sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O colapso da "terceira via" neoliberal

Reproduzo artigo do professor José Luís Fiori, publicado no sítio Carta Maior:

Foi no dia 5 de fevereiro de 1998 que o ex-primeiro-ministro inglês, Tony Blair, anunciou, em Washington, junto com o presidente Bill Clinton, a decisão de convocar uma reunião internacional para discutir e atualizar a social-democracia, criando um movimento que foi chamado de "terceira via" ou “governança progressiva”. Naquele momento, brilhava a estrela do novo líder inglês, que recém havia sido empossado e conseguiu reunir, sucessivamente, em Florença, Washington e Londres, Bill Clinton, Lionel Jospin, Gerhard Schröder, Massimo D´Alema, Fernando H. Cardoso, Ricardo Lagos, entre outros governantes e intelectuais ligados de uma forma ou outra à social-democracia européia, ou ao partido democrata norte-americano.

O projeto comum era construir um novo programa que adequasse a velha social-democracia às novas idéias e políticas neoliberais, hegemônicas nas últimas décadas do século XX. O resultado foi uma geléia ideológica, com propostas extremamente vagas e imprecisas, que mal encobriam o seu núcleo duro voltado para a abertura, desregulação e desestatização das economias nacionais, e para um "prologement vaguement social de la révolution thatcheriste", como caracterizou na época, a revista francesa, Nouvelle Observateur.

Goste-se ou não, as idéias e os partidos socialistas e social-democratas deram uma contribuição decisiva à história do século XX, em particular à criação do “estado do bem-estar social”, depois da II Guerra Mundial. Mas na década de 80, a social-democracia perdeu fôlego político, e acabou perdendo a sua própria identidade ideológica, asfixiada pela grande “restauração” liberal conservadora, de Margerth Thatcher e Ronald Reagan. Isto aconteceu na Espanha, de Felipe Gonzalez, na França, de François Mitterand, na Itália, de Bettino Craxi, e também na Grécia, de Andreas Papandreu. Nos anos 90, entretanto, este movimento adquiriu outra densidade e importância, com a vitória democrata, de Bill Clinton, nos EUA, e do trabalhismo de Tony Blair, na Inglaterra.

Na América Latina, a história foi um pouco diferente, porque as novas políticas neoliberais apareceram – nos anos 80 - associadas à renegociação da dívida externa do continente, como se fossem apenas um problema de política econômica. E foi só no Chile e no Brasil, que a proposta da “terceira via” teve uma repercussão importante, durante a década de 90. No caso do Chile, com a formação da aliança entre socialistas e democrata-cristãos, e, em particular, durante o governo de Ricardo Lagos (1990-1996), que aderiu pessoalmente ao projeto liderado pelos anglo-saxões. E, no caso do Brasil, com a formação do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), e com a participação ativa do presidente Fernando H. Cardoso (1995-2002), na formulação das idéias e nas reuniões do movimento, ao lado de Tony Blair e Bill Clinton.

A “terceira via” teve uma vida muito curta. Talvez, por causa da superficialidade e artificialidade das suas idéias, talvez, porque seus líderes mais importantes acabaram sendo derrotadas nas urnas, ou passaram para a história como grandes fracassos ou blefes político-ideológicos. Como no caso do iniciador do movimento, o ex-primeiro-ministro Tony Blair, que foi afastado da liderança trabalhista em 2007, e se transformou no inimigo numero um da imprensa e da maioria da opinião publica inglesa, sob acusação de ter mentido para justificar a entrada do seu país na Guerra do Iraque, além de ter acobertado casos de tortura, por parte de suas tropas.

Tony Blair foi substituído por Gordon Brown, outro ideólogo da “terceira via” que acabou sofrendo uma das derrotas eleitorais mais arrasadoras da história do trabalhismo inglês. Bill Clinton também não conseguiu fazer seu sucessor, e passou para a história como símbolo do expansionismo imperial americano, da década de 1990, a despeito de sua retórica “globalista” e democrática. Os demais participantes europeus do movimento também tiveram finais inglórios, como foi o caso de Lionel Jospin, Massimo D´Alema e Gerhard Schröder, e hoje ninguém mais fala ou lembra, na Europa ou nos Estados Unidos, do projeto da “terceira via”.

Mas este factóide anglo-americano teve uma sobrevida, e só será enterrado definitivamente, em 2010, na América Latina. Primeiro, no Chile, depois da derrota eleitoral da “Concertacion” de Ricardo Lagos. E depois, no Brasil, com a provável derrota do partido social-democrata, de Fernando H. Cardoso, nas eleições presidências deste ano. Nos dois casos, o que mais chama a atenção não é a derrota em si mesma, é a anorexia ideológica dos dois últimos herdeiros da “terceira via”. Não se trata de incompetência pessoal, nem de um problema de imagem, se trata do colapso final de um projeto político-ideológico eclético e anódino que acabou de maneira inglória: o projeto do neoliberalismo social-democrata. Que repouse em paz !

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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Mídia: Esfera pública X esfera mercantil

Reproduzo artigo do sociólogo Emir Sader, publicado no blog Viomundo:

O neoliberalismo é a realização máxima do capitalismo: transformar tudo em mercadoria. Foi assim que o capitalismo nasceu: transformando a força de trabalho (com o fim da escravidão) e as terras em mercadorias. Sua história foi a crescente mercantilização do mundo.

A crise de 1929 – de que o liberalismo foi unanimemente considerado o responsável – gerou contratendências, todas antineoliberais: o fascismo (com forte capitalismo de Estado), o modelo soviético (com eliminação da propriedade privada dos meios de produção) e o keynesianismo (com o Estado assumindo responsabilidades fundamentais na economia e nos direitos sociais).

O capitalismo viveu seu ciclo longo mais importante do segundo posguerra até os anos 70. Quando foi menos liberal, foi menos injusto. Vários países – europeus, mas também a Argentina – tiveram pleno emprego, os direitos sociais foram gradualmente estendidos no que se convencionou chamar de Estado de bem-estar-social.

Esgotado esse ciclo, o diagnóstico neoliberal triunfou, voltando de longo refluxo: dizia que o que tinha levado a economia à recessão era a excessiva regulamentação. O neoliberalismo se propôs a desregulamentar, isto é, a deixar circular livremente o capital. Privatizações, abertura de mercados, “flexibilização laboral” – tudo se resume a desregulamentações.

