Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil |
O 8 de janeiro de 2023 ainda é um desatino a ser melhor compreendido a partir do conjunto de protagonistas, coadjuvantes e figurantes, considerando-se os falsamente ocultos, os visíveis e os que se consideram disfarçados ou dissimulados.
O governo faz bem em se precaver, diante da proximidade da data, mas é improvável que grupos se organizem para comemorar a invasão e fazer provocações, mesmo em aglomerações do zap.
Não há como se repetir um 8 de janeiro, porque não há como juntar tantas coisas improváveis. Começando pelo número, e não só pelo perfil dos participantes.
A massa golpista que circulou por Brasília naquele dia foi calculada, na maioria das estimativas, em algo ao redor de 4 mil pessoas.
Os acampamentos pós-eleição, no entorno da delegacia da Capitania dos Portos, na catarinense Itajaí, chegaram a reunir 5 mil golpistas, pelo menos mil a mais do que o número de invasores de Brasília.
Os 4 mil desembarcados na capital não inspiraram moradores de Brasília e do entorno a participar das invasões. A região metropolitana tem mais de 4,8 milhões de habitantes.
No núcleo político de cidades com esse monte de gente, apareceram 4 mil desatinados levados para a invasão no dia do desatino ou que já estavam ali acampados.
O 8 de janeiro não teve agregados atraídos pela movimentação, a partir do momento em que simpatizantes do golpe perceberam pela TV que era possível invadir e quebrar tudo, no Congresso, no Supremo e no Planalto.
Não houve contenção imediata e tampouco repressão violenta, mas ninguém mais apareceu, além dos que estavam programados para invadir.
O 8 de janeiro desfez parte da crença de que ações coletivas agressivas ou pacíficas, acionadas por uma faísca, provocam sempre reações de manada e atraem quem estiver por perto, para gritar ou atirar pedra. A manada ficou nos 4 mil.
O distanciamento no tempo pode ajudar nas tentativas de compreensão do que aconteceu. O que mais sabe que é que não havia um líder, uma voz de comando, alguém com força para ordenar: vamos invadir e golpear.
Ninguém sabia dizer, por serem quase anônimos, quem eram os que convocavam para a invasão por vídeos nas redes sociais. Eram influencers de acampamentos.
Mas muitos deles foram presos, a maioria dorme com tornozeleira e alguns já foram condenados. A parte visível do 8 de janeiro só teve figurantes.
Não foram vistos líderes ali na cena do que deveria ser um golpe, como Trump foi visto pouco antes da invasão do Capitólio. Não porque eles não existissem, mas porque assim deveria ser feito.
Eles apenas incitaram a turba, para provocar efeitos imprevisíveis, a partir do esperado acionamento da tal GLO (garantia da lei e da ordem), que provocasse uma intervenção militar. E a partir daí tudo aconteceria em nome do imponderável.
Não havia líderes porque o principal, o cabeça, o que seria o chefe, fugiu para os Estados Unidos. Um instrumentador, o homem da minuta do golpe, que deveria cuidar da segurança de Brasília, o acompanhou.
E os outros, que empurraram a manezada para a invasão, recolheram-se em suas tocas. Os figurantes, e só eles, caíram na armadilha do que não poderia dar certo.
Dos personagens do 8 de janeiro, sabemos quem são os ainda aparentemente ‘ocultos’, mas que todo mundo enxerga. Conhecemos os idealizadores e macroplanejadores, que fugiram na hora da execução.
E os coadjuvantes e figurantes que se misturaram e se confundiram na insignificância. Eles são os presos, indiciados e condenados, ao lado de financiadores do varejo, pagadores de lanches e ônibus, também sem importância política.
O golpe tabajara de 8 de janeiro, que foi pensado como golpe, e não só como uma depredação, nos oferece algo raro e talvez inédito em situações semelhantes.
A manezada foi alcançada e condenada também como golpista, e os manezões ainda estão fora do alcance de quem deve conduzir investigações, acusações, julgamentos, condenações e reparações.
Ao contrário do que acontece em levantes frustrados da política, os subalternos já foram condenados como criminosos e os líderes criminosos estão soltos.
É o que resta do 8 de janeiro como farsa política: a certeza de que aquilo nunca chegaria a ser um golpe, porque os que deveriam ser os líderes golpistas eram covardes. Os manés condenados sabem que foram vítimas dessa covardia.
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