sexta-feira, 21 de março de 2025

A guerra por procuração na Ucrânia

Charge: Ramsés/Cartoon Movement
Por Umberto Martins, no site da CTB:

O conceito de guerra por procuração é atribuído ao cientista político tcheco Karl W. Deutsch, que o teria usado pela primeira vez em 1964. Refere-se a conflitos armados em que uma grande potência ou mais usa território e forças de terceiros para lutar em seu lugar.

É um termo apropriado para descrever o confronto entre Rússia e Ucrânia. Esta verdade, que o governo de Joe Biden procurou negar e mascarar, transparece agora de forma cristalina com a determinação do governo Trump de negociar diretamente com Moscou, sem intermediários, o fim da guerra.

EUA X Rússia

Com isto, fica evidente que os protagonistas principais do conflito são os Estados Unidos e a Rússia, enquanto as potências europeias, escanteadas por Trump, são meras coadjuvantes e a Ucrânia fornece a bucha para o canhão, no caso os militares ucranianos, muitos deles recrutados à força e em geral condenados à deserção ou à morte no campo de batalha.

O comediante Volodymyr Zelensky, caracterizado como um ditador pelo chefe da Casa Branca, sempre se comportou como uma marionete vulgar do império, embora tenha sido elevado à condição de herói pela propaganda mistificadora do Pentágono, reproduzida ad nausean pela mídia pró-imperialista, hegemônica inclusive por aqui.

Zelensky foi esculhambado publicamente por Donald Trump, mas não teve coragem de reagir e de cara limpa continua curvado, numa obediência canina, à ditadura de Washington.

Imperialismo sem máscara

É preciso reconhecer que o atual presidente dos EUA retirou a máscara que a diplomacia estadunidense usava para disfarçar e falsear o caráter imperialista de suas recorrentes intervenções em terras alheias, propagando o cínico pretexto de defesa da democracia e dos direitos humanos. Chegaram ao ponto de falar em “bombardeios humanitários”.

Com Trump, o imperialismo mostra a verdadeira cara. Exerce a arrogância e o autoritarismo abertamente, como revelou a reunião com o desacreditado presidente da Ucrânia e o desprezo dedicado aos líderes europeus na negociação direta com Moscou sobre o destino da guerra.

Isso também transparece nas tratativas para se apropriar das riquezas minerais da Ucrânia (mirando especialmente as preciosas terras-raras), tema que em outros governos seria debatido sigilosamente e não iria do conhecimento do grande público. Trump não elude a intenção de extrair lucros do conflito.

Ao contrário dos seus antecessores, o atual presidente dos EUA já não finge agir em nome de valores humanos universais. Executa uma diplomacia fria, bruta e descarada, ancorada sem maiores disfarces nos propósitos imperialistas da maior potência capitalista do mundo.

É também sintomática desta nova realidade a proposta do líder republicano de administrar a usina nuclear de Zaporizhzhia, na Ucrânia, que foi ocupada e é reivindicada por Moscou desde os primeiros dias do conflito com Kiev, iniciado em 2022.

Crimes e atrocidades imperialistas

Ao menos as atrocidades e crimes do imperialismo não são mais encobertas com a retórica falaciosa sobre liberdade, democracia, direitos humanos e (quando convém) direito à autodeterminação das nações. Transparecem nos fatos e também nos discursos.

Em contraste com a retórica xenófoba e neonazista de Donald Trump e Companhia (cabendo aqui destacar o bilionário Elon Musk), o novo chefe da Casa Branca parece menos propenso às sanguinárias e criminosas aventuras bélicas que seus antecessores, seja Biden, que estimulou a russofobia e exacerbou a guerra por procuração na Ucrânia, ou Obama, que comandou a destruição da Líbia, aplaudiu o assassinato de Kadafi, bombardeou e fomentou a guerra civil na Síria.

Derrota da OTAN

Trump reconheceu que a guerra por procuração na Ucrânia tem por raiz precisamente a ambiciosa e ameaçadora expansão da OTAN pelo leste europeu após a destruição da União Soviética, em 1991.

Nada menos que 14 países da ex-URSS foram incorporados à sinistra aliança militar do Ocidente criada no contexto da guerra fria, que deveria ter sido extinta após o fim do Pacto de Varsóvia, criado pela União Soviética e os países socialistas do leste europeu em resposta à OTAN.

Também é fato que as “revoluções coloridas” que levaram a mudanças de regimes no leste europeu, incluindo o golpe de extrema direita na Ucrânia em 2014, contaram com a preciosa contribuição do Ocidente imperialista. A Rússia se sentiu cercada e reagiu confrontando Kiev, que na sequência foi armada até os dentes pelos EUA, que investiram cerca de US$ 300 bilhões em suposta “ajuda militar”, que na realidade pode custar as riquezas minerais do país.

Conforme sublinha a proposta de resolução política para debate do 6º Congresso da CTB, “o provável cessar-fogo no leste europeu, nas condições que estão sendo desenhadas, significará uma derrota da OTAN e da decadente Europa, cujos líderes radicalizaram a retórica contra Moscou e, demonstrando que não querem saber de paz, anunciaram um aumento substancial dos gastos militares, a pretexto de enfrentar a ´ameaça russa´. Um sinal de que a nefasta corrida armamentista será intensificada”.

A contrapartida do aumento dos gastos em defesa será um corte mais profundo das verbas, já escassas, destinadas ao financiamento do Estado de Bem Estar Social europeu, além do crescimento dos riscos da guerra nuclear. É de se esperar, neste sentido, o agravamento da crise e da polarização social e política, cujo resultado tem sido a ressurreição e ascensão da extrema direita no velho continente.

Nova ordem mundial

Apesar da promessa de “tornar os EUA grande novamente”, a diplomacia trumpista parece fadada a apressar o fim da ordem imperialista instituída na cidade estadunidense de Bretton Woods em 1944, no crepúsculo da 2ª Guerra Mundial.

A velha ordem do pós guerra, que teve seus 15 minutos de glória e se julgou eterna após a destruição da União Soviética, caducou com o declínio da liderança econômica dos EUA e do chamado Ocidente, a imponente industrialização da China e o inelutável deslocamento do poder econômico e, por extensão geopolítico, para o Oriente.

Mas, a conturbada transição em direção a uma nova ordem global, que tem caráter objetivo, está ainda longe de um desfecho e infelizmente não é prudente desprezar os riscos de que as contradições em movimento na história tenham por desdobramento uma guerra nuclear envolvendo as grandes potências.

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