Promoveu-se o maior processo de mercantilização que a história conheceu. Zonas do mundo não atingidas ainda pela economia de mercado (como o ex-campo socialista e a China) e objetos de que ainda usávamos como exemplos de coisas com valor de uso e sem valor de troca (como a água, agora tornada mercadoria) – foram incorporadas à economia de mercado.

A hegemonia neoliberal se traduziu, no campo teórico, na imposição da polarização estatal/privado como o eixo das alternativas. Como se sabe, quem parte e reparte fica com a melhor parte – privado – e esconde o que lhe interessa abolir – a esfera pública. Porque o eixo real que preside o período neoliberal se articula em torno de outro eixo: esfera pública/esfera mercantil.

Porque a esfera do neoliberalismo não é a privada. A esfera privada é a esfera da vida individual, da família, das opções de cada um – clube de futebol, música, religião, casa, família, etc.. Quando se privatiza uma empresa, não se colocam as ações nas mãos dos indivíduos – os trabalhadores da empresa, por exemplo -, se jogam no mercado, para quem possa comprar. Se mercantiliza o que era um patrimônio público.

O ideal neoliberal é construir uma sociedade em que tudo se vende, tudo se compra, tudo sem preço. Ao estilo shopping center. Ou do modo de vida norteamericano, em que a ambição de todos seria ascender como consumidor, competindo no mercado, uns contra os outros.

O neoliberalismo mercantilizou e concentrou renda, excluiu de direitos a milhões de pessoas – a começar os trabalhadores, a maioria dos quais deixou de ter carteira de trabalho, de ser cidadão, sujeito de direitos -, promoveu a educação privada em detrimento da publica, a saúde privada em detrimento da pública, a imprensa privada em detrimento da pública.

O próprio Estado se deixou mercantilizar. Passou a arrecadar para, prioritariamente, pagar suas dívidas, transferindo recursos do setor produtivo ao especulativo. O capital especulativo, com a desregulamentação, passou a ser o hegemônico na sociedade. Sem regras, o capital – que não é feito para produzir, mas para acumular – se transferiu maciçamente do setor produtivo ao financeiro, sob a forma especulativa, isto é, não para financiar a produção, a pesquisa, o consumo, mas para viver de vender e comprar papéis – de Estados endividados ou de grandes empresas -, sem produzir nem bens, nem empregos. É o pior tipo de capital. O próprio Estado se financeirizou.

O neoliberalismo destruiu as funções sociais do Estado e depois nos jogou como alternativa ao mercado: se quiserem, defendam o Estado que eu destruí, tornando-o indefensável; ou venham somar-se à esfera privada, na verdade o mercado disfarçado.

Mas se a esfera neoliberal é a esfera mercantil, a esfera alternativa não é a estatal. Porque há Estados privatizados, isto é, mercantilizados, financeirizados; e há Estados centrados na esfera pública. A esfera pública é centrada na universalização dos direitos. Democratizar, diante da obra neoliberal, é desmercantilizar, colocar na esfera dos direitos o que o neoliberalismo colocou na esfera do mercado. Uma sociedade democrática, posneoliberal, é uma sociedade fundada nos direitos, na igualdade dos cidadãos. Um cidadão é sujeito de direitos. O mercado não reconhece direitos, só poder de comprar, é composta por consumidores.

Na esfera da informação, houve até aqui predomínio absoluto da esfera mercantil. Para emitir noticias era necessário dispor de recursos suficientes para instalar condições de ter um jornal, um rádio, uma TV. A internet abriu espaços inéditos para a democratização da informação.

A democratização da mídia, isto é, sua desmercantilização, a afirmação do direito a expressar e receber informações pluralistas, tem que combinar diferentes formas de expressão e de mídia. A velha mídia é uma mídia mercantil, composta de empresas financiadas pela publicidade, hoje aderida ao pensamento único. Uma mídia composta por empresas dirigidas por oligarquias familiares, sem democracia nem sequer nas redações e nas pautas dos meios que a compõem.

A nova mídia, por sua vez, é uma mídia barata nos seus custos, pluralista, crítica. O novo espaço criado pelos blogueiros progressistas faz parte da esfera pública, promove os direitos de todos, a democracia econômica, política, social e cultural. A esfera pública tem expressões estatais, não-estatais, comunitárias. Todas comprometidas com os direitos de todos e não com a seletividade e a exclusão mercantil.

São definições a ser discutidas, precisadas, de forma democrática, aberta, pluralista, de um fenômeno novo, que prenuncia uma sociedade justa, solidária, soberana. A possibilidade com que estão comprometidos Dilma e Lula de uma Constituinte autônoma permite que se possa discutir e levar adiante processos de democratização do Estado, de sua reforma em torno das distintas formas de esfera pública, desmercantilizando e desfinanceirizando o Estado brasileiro.

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O contrabando ideológico da mídia golpista

Reproduzo artigo de Washington Araújo, publicado no Observatório da Imprensa:

Se existe um assunto que absolutamente não me apetece é essa conversa de que no Brasil se encontram ameaçadas a liberdade de expressão, liberdade de opinião e liberdade de imprensa. Primeiro porque a confusão é grande e nem o editorialista nem o comentarista designado para o mister faz o menor esforço para separar uma de outra, é tudo jogado no mesmo saco das intenções veladas.

Para aproveitar o bordão presidencial, tomo a liberdade de, solene como sói acontecer, declarar que nunca antes na história deste país se usufruiu de tanta liberdade – opinião, expressão, imprensa – como nos dias atuais. E nem se precisa ir muito longe para autenticar essa minha percepção já que se trata de algo facilmente verificável.

Se o leitor desejar fazer uma amostragem na seara das revistas semanais de informação, basta acessar o acervo digital de Veja ou de Época e, em rápido cotejo, verificará diversas matérias de capa ora condenando o presidente, ora o seu governo, ora o seu partido, ora a sua coligação. Algumas das recentes edições do carro-chefe da Editora Abril trouxeram na capa, sempre carregando na cor vermelho-escarlate, chamadas como “Lula, o mito, a fita e os fatos” (edição 2140), “O monstro do radicalismo” (edição 2173), “Ele cobra 12% de comissão para o PT” (edição 2156) ou “Caiu a casa do tesoureiro do PT” (edição 2155).

