Charge: Vitor Vanes |
(Para Oswald Barroso)
A ministra Luciana Santos e o ministro Camilo Santana suspenderão o financiamento de pesquisadores que estudem o golpe de 1964 e a ditadura que se seguiu?
A UNB será impedida de promover homenagem póstuma a Honestino Guimarães, assassinado pela ditadura?
O Ministério da Educação sustará reverências a Anísio Teixeira e Paulo Freire? Deixará de implementar políticas contrárias ao ensino cívico-militar propugnado pelos fascistas? Punirá professores que aludam ao golpe militar em sala de aula?
A ministra Marina Silva cancelará estudos ambientais que se refiram à devastação da Amazônia promovida pela Ditadura?
O ministro Sílvio Almeida coordenará o “esquecimento” do terrorismo de Estado praticado por mais de duas décadas?
A ministra Anielle Franco ignorará a homofobia e a misoginia praticada nos quartéis?
As homenagens aos golpistas serão suprimidas dos logradouros das cidades brasileiras?
O busto do golpista Castello Branco será retirado do hall da Escola de Comando e Estado Maior do Exército?
A orientação governamental para que os agentes públicos silenciem sobre o golpe de 1964 é esdrúxula e inexequível. Como entende-la?
Dissemina-se entre certos democratas a falsa ideia de que a contenção do intervencionismo político castrense deve ser operada pela Polícia Federal, Ministério Público e STF. O governo não teria nada a ver com isso. Lula teria agido corretamente ao interditar, no âmbito governamental, iniciativas relacionadas ao Golpe de 1964. Assim, apaziguaria “tensões” e governaria com tranquilidade.
Essa ideia destitui Lula da condição de Comandante Supremo das Forças Armadas, conforme definido pela Constituição. Cabe ao presidente definir as diretrizes para a organização, funcionamento e emprego do aparelho militar. Cumpre-lhe exigir que seus subordinados acatem a lei.
A orientação de Lula confere autonomia descabida às Forças Armadas. As corporações militares não podem ser entregues à sua própria vontade. Isso respaldaria a noção de que o militar constitui poder moderador, conforme o discurso fascista. Militar não é responsável, em última instância, pelos destinos do Brasil.
Não cabe ao Comandante Supremo negociar politicamente com os comandantes. Comandante comanda; político negocia com político.
A ideia de confronto entre o poder político e as Forças Armadas admite a insubordinação. Ao poder político cumpre exercer autoridade constitucional cobrando obediência e disciplina. A atuação do Judiciário não suprime a responsabilidade do Presidente.
É compreensível a atitude temerosa de Lula diante dos quartéis. Todos nós tememos o desconhecido e Lula, como a maioria dos brasileiros, desconhece o militar.
Lula parece não entender que o militar é um agente público educado para cumprir ordens. Se não as recebe, decidirá por conta própria o que fazer. Tramará em busca do comando político. Desavisado, Lula está estimulando a insubordinação da caserna.
É verdade que a Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário cercam os militares mais reconhecidos como atuantes na arena política. Mas trata-se de um cerco limitado: o conjunto das corporações têm responsabilidades na eleição de um promotor do descalabro. A punição de algumas dezenas de oficiais, mesmo de alta patente, será recado importante, mas insuficiente.
O Brasil precisa de novas diretrizes para a Defesa Nacional. Se bem definidas, essas diretrizes orientarão uma reforma do aparelho militar.
Não se trata de punir e, muito menos, promover desforra. Trata-se de preparar o Estado para exercer sua soberania em um mundo conflagrado. Neste mister, o Comandante Supremo é insubstituível.
O grito “sem anistia” exprime a vontade democrática. Mas há um enorme fosso entre essa vontade e a organização Forças Armadas missionadas para garantir a soberania nacional e democracia.
Quando Lula detiver conhecimento dos problemas da Defesa e dos assuntos militares, compreenderá que não tem direito de temer o soldado. Nem terá motivo para isso. Emitindo ordens claras, amadurecidas e justificadas, o soldado lhe obedecerá.
* Manuel Domingos Neto é doutor em História e autor de “O que fazer com o militar” (Editora Gabinete de Leitura).
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