Por Marcelo Zero, no site Brasil-247:
O Brasil exportou aos EUA cerca de 4,1 milhões de toneladas de aços em 2024. Foi superado apenas pelo Canadá, nesse aspecto.
Nossa produção responde por ao redor de 15% das importações desses produtos nos EUA. Em valores, foram US$ 3,5 bilhões (R$ 20,3 bilhões) em exportações, em 2024. Tal valor já havia apresentado redução de 26,6%, em relação a 2023, quando foram exportados US$ 4,8 bilhões (R$ 27,7 bilhões). Não é pouca coisa.
Em alumínio, o Brasil está em 15º lugar, nas importações estadunidenses. Contudo, cerca de 13% da nossa produção de alumínio são exportados para os EUA. De acordo com dados do Anuário da Associação Brasileira do Alumínio (Abal), em 2024, a indústria nacional exportou US$ 796 milhões (R$ 4,5 bilhões na atual cotação) para os EUA.
Segundo avaliação do Ipea, tais tarifas redundarão na contração de 11,27% nas nossas exportações.
Essas tarifas causarão, assim, prejuízos sensíveis. No Brasil e nos EUA. E são, além disso, totalmente injustificadas.
O Brasil é um dos poucos grandes países que não representam um “problema” comercial para os EUA.
Com efeito, o Brasil é uma das poucas economias que proporcionam superávit comercial para os EUA. O último déficit que os EUA tiveram com o Brasil foi em 2008 (US$ 938 milhões). De lá para cá, o Brasil só perde em sua relação comercial com os EUA. No ano passado, tivemos um déficit até bastante pequeno, cerca de US $ 300 milhões. Mas em 2022, por exemplo, o déficit brasileiro foi de quase US $ 14 bilhões.
Ademais, as exportações brasileiras de metais já estão submetidas, no mercado estadunidense, a cotas previamente negociadas no primeiro governo de Trump. Por exemplo, para aços semiacabados, a cota é de 3,5 milhões de toneladas e, para o produto acabado (aços longos, planos, inoxidáveis e tubos) é de 543 mil toneladas.
Ressalte-se que as alegações de Trump, de que o Brasil importa aço chinês para depois exportá-lo aos EUA, “driblando sua quota “, é inteiramente falsa.
Mesmo assim, Trump impõe, agora, tarifas claramente injustificadas contra o Brasil.
Em verdade, tudo o que Trump está fazendo em tarifas não tem qualquer base legal, ante as regras da OMC e de vários acordos de livre comércio que os EUA assinaram.
Note-se também que tais tarifas e a “guerra tarifária” já desencadeada por elas tendem a reduzir a atividade econômica e a aumentar a inflação, inclusive nos EUA, o que deverá levar a um aumento das taxas de juros do FED, com consequências negativas financeiras para a economia global.
Ademais, elas terão um efeito disruptivo nas cadeias produtivas internacionais e regionais.
Evidentemente, caberia retaliação legal, com base no princípio basilar da reciprocidade. Canadá, China e a UE já anunciaram suas respostas, com base nesse princípio. O Brasil, contudo, deverá insistir em negociações.
Não obstante, devemos observar que, caso o Brasil decida por retaliar, tal retaliação perante as regras da OMC, não precisa se concentrar no mesmo setor produtivo.
O Brasil poderia, nesse caso, utilizar a chamada a “retaliação cruzada”, ou seja, retaliar em outros setores econômicos, inclusive de serviços, mais sensíveis para os EUA, inclusive telecomunicações, informática, redes sociais, IA etc.
Foi isso o que aconteceu, por exemplo, no caso do algodão, entre Brasil e EUA. O Brasil, naquele caso, ameaçou retaliar em propriedade intelectual, especialmente em indústria farmacêutica. Os EUA cederam.
O problema principal reside, contudo, no fato evidente de que Trump e os EUA não dão mais a mínima para a OMC, ou para as instituições globais de um modo geral. Não respeitam sequer seus acordos regionais de comércio, como o USMCA (United States-Mexico-Canada Agreement), que substituiu o Nafta.
Infelizmente, agregue-se, a OMC tornou-se inoperante.
Em primeiro lugar, a OMC perdeu sua capacidade de negociar novos e amplos acordos. Só houve avanços pontuais dignos de nota nas conferências de Bali, em 2013 (Acordo de Facilitação de Comércio) e Nairóbi, em 2015 (proibição de subsídios à exportação de produtos agrícolas).
Porém, o mais negativo é que a OMC perdeu também a sua importante função de resolver contenciosos comerciais e manter as regras acordadas.