E até o mensalão candango, que engolfou a última cidadela governamental do Democratas em fins de 2009, mereceu capa que longe de trazer à mente o partido demista fazia nada sutil remissão ao partido do presidente. Oportuno recolher a desfaçatez com que vistoso colunista da revista Veja (26/11/2009) se referiu à candidata governista. Seu texto abria assim: “A fraude que virou candidata à presidência anda propondo que o país compare Fernando Henrique a Lula…”

Ficção e realidade

O mesmo poderá ser feito com os jornais de maior tiragem diária do país, como O Globo, a Folha de S.Paulo e o Estado de S.Paulo. São mais de oito anos de luta cerrada, quando não agredido em editoriais sob medida para criticar essa ou aquela frase do presidente, sempre ânimo redobrado para fustigar essa ou aquela política pública.

Vejamos o que escreve o principal comentarista de política do jornal O Globo, Merval Pereira. Em apenas dois meses não deixou de vociferar o que crê seja digno de nota e remissões: a alcunha que criou para Dilma Rousseff, a laranja eleitoral. Destaco os seguintes excertos de sua coluna em que o tema é temperado e retemperado pelo maduro articulista:

* “Os discursos nas convenções do PT e do PSDB, no fim de semana passado, revelam com clareza qual será o tom da campanha presidencial daqui para a frente, quando já temos candidatos oficiais e não simples pré-candidatos, como a esdrúxula legislação eleitoral definia até então. De um lado, a candidata oficial, Dilma Rousseff, transformada pelo próprio Lula em sua ‘laranja’ eleitoral; de outro, o tucano José Serra atacando o PT, a falta de experiência da adversária, mas só se referindo a Lula de maneira indireta.” (“Meu nome é Dilma”, 15/6/2010)

* “A verdade, porém, é que mesmo que a candidata oficial Dilma Rousseff alegue que não compartilha essas propostas, elas fazem parte de uma espécie de código genético da ala mais radical do petismo, da qual ela já era figura proeminente antes mesmo de surgir do bolso do colete de Lula para ser impingida ao eleitorado como sua ‘laranja eleitoral’.” (“Contradições”, 06/7/2010)

* “A candidata petista, por seu turno, tem alguns desafios importantes pela frente, o principal deles o de convencer o eleitorado de que o seu eventual primeiro mandato será o terceiro de Lula, o que pode transformá-la em uma mera ‘laranja eleitoral’ do seu mentor. O que pode agradar a certo eleitorado, e afastar outro.” (“O predomínio eleitoral”, 16/7/2010)

* “Serra está à procura de temas que sirvam para atacar o governo Lula sem atacar o próprio, enquanto Dilma a cada dia valoriza mais o papel de ‘laranja eleitoral’ de Lula, recusando-se a aprofundar o debate de políticas governamentais, passando apenas a única mensagem que interessa, a da continuidade do governo Lula.” (“Quem é quem”, 11/8/2010)

* “É também importante frisar que, àquela altura, ainda com sequelas do mensalão, Lula tinha 55% de avaliação de ‘bom e ótimo’ nas pesquisas, e hoje tem 77%. Mas, como não é ele que concorre, e sim uma sua ‘laranja eleitoral’, a transferência de votos ainda não é total, e possivelmente não será.” (“Zona de conforto”, 17/8/2010)

E para defender sua ideologia liberal, vale tudo. Destaco o seguinte diálogo (que me foi enviado pelo leitor D.M.S.) de recente capítulo na novela Paraíso, da TV Globo. Observem como personagens de ficção avançam para além de qualquer trama para tratar do que consideram ser a realpolitik. E como vem sendo cada vez mais corriqueiro contrabandear ideologia e crítica política através de personagens que, bem ou mal, caem nas graças do povo:

Atriz: “Vamos perfurar um poço de petróleo aqui na cidade”

Ator: “Você não é candidata a presidente da república. Nem presidente da Petrobras”

Atriz: “Quanto custa pra perfurar um poço de petróleo?”

Ator: “Muito…”

Atriz: “Mais de mil escolas?”

Ator: “Bota mil nisso…”

Atriz: “Mais de mil hospitais?”

Ator: “Bota mil nisso… Em vez de gastar dinheiro perfurando poço de petróleo, a gente poderia encher de escolas, hospitais…”

(Pausa para os comerciais).

Irônico que a primeira empresa que surge fazendo seu comercial é a própria Petrobras, Coisas do Brasil?

Argumento anêmico

A revista Época também segue à risca o script que deseja cumprir. Para ilustrar cito recente edição (nº 639, de 14/8/2010) em que a capa é a foto da jovem Dilma Rousseff, em princípios dos anos 1960. A manchete é lúgubre: “O passado de Dilma”, com a explicação que mais ameaça que esclarece qualquer coisa: “Documentos inéditos revelam uma história que ela não gosta de lembrar: seu papel na luta armada contra o regime militar” (ver, neste Observatório, “Revista ignora a anistia“).

A “matéria” lista perguntas que, segundo a revista, a candidata se recusa a responder. Tudo no elevado estilo “intimidação sempre rende resultados”. Ao leitor imparcial fica evidente e enorme forma de marginalização que a mídia tenta aplicar à figura da candidata. Até a ditadura brasileira é assumida pela revista, mesmo que indiretamente, como tendo ocorrido. As questões que a revista trata de cobrir – com o véu de suspeição em estado bruto – representam torpe tentativa de criminalizar a candidata e, para tanto, não hesitam em minimizar o contexto dando conta que o país vivia tenebroso período ditatorial. Escamoteou-se que Dilma desceu do muro e teve a coragem de decidir em que lado estava: a luta contra o arbítrio.

O colunista da Folha de S.Paulo Fernando Barros e Silva, na edição de 1/6/2010 do jornal, escreveu texto com o título “O Bolsa-Mídia de Lula”. Profissional talentoso, Fernando não é só um articulista, mas também editor. E, por ele passam as mais relevantes decisões editoriais do jornal paulista. Pois bem: no texto, Fernando repercute matéria da própria Folha, que demonstra como Lula pulverizou a verba publicitária do governo: em 2003, 179 jornais receberam verbas federais; em 2008, foram 1.273. Lula fez o mesmo com rádios e com a internet. Com esse raciocínio inicial era de se esperar qualquer coisa menos um petardo como o que ele arremessou a seguir:

“(…) a língua oficial chama [a tal pulverização de verbas] de regionalização da publicidade estatal e vende como sinal de ‘democratização’. Na prática, significa que o governo promove um arrastão e vai comprando a mídia de segundo e terceiro escalões como nunca antes nesse país.”

