de comunicação do que quando tínhamos de enfrentar o poderio dos grupos midiáticos que detinham amplo controle do rádio, da televisão e dos meios gráficos. Nos dias de hoje, as classes dominantes estão nos causando sérios danos através de poderosos instrumentos que nos eram quase que desconhecidos até bem pouco tempo atrás. Agora, os mais devastadores golpes que nos são assestados são desfechados através de plataformas digitais, como Whatsapp, Facebook, Twitter (agora X), Instagram, Youtube, TikTok, etc.
Num primeiro momento, chegamos a acreditar que as inovações tecnológicas desarticulariam a coluna vertebral da mídia corporativa e nos habilitaria para lançar a pá de cal sobre os conglomerados midiáticos que atuavam como os verdadeiros partidos políticos do grande capital. A maré parecia ter virado de vez em favor do campo popular. Com as novas tecnologias via internet, já não nos seria necessário dispor de vultosos capitais para produzir e divulgar nossas mensagens. Nos empolgava a crença de que qualquer um de posse de um simples computador ou celular estaria apto a levar sua visão de mundo ao conjunto da sociedade. A despeito das aspirações dos grandes grupos econômicos, as redes sociais tinham chegado para democratizar as comunicações.
Mas, não demorou muito para que nos déssemos conta de que estávamos tomados por infundadas ilusões acerca do funcionamento das redes digitais. Na verdade, embora cada um de nós tivesse agora condições de produzir suas próprias mensagens e colocá-las à disposição de todos, em qualquer lugar do planeta, nos inteiramos na prática que o paradigma de funcionamento da comunicação via redes era diferente daquilo a que estávamos habituados.
O esquema atual não é mais centrado nas tradicionais técnicas de mercado. Se até pouco, os vendedores de uma mercadoria se esforçavam para tornar as qualidades de seus produtos conhecidas por todos e, com isso, atrair sua atenção e desejo, no presente, as redes digitais se empenham muito mais em conhecer todas as qualidades e os defeitos dos consumidores potenciais para, a partir de tal conhecimento, oferecer a cada um aquilo que os controladores das redes já sabem que faz parte do interesse e dos desejos do público.
No que diz respeito ao campo comunicacional, já não são as pessoas que saem em busca das mensagens, e sim as mensagens que vão à procura de seus receptores.
Revisando a evolução da comunicação política dos últimos anos no Brasil, observamos que antes das eleições de 2010 o Whatsapp ainda não era um aplicativo de uso tão massificado como passou a ser nos anos seguintes. O mesmo poderia ser dito de outros aplicativos, Twitter (X), Youtube, TikTok, etc. No entanto, hoje, por toda a extensão de nosso país, o número de usuários das redes digitais é gigantesco, mesmo entre gente de condições socioeconômicas humildes.
Muitos artigos vem sendo escritos a respeito da manipulação que a direita (em especial, a extrema-direita) vem fazendo por meio das plataformas de redes digitais em várias partes do mundo. Entre tais escritos, estão aqueles que abordam as movimentações políticas que salpicaram pelo Oriente Médio, pela Europa Oriental, na Europa Ocidental (com destaque para o Brexit) e, até mesmo, nos Estados Unidos, com a eleição de Donald Trump.
Contudo, o processo que culminou com a eleição de Jair Bolsonaro como presidente do Brasil poderia servir como modelo paradigmático da capacidade que as redes sociais digitais têm para interferir nos sentimentos e instintos de imensas massas humanas ao ponto de levá-las a escolher para assumir o cargo dirigente mais importante da nação uma pessoa cujo programa de governo a maior parte de seus eleitores não tem sequer ideia do que seja.
E, para provar que a manipulação das redes não tinha atingido seu ápice com a vitória eleitoral de um verdadeiro energúmeno para a presidência do Brasil em 2018, basta analisar como se deu a recente eleição de Javier Milei no pleito presidencial na Argentina.
Em razão do que acabamos de mencionar, sérias críticas vêm sendo feitas à esquerda por sua passividade no que toca ao trabalho de comunicação nas redes digitais. Essa passividade teria permitido que a direita levasse vantagem ao sair na frente no domínio dessas novas tecnologias. Para os formuladores de tais críticas, enquanto as forças direitistas estavam navegando sozinhas na crista das novas ondas digitais, a esquerda se aferrava à prática do jornalismo tradicional, acreditando que por meio de artigos e análises em seus escassos meios impressos e seus vários blogs na internet poderia obter resultados semelhantes aos que havia conquistado ao se contrapor à prática da mídia corporativa pouco tempo antes.
Sem dúvidas, é sempre muito valioso tecer críticas e reflexões sobre novos fenômenos sociais. Mas, precisamos deixar evidente que as forças do campo popular jamais poderiam ter saído à frente no domínio e uso das novas tecnologias. No sistema capitalista, são as classes que detêm a posse dos meios de produção as que têm condições de dar os passos iniciais nos processos de mudanças. Isto é especialmente válido quando as inovações envolvem recursos de enorme magnitude.
O ponto determinante no caso das novas tecnologias de redes sociais digitais é a capacidade de manter o controle sobre os fatores que dão às plataformas de rede o poder que elas detêm no momento. E esses fatores estão indissoluvelmente associados ao que conhecemos como ALGORITMOS.
São esses tais algoritmos que atribuem a seus possuidores uma capacidade de atuação equivalente a do deus onipotente da mitologia judaico-cristã. Ou seja, aquele que tem acesso aos algoritmos sabe tudo sobre a vida de todos, sem que se saiba nada sobre si. Em outras palavras, quem controla os ditos cujos sabe o que cada um de todos os mortais sente, gosta, desgosta, ama, odeia, etc.
Mas, se os expoentes mais conhecidos da extrema direita são notórios imbecis, reconhecidamente pouco dotados em termos intelectuais, como podem eles fazer uso tão proveitoso desses algoritmos, e o campo popular não?
É certo, os bolsonaristas e assemelhados são quase sempre completos imbecis. Mas, seria um grande equívoco acreditar que são essas verdadeiras bestas humanas os principais responsáveis pela eficaz utilização das tecnologias digitais. O que não deveríamos nos esquecer é que os donos das plataformas que exercem controle sobre os algoritmos são os poucos grupos capitalistas gigantescos que monopolizam as redes digitais no mundo inteiro. É evidente que os interesses dos donos dessas plataformas estão longe de se identificar com os do campo popular. No entanto, para eles, os bolsonaristas, mileisistas e similares serão sempre vistos como leais serviçais com os quais se podem contar.
A resposta sobre como superar o problema que o domínio dos algoritmos nos coloca ainda não foi encontrada. No entanto, estou convencido de que é a solução para este problema o que vai definir, em boa medida, a evolução da luta dos trabalhadores contra o grande capital nos anos vindouros.
* Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
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