Com efeito, desde 2017 os EUA bloqueiam a seleção de membros do Órgão de Apelação (a segunda e definitiva instância recursal da OMC), que não pode mais receber casos, por não contar com o mínimo de três integrantes, o que paralisa a solução de contenciosos comerciais.
Desse modo, países demandados não podem recorrer de relatórios dos painéis (a primeira instância), como é de seu direito, o que, na prática, implica a suspensão indefinida do contencioso. É como se, no Brasil, todas as segundas e terceiras instâncias recursais ficassem subitamente paralisadas. Nenhuma questão jurídica se resolveria.
Os EUA bloquearam o sistema de solução de controvérsias na OMC porque estavam perdendo muitas causas, inclusive ante o Brasil, como no caso do algodão. Já previam que não era mais conveniente seguir as regras que eles mesmos haviam contribuído bastante para criar e impor aos demais países.
Isso veio muito a calhar, agora, com os interesses do MAGA, porque tudo o que Trump está fazendo na área comercial, com seus tarifaços “estúpidos” e “injustificados” (segundo o Wall Street Journal), poderia ser facilmente questionado na OMC, caso seu sistema de solução de controvérsias estivesse funcionando normalmente.
Com Trump, porém, o comércio mundial está se tornando um território sem regras.
Trump está criando, propositalmente, uma ordem mundial “hobbesiana”, centrada na força como a única regra, a ser imposta em disputas bilaterais.
A “reciprocidade” exigida por Trump parte de uma falsa equivalência. Segundo sua política, as tarifas de um país em desenvolvimento têm de ser iguais ou similares às tarifas dos EUA.
Ora, um país como o Brasil precisa de ter tarifas um pouco mais elevadas, enquanto um país como os EUA, que se tornaram desenvolvidos e industrializados há muito tempo, pode se dar ao luxo de ter tarifas médias mais baixas.
O Brasil, junto com o Mercosul, tem, por exemplo, tarifas médias de 13%. Os EUA, por outro lado, têm tarifas médias de 2%.
Na realidade, quanto menor for o nível de desenvolvimento de um país maiores tendem a ser suas tarifas médias, por motivos óbvios. São países mais frágeis, com economias menos competitivas, principalmente no que tange a produtos manufaturados de média e alta tecnologia e serviços avançados. Ou seja, bens e serviços de maior valor agregado, que dão maior lucro no comércio internacional.
No mapa a continuação pode-se visualizar facilmente essa correlação entre nível de desenvolvimento e tarifas.
Há de se destacar que, na Rodada Uruguai, na qual foi criada a OMC, essa organização internacional adotou o princípio fundamental do Tratamento Especial e Diferenciado (TED).
Esse é um dos princípios mais importantes da OMC, o qual busca a concessão, por parte dos países desenvolvidos, de condições mais favoráveis a países em desenvolvimento, visando integrar estes últimos ao sistema multilateral de comércio.
Há TED em quase todos os acordos firmados no âmbito da OMC, visando ampliar, para os países de menor nível relativo de desenvolvimento, suas oportunidades de comércio, salvaguardar seus interesses, conceder maior flexibilidade em relação às obrigações e prover assistência técnica, além de regras especiais a Países de Menor Desenvolvimento.
Nos acordos da Rodada Uruguai, os países em desenvolvimento puderam manter tarifas mais elevadas e dispor de um prazo maior para se adaptar às novas regras, entre outras vantagens. Os EUA aceitaram essas regras fundamentais para um maior equilíbrio comercial e econômico do planeta.
Enfim, esse princípio da OMC tratava os desiguais de forma diferenciada, de forma a intentar reduzir as assimetrias e as injustiças no comércio global.
Ora, a “reciprocidade linear” exigida por Trump acaba, na maior parte dos casos, com esse princípio tão importante do comércio global, ao igualar países desiguais.
A consequência principal da “morte da OMC”, declarada definitivamente por Trump, e dos seus princípios multilateralmente acordados será um protecionismo sem regras, que fortalecerá os mais fortes, principalmente os EUA, e enfraquecerá os mais fracos, ampliando as assimetrias internacionais.
Será como obrigar um lutador “peso pena” a lutar, nas mesmas condições e sob as mesmas regras, com um “peso pesado”.
As negociações bilaterais, ao contrário das negociações multilaterais e regionais, serão feitas, na maior parte dos casos, em condições muito desiguais, com a “faca no pescoço”.
Na OMC, os países em desenvolvimento, sob a liderança do Brasil, se organizavam para não serem atropelados pelos “grandes”.
Agora, isso acabou. Voltamos a uma barbárie unilateralista e brutal. Trump, em seu desvario protecionista, imprevisível é bárbaro, ameaça jogar os EUA e o mundo numa nova recessão.
Trump precisa ser enfrentado por uma concertação internacional.
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