É daqueles casos em que o texto não faz jus ao talento do autor. Argumento tão raquítico, anêmico faria qualquer um de nós, Jecas Tatus do Brasil profundo, pensar com seus botões: “Ué, quer dizer que quando a verba ia só para o ‘primeiro escalão’ (onde, suponho, Fernando inclui a Folha, onde ganha o sustento diário) os governos anteriores a 2003 estavam simplesmente ‘comprando a mídia’? É isso mesmo? Tal pensamento não carrega em seu cerne a idéia de desejar ser comprado sozinho sem se expor às agruras de um capitalismo com concorrência?”

Contra e a favor

Dia sim e dia não também, incluindo telejornais noturnos e madrugadeiros, somos bombardeados aos longos das semanas, meses e anos com a mais ampla liberdade de expressão. É sob a égide dessa preciosa liberdade que proliferam os insultos de baixo e alto calados. Termina sendo também a inconfessável defesa de seus valores antípodas. Como o destempero verbal (e escrito), o ataque infamante – quando não apenas calunioso – busca a cabal sujeição de suas vítimas à mais completa impotência ante o formidável aparato de comunicação com suas sentenças formadas antes mesmo de o crime haver sido pensado. Sentença que será repercutida por seus pares à exaustão, dando assim ares de legitimidade ao que não passa de mera luta para manter seu poder nas auriverdes esferas da política e da economia.

Infelizmente tenho que reconhecer que nossos meios de comunicação de massa não revelam a realidade, mascaram-na; eles não ajudam a gerar mudança, transformações e, ao contrário, ajudam a evitá-la. Pior ainda, nossos meios estão bem longe de incentivar a participação democrática. São muito mais afeitos a nos levar à passividade, à resignação e ao egoísmo. Apropriam-se das bandeiras mais caras ao espírito humano – justiça, liberdade – para torná-las reles mercadorias de troca em sua incessante luta pelo poder, cada vez mais inconstante, cada vez mais fugidio.

Em 2002, em almoço nas dependências do jornal Folha de S.Paulo, seu diretor Otavio Frias Filho sapecou a questão para Lula: “Como é que o senhor vai governar o Brasil se não fala inglês?” Passados oito anos chegamos à conclusão que no caso talvez falar inglês pesasse contra, e não a favor, do então candidato à presidência do Brasil. É possível que, ainda nos próximos 40 dias, atendendo a convite para hipotético almoço no mesmo jornal, seu diretor de Redação sinta-se à vontade para perguntar a Dilma Roussef:

“Como é que a senhora vai governar o Brasil se não fala a nossa língua?”

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A eleição vista de fora do Brasil

Reproduzo artigo de Flavio Aguiar, do blog do Velho Mundo, postado na Rede Brasil Atual:

Somos hoje 200.050 eleitores, segundo a Agência Brasileira de Inteligência, a ABIN, numa população de 3.040.993 brasileiros que vivem no exterior, segundo o Ministério de Relações Exteriores (816.257 na Europa; 89 mil na Alemanha, que tem 4.515 eleitores registrados na Embaixada e Consulados). Haverá postos eleitorais em mais de 120 cidades espalhadas pelo mundo.

Digo “somos” porque esta será a minha primeira eleição no exterior. Ao longo da vida, embora residisse no exterior várias vezes, sempre estive no Brasil no período eleitoral.

Já apontei em outros artigos, aqui no Blog do Velho Mundo, ou em outras páginas da internet, alguns pontos que sobressaem na visão, quando se olha para as eleições de outubro no Brasil.

O primeiro fator de impacto é a percepção do absoluto anacronismo das oposições conservadoras no Brasil. Seu discurso lembra os filmes de mocinho e bandido das antigas matinês de cinema, contemporâneas da Guerra Fria ideológica. Sequer percebem que a Guerra Fria, se ainda existe, mudou de natureza. É claro que a Otan continua tentando cercar a Rússia, como antigamente. Mas no momento, por exemplo, há uma política de relativa distensão nessa frente – o que diferencia as administrações de Bush e Obama, apesar da retórica agressiva de Hillary Clinton.

As oposições insistem na retórica do alinhamento – melhor, “escondimento” – do Brasil debaixo do guarda-chuva norte-americano. Não dá para acreditar. Na complexidade do mundo de hoje, com os chineses avançando pelas bordas, a Europa em crise monetária, os EUA tendo problemas internos de grande monta, qualquer tentativa de retorno ao mapa da geopolítica de 50 anos atrás estará fadada ao impasse, simplesmente porque esse mapa não existe mais.

Nem mesmo os Estados Unidos de hoje tem interesse nesse retorno, preferindo, apesar dos enfrentamentos eventuais, que o Brasil tenha um papel mais de proa no equilíbrio sul-americano o que, por sua vez, implica em manter uma política de liderança e de iniciativa multi-lateral no G-20, na OMC e na ONU, além de outros espaços e fóruns.

Ainda é cedo para fazer previsões seguras sobre as eleições de outubro. Há uma euforia pró-Dilma com as últimas pesquisas que a põem na frente a ponto de se falar numa vitória no primeiro turno. Instituições e mídia conservadoras inclinam-se por uma vitória daquela que seria a primeira mulher a governar o Brasil: é o que se lê em documentos tão diferentes quanto um relatório interno do Citibank e uma reportagem da vetusta The Economist.

Mas tudo isso são projeções. De qualquer modo, essa nova paisagem mostra que um resultado favorável a Dilma poderia detonar de vez uma velha direita brasileira, anacrônica, aferrada a seu “direito” de arrogar-se única representante dos “interesses nacionais” e a desqualificar a “massa não cheirosa brasileira” como protagonista política, que é o que, no momento, a candidatura Serra representa.

Isso abriria espaço para um pensamento conservador mais “up to date” (para usar um dos termos que eles gostam), tanto no plano externo quanto no plano interno. Poderia gestar um pensamento mais apto a conviver com a democracia como um fator positivo da paisagem, e não algo a ser contornado (já que hoje é difícil ser suprimido como foi em 1964) por manipulações grosseiras como essa de criar um jingle que só fala do atual presidente e uma favela virtual para popularizar seu candidato, que a própria The Economist define como “tedioso na maior parte do tempo, exceto ao sorrir, quando parece assustador”.

Quando olhamos o número de eleitores brasileiros no exterior, que não chega a 10% dos residentes, ele nos parece pequeno. Entretanto ele é fator de ânimo e também índice dessa percepção de que o Brasil vive um momento de consolidação democrática. Em 2000, havia 43.390 eleitores brasileiros registrados no exterior, número que passou para 86 mil em 2006, 105 mil em 2007 e agora passou das duas centenas de milhar. Isso atesta o crescente interesse dos brasileiros fora do Brasil pelas eleições na sua pátria, e sua politização, bem como, de certo modo, a importância que o papel relevante que o Brasil adquiriu na cena internacional tem para o pleito.

Um dado curioso: a grande maioria (3/4) desses eleitores – pelo menos na Europa – são mulheres. Isso se reflete na organização – ainda incipiente das campanhas. Por exemplo: no dia 11 de setembro haverá o lançamento do primeiro comitê pró-Dilma na Europa, com um forte acento feminino. Será na municipalidade de Dortmund-Hörde, no oeste do país, na Igreja Evangélica Noites de Glória, uma das 40 que existem na Alemanha dedicadas à imigrantes brasileiros, com participação também de alguns portugueses. Vai ter feijoada, ao preço não obrigatório de 10 euros, e depoimentos de grupos de várias cidades da Alemanha, entre elas, Berlim. Será, se não houver outro comitê inaugurado antes, o segundo comitê pró-Dilma no mundo, tendo o primeiro sido aberto no estado de Massachussets, nos Estados Unidos, ainda neste mês de agosto.

Outro dado curioso, este, intrigante. Em 2006 o Ministério de Relações Exteriores estimava em 60 mil o número de brasileiros residentes na Alemanha. Entretanto, o Serviço de Estrangeiros desse país tinha o registro de apenas 24 mil. Qual a razão? Clandestinidade? Pode ser. Estudantes (em número elevado) que não se registram porque são “residentes temporários”? Também pode ser. Ficam as perguntas. Em 2006 a votação no exterior, segundo o TER, foi: 1º turno: 17.513 para Alckmin; 15.551 para Lula; 2º turno: 20.912 para Alckmin, 17.948 para Lula. Isso mostra um baixo comparecimento, menos de 50%. Fica a conferir qual será a evolução desses números em 2010.

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Serra não se abalou com o Datafolha



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Argentina: ganhar do medo com uma boa lei

Reproduzo artigo de Mario Weinfield, publicado no jornal argentino Página/12. Tradução de Katarina Peixoto para o sítio Carta Maior:

Falemos de fatos, para desafiar uma regra dominante na comunicação cotidiana. As ações da Papel Prensa foram vendidas nos primeiros meses da ditadura militar, no esquema mais brutal (por sua vez fundacional) do terrorismo de Estado e da violação das garantias constitucionais, começando pela divisão de poderes. A dona das ações transferidas, Lidia Papaleo de Graiver jamais esteve envolvida numa negociação sobre preço. Todos os adultos integrantes da família Graiver foram sequestrados e torturados.

Durante décadas, a Papel Prensa controlou o mercado com práticas monopólicas. O Estado nacional foi um sócio bobo, mudo e surdo perante um poder de fato superior aos sucessivos governos, ditatoriais ou democráticos.

O Executivo atual, a partir de conflitos conjunturais, tomou a valiosa decisão política estratégica de limitar o poder do Grupo Clarín. Entre outros movimentos, meteu-se ativamente na empresa, sacudindo a modorra estatal, fazendo valer o quanto pode sua posição minoritária. No trajeto, investigou a origem da compra das ações. Produziu um material contundente, apresentado ontem na Casa do Governo.

A documentação foi buscada com denodo. Parte do material é conspícuo e foi denunciado em numerosas oportunidades em jornais, livros e revistas. Uma pequena parte estava subtraída do conhecimento público, camuflada em expedientes com teias de aranhas, perdida em arquivos esquecidos.

A presidente Cristina Fernández de Kirchner pronunciou ontem um discurso memorável. Um dos mais redondos de seu mandato, senão o melhor. Rememorou o modo como a Papel Prensa mudou de mãos e o papel posterior da empresa no mercado. Disse ter lido e elaborado o informe. Divulgou-o numa exposição longa (como ela mesma reconheceu, no final) e rigorosa.

Mas as palavras, já se sabe, vão e vêm. O mais notável não foi a retórica mas, de novo, a decisão política: fornecer suporte institucional ao documento. Serão os outros poderes do Estado que resolverão o que fazer com o passado e o futuro. Os tribunais comerciais deverão dirimir as dúvidas quanto à validade ou à nulidade da venda. Os penais, sentenciar se houve violações aos direitos humanos no contexto da suposta negociação celebrada entre 1976 e 1977.

O Congresso deverá analisar um projeto de lei (cujo texto ainda não se conhece) declarando de interesse público a produção de papel para jornais e formando uma comissão bicameral para o seguimento dessa atividade.

O procurador do tesouro, Joaquim Da Rocha e o secretário de Direitos Humanos, Eduardo Luis Duhalde terão a seu encargo a espinhosa missão de preparar a peça judicial. Seguramente, o secretário de assuntos legais e técnicos Carlos Zannini já está redigindo o projeto de lei que a presidenta revisará com obsessão de parlamentar.

Os fatos também restam submetidos à opinião pública depois de anos de silêncios, omissões ou imposições.

O dialeto jornalístico político-opositor vai se esmerar na qualificação do acontecimento como “autoritário”, “arbitrário”, “totalitário”. Ou vai se valer de um adjetivo-substantivo grotesco caro ao seu imaginário: “chavista”. Para o pensamento hegemônico de direita, o chavismo não é um regime popular, plebiscitado muitas vezes em eleições limpas, com desempenhos discutidos em matéria de liberdades públicas. “Chavismo” é, claramente, sinônimo de ditadura bananeira.

No entanto, o que o governo federal fez é legal, democrático e republicano. Investigou, honrou seus deveres de sócio-acionista, produziu um informe aberto ao debate cidadão, vai canalizá-lo institucionalmente. Vale a pena assinalar o detalhe, passando a bola aos dois poderes onde (na conjuntura atual) as corporações jogam com mando de campo ou ao menos em condições muito favoráveis. Longe da discricionariedade ou dos decretos de necessidade e urgência, interpelou-se os estamentos democráticos e a cidadania.

E isso, no jargão dominante, rotula-se de “chavismo” ou se descreve como “ataques à imprensa”. Frente ao outras etapas da história, há mais transigência, como ver-se-á.

Os jornais Clarín e La Nación vêm publicando em colaboração desde o conflito das retenções agropecuárias. Sócios na Papel Prensa e na Expoagro, suas tradicionais diferenças editoriais foram se liquefazendo no mandato de Fernández de Kirchner. Às vezes se desdobram em áreas, como quando La Nación informou sobre a reunião entre Héctor Magnetto [executivo do grupo Clarín] e cinco representantes do espaço peronista federal-PRO [dissidência peronista de direita], que o Clarín guardou e segue guardando em segredo. Em outras questões, pronunciam-se juntos. Assim foi nas edições de ontem, buscando o que no futebol se chama de “antecipação ofensiva” ao anúncio. Optaram por um tipo de editorial conjunto, intitulado “Uma história inventada para se apoderar da Papel Prensa”. Como se soube no cair da tarde, o apoderamento não existiu;ao menos não no ano 2010. E a história, infelizmente, é real.

Recomenda-se a leitura do material, porque não há desperdício. O cronista só observa o modo como se narra um acordo comercial milionário, no qual o Estado terrorista teve um papel fundamental.

Papaleo de Graiver era a viúva recente de um empresário judeu (um arquétipo das pessoas odiadas pelos repressores) morto num duvidoso e oportuno acidente aéreo. A viúva estava fora do país, desprezou conselhos sensatos e voltou. Discutiu, no fragoroso ano de 1976, com empresários ávidos que contavam com o apoio do regime. Os grandes meios pretendem que as tratativas realizadas então funcionassem num mercado perfeito que teria feito Adam Smith feliz. Seu relato, é de lamentar, concorda com o mito divulgado pela própria ditadura: existia uma sociedade civil normal, com liberdades garantidas, ainda que alguns “grupos” abusassem da violência. Essa falácia, está claro, desbaratou-se em poucos meses. Ninguém pode, honestamente, acreditar que uma negociação referida a bens estratégicos se dava num clima de negócios decoroso, impermeável ao totalitarismo imperante.

Os editoriais defendem que Papaleo de Graiver concordou com a venda. Não há tal coisa; nosso sistema legal exige que haja contrato celebrado por partes que tenham “discernimento, intenção e liberdade”. No jargão forense os vocáculos têm significado bastante similar ao da linguagem comum. Lidia carecia de liberdade e intenção plenas quando assinou a transferência. Depois, coisas piores lhe ocorreram.

Um elemento substancial para a conclusão do contra nunca foi efetuado: o pagamento. A dona recebeu uma fração do preço, menos de um por mil (sete mil dólares sobre quase um milhão). O resto não lhe chegou às mãos, nunca. Um juiz devia aprovar o pacto, que envolvia os direitos da filha de Graiver e Lídia Papaleo, mas jamais isso se deu. A mãe se negou porque estava em desacordo com o negócio leonino; os grandes meios de comunicação argentinos dizem de maneira pudica que essa aprovação “nunca foi expedida”.

Por tudo isso, o contrato não foi concluído. Existia o que se poderia chamar “trato sucessivo”; a negociação continuaria nos tribunais. Quando se sequestrou a dona [Lidia], privando-a não já de sua liberdade, mas de todos os seus direitos humanos, as tratativas ainda estavam em aberto.

"Foi uma negociação legal e pública, anunciada por todos os diários da época”“, resume o editorial a duas mãos. Ou seja, contra toda prova e contra suas próprias alegações, quando se justificam por terem silenciado os dados sobre os 30 000 desaparecidos, que alegam que nesses tempos os jornais informava a verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade.

Inventam uma bolha temporal: supõem que Papaleo de Graiver estava num mundo feliz quando assinou e que depois, em função de acontecimentos ulteriores, foi manipulada. As palavras tem tremendo peso, máximo, quando os grandes editorialistas de jornais importantes as redigem. Contam que a mulher foi detida por “imputações alheias a esse tema”. “Imputação” alude à intervenção de juízes ou fiscais, não a repressores sem lei. E é difícil saber, ainda mais para aqueles que foram seus confidentes midiáticos, quais eram os motivos dos sequestros.

Os donos dos próprios jornais, nesse período, seus requerimentos, seus brindes com o repressor Jorge Rafael Videla corroboram que o governo foi um árbitro central na transferência. Reconheceram-na e celebram-na, com todas as letras, em seus exemplares de maio de 1976, quando essas amizades valiam poder.

O editorial de ontem assegura que a “Papel Prensa foi uma empresa perseguida por Emilio Massera”. Um modo didático de distorcer fatos, contando-os aos pedaços. Massera, como em tantos outros temas comerciais e políticos, disputava poder contra Videla. Este era, por sua vez, o esteio do Clarín, La Nación e La Razón, unidos numa empresa chamada Fapel. Maria Seoane e Vicente Muleiro contam com detalhe em seu livro "O Ditador". Na página 270 da edição de 2001 explicam que “a discussão sobre a quem seria oferecida a Papel Prensa produziu um enfrentamento duríssimo na Junta [militar]. A Fapel era a candidata de Videla e Martínez de Hoz. Massera tinha outro candidato: o banqueiro José Rafael Trozzo, dono do Banco de Intercambio Regional”. A ojeriza de Massera não traduzia antagonismo quanto ao regime, mas uma querela de negócios. Os cães de guerra não pensavam o tempo todo no ocidente cristão, mas também em suas carteiras. A Fapel não foi tão mal nessa briga interna de pequeros.

Sublinhe-se: Seoane e Muleiro falam de um fato bem sabido, sem razão alguma para ser inventado nas últimas semanas: foi a Junta que “ofereceu” a empresa a Fapel. Estava até o tutano nesse negócio, em nada privado.

Outra distorção, especialmente perversa, é supor que uma vítima do terrorismo de Estado recupera sua liberdade e sua palavra assim que sai do campo de extermínio. Ou um tempo determinado depois. Papaleo de Graiver é posta sob suspeita porque não falou antes. Banalizam o terror e a menos valia imposta pelos repressores. Rios de tinta se têm escrito sobre o tema; as pessoas da imprensa deveriam sabê-lo.

Quando conseguiu dominar o medo, Papaleo falou, quando Christian Von Wernich e Miguel Etchecolatz, donos de sua vida e de seu corpo, foram julgados e condenados. Também, vale dizer, quando soube que tinha um poder democrático dispostos a pôr fim à impunidade dos cúmplices civis da ditadura. Esse périplo terrível merece compreensão, contenção e respeito.

O oficialismo é apenas a primeira minoria em ambas as Casas do Congresso. A oposição pode parar ou distorcer seu projeto de lei, fortalecendo sua subordinação às corporações.

Nos Tribunais, a carga de prova pesa sobre quem pede a nulidade de um contrato ou acusa a um suposto delinquente. Se não se produz a prova, mantém-se o status quo prévio ou prevalece a presunção de inocência. Não será fácil conseguir sentenças favoráveis. Não pode sê-lo, em casos tão complexos, com precedentes escassos, menos com magistrados conservadores no plano legal e em regra favoráveis aos empresários.

O kirchnerismo não é ingênuo; conhece essas perspectivas. Sua opção, em nada fácil, também compete (de modo mais vantajoso) em outros cenários. Interpela a opinião pública em defesa dos direitos humanos, da busca da igualdade, tanto como da verdade e da justiça. Nesses terrenos, segundo a perspectiva deste jornal, tem boas chances de ganhar. Com uma boa lei.

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Cristina ataca de frente; Lula bate de leve

Reproduzo artigo de Rodrigo Vianna, publicado no blog Escrevinhador:

Cristina Kirchner subiu o tom contra a velha mídia argentina. Não se trata de guerra verbal, mas de ação concreta: a presidenta da Argentina pede a investigação sobre a compra da “Papel Prensa” (principal grupo fornecedor de papel na Argentina) por grupos midiáticos daquele país.

É fácil entender que Cristina tem ótimos argumentos. Em 1976, a “Papel Prensa” foi comprada pelo “Clarin”, o “La Nacion” – os dois maiores jornais argentinos – além de um terceiro diário já extinto. Não foi uma compra normal. A família que controlava a empresa relata que vendeu as ações para os jornais, por um preço muito inferior ao de mercado, porque estava sob pressão da ditadura militar argentina.

Sobre o caso, o jornal “O Globo” (que entende de ditadura como nenhum outro, talvez só com a concorrência da “Folha”) dá uma manchete mentirosa: “Cristina usa ditadura para controlar jornais”. Primeiro, o título dá a entender que Cristina usa métodos ditatoriais. Não é verdade. Ela propõe uma investigação justa, sobre uma transação nebulosa, feita às sombras (aí, sim) da ditadura argentina. Em segundo lugar, não há na ação nada que aponte para o controle dos jornais.

Cristina não fala em fechar jornais, em intimidar jornais, em censurar. Nada disso.

“O Globo”, sim, apoiou um regime que fechou jornais, censurou, prendeu e torturou. “O Globo” tem o telhado de vidro, porque cresceu na estufa da ditadura brasileira. Por isso, ataca Cristina Kirchner. “O Globo” também tem medo de ser investigado.

Lula – até agora, durante oito anos de governo - abdicara do confronto aberto, preferindo uma dança mais sutil: pequenas escaramuças verbais, uma ou outra farpa lançada na direção da velha (e golpista) mídia brasileira.

Na campanha, Lula parece ter mudado. Será que foram os ataques a Dilma no “JN” da Globo? Ou as perguntas sob encomenda (feitas por tucanos enrustidos) no debate da “Folha”/UOL?

Não se sabe o que foi. Mas Lula resolveu bater. Relembrou a história de 2002, quando o garotão que dirige (?) a “Folha” tentou atacá-lo de forma deselegante durante almoço na sede do jornal. O garotão da “Folha” achava que – por não falar inglês – Lula não pudesse governar o Brasil. No discurso, terça, em Campo Grande, Lula contou a história. E disse mais: “vou terminar meu mandato sem precisar ter almoçado com nenhum jornal, com nenhuma televisão”.

Na Venezuela, Chavez já tinha percebido que a batalha da mídia é a “mãe de todas as batalhas” (isso ficou muito claro depois do golpe de 2002, em que Chavez foi tirado do poder com apoio explícito das TVs e jornais).

Na Argentina, Cristina também já percebeu a importância dessa batalha, e aceitou o combate aberto – com a “Ley de Medios” e a guerra do papel.

Aqui no Brasil, ainda estamos nas escaramuças. Mas o partido comandado formalmente por Dona Judith (a presidenta da Associação Nacional dos Jornais/ANJ declarou que a imprensa é a “verdadeira oposição” no Brasil) não dará tréguas a Dilma num provável governo da petista.

Por isso, aqui também caminharemos para combates cada vez mais abertos. Esse clima não é bom para a democracia, não foi esse o caminho escolhido por Lula e a esquerda – que isso fique bem claro. Mas deixar de travar o bom combate, diante de tantos ataques, seria suicídio.

Lula e Dilma já mostraram que não são suicidas. E parecem dispostos a encarar a mãe de todas as batalhas.

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A guerra de Cristina contra a mídia golpista

Reproduzo artigo de Umberto Martins, publicado no sítio Vermelho:

A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, está em guerra com os monopólios da imprensa no país vizinho, os grupos Clarín e La Nación, que prosperaram durante o regime fascista (1976-1983) apoiando os generais e deles extraindo obscuros favores. Entre tais favores, destaca-se a aquisição da Papel Prensa, fabricante de papel para 170 jornais, que domina 75% do mercado.

Em discurso transmitido em cadeia nacional de televisão, na noite de terça-feira (24), a chefe do Estado argentino acusou os dois órgãos de comunicação de aproveitar o relacionamento privilegiado com os ditadores para se apoderarem de forma irregular da empresa em 1976. A proprietária anterior, Lídia Papaleo, foi presa e torturada pelos militares junto com outros familiares.

Irados

O governo decidiu ingressar na Justiça com uma denúncia penal contestando a aquisição e encaminhou um projeto ao Congresso declarando a produção de papel uma atividade de interesse público, o que abre caminho para o controle da empresa pelo Estado.

A conduta corajosa de Cristina despertou a ira dos barões da mídia. E não só na Argentina como em outros cantos do mundo. No Brasil, as Organizações Globo, da família Marinho, reservam grande espaço na TV e no jornal nesses dias para desancar a presidente, insinuando que ela manipula os fatos e atenta contra a democracia.

A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), representante dos monopólios da comunicação no continente americano, cujo presidente recentemente disse que Lula era um “falso democrata”, saiu em defesa dos dois maiores jornais argentinos falando em “escalada contra a liberdade de imprensa”.

Papel estratégico

Dirigentes do Clarín e de La Nación negam as denúncias formuladas por Cristina e alegam que o governo está manipulando os fatos para se apropriar da empresa, que tem uma importância estratégica na comunicação impressa.

“Quem controla a Papel Prensa controla a palavra impressa”, argumenta o jornal Clarín no editorial de domingo (22). A presidente concorda com a sentença. “É verdade que quem controla a Papel Prensa controla a palavra impressa. E a única empresa que produz pasta de celulose para fabricar papel de jornal para distribuição e comercialização é justamente uma empresa sob monopólio”, acusou.

O monopólio, ao anular a livre concorrência, tem práticas nocivas à economia, prejudiciais principalmente para os jornais de pequeno e médio porte, que pagam caro pelo papel e hoje sofrem boicote e chantagens. “Há uma resistência enorme em entregar papel aos diários do interior e às pequenas e médias empresas”, afirma Beatriz Paglieri, representante do Estado (que é acionista minoritário) na Papel Prensa.

Provas contundentes

Cristina apresentou um relatório de 233 páginas sobre as relações dos empresários com o regime militar com provas contundentes acerca da aquisição irregular da fábrica de papel, segundo Paglieri. Esclareceu que a investigação e as conclusões contidas no documento “coincidem com as declarações da senhora Lidia Papaleo e de Rafael Ianover”.

Ianover foi o braço direito de David Graiver, marido de Lídia e antigo proprietário da Papel Prensa, que morreu em um acidente aéreo no México deixando a fábrica como herança para a viúva. Graiver era acusado de ligações com o grupo guerrilheiro Montoneros, o que explica a perseguição sofrida pela família.

Pressão

Em entrevista aos meios de comunicação nesta quarta-feira (25), Rafael Ianover assegurou que existiram fortes pressões para a venda da empresa e que todos “em torno dos Graiver estavam com medo”.

“Todo mundo sabia da situação. Todos sabiam, os Graiver também, que íamos ser detidos, de modo que a pressão que havia para que se produzisse a operação [venda da Papel Prensa] existiu. Todos tínhamos medo”, desabafou.

O caso já veio à tona antes. Ainda durante a ditadura, em maio de 1977, os dois jornais publicaram um comunicado informando que tinham comprado a empresa com a autorização dos comandantes da Junta Militar e do então ministro da Economia, Martínez de Hoz, conforme informações de Osvaldo Papaleo, irmão de Lídia Papaleo.

Durante anos, porém, as relações perigosas do Clarín e La Nación com a ditadura foram convenientemente esquecidas e abafadas, numa prova, entre outras, da notável influência que os dois jornais desfrutam no interior da sociedade argentina. Agora, quando o governo corajosamente decide revelar e enfrentar os crimes do regime fascista, a mídia golpista reage em uníssono levantando, em falso como sempre, a defesa da democracia e da liberdade de imprensa.

Ligações perigosas

Embora se apresentem como guardiões da liberdade de expressão e de imprensa, donos da verdade e campeões da democracia, as famílias que monopolizam os meios de comunicação na Argentina e em outras nações americanas nada têm de democráticas e confundem liberdade de imprensa com a liberdade de suas empresas, inclusive para práticas ilegais e monopólios, como no caso em tela.

O fascismo cobrou um preço altíssimo à nação e ao povo argentino. Em torno de 30 mil pessoas foram assassinadas pelos militares, que só agora (no governo de Cristina Kirchner) estão sendo devidamente cobrados pelos crimes que cometeram. A mídia empresarial, dominada por poucas famílias de ricos capitalistas, foi cúmplice dos golpistas, torturadores e assassinos, com poucas (e honrosas) exceções. Quem ficou contra (como os Graiver) foram presos, torturados, mortos e alijados do meio.

Democratização

Por lá, como por aqui, o regime teve seus apaniguados e os promoveu, ao mesmo tempo em que perseguiu quem não comungava com seus métodos e objetivos. Lembremos que as Organizações Globo, na época da “ditabranda” (conforme a Folha) dirigida por Roberto Marinho, só se transformou no império que é hoje graças aos generais, que provocaram a ruína de Assis Chateaubriand e seus Diários Associados.

Embora iluda muita gente boa, o discurso da mídia golpista é apenas falso e hipócrita. Ao contrário do que sugere O Globo e outros jornais que apoiaram os ditadores e comeram na mão dos militares, as medidas que o governo argentino está adotando, com invulgar coragem, vão no sentido de democratizar os meios de comunicação. Isto não se concretizará sem uma guerra aos monopólios privados, bem como o fortalecimento da mídia pública e de veículos alternativos, contrahegemônicos.

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As pesquisas e os perigos da euforia

Reproduzo artigo de Wladimir Pomar, publicado no sítio do Correio da Cidadania:

As recentes pesquisas eleitorais continuam apresentando Dilma em processo de ascensão. Aparentemente, a continuar nessa rota, a candidata do PT estaria em condições de obter a vitória no primeiro turno. Porém, essa aparência, como já reiteramos em comentário anterior, pode ser fatal para a campanha petista, por vários motivos.

Se olharmos as pesquisas com mais atenção, veremos Dilma em crescimento, Serra em queda e Marina, assim como os demais candidatos, em situação estável. A queda de Serra está associada à subida de Dilma, devendo significar que a natureza direitista e reacionária da candidatura do PSDB-DEM está vindo à luz, e que seu falso discurso de continuidade do governo Lula não colou.

Portanto, podemos deduzir que Dilma ganhou pontos principalmente entre os indecisos, entre os que estavam acreditando no discurso continuísta de Serra, e entre aqueles setores da classe média que ainda acreditavam que o PSDB é um partido social-democrata. No entanto, a candidatura Dilma ainda não abalou a candidatura Marina, onde se encontra uma parte da esquerda, embora Marina também esteja em dificuldade para manter seu discurso de continuidade do governo Lula.

Nessas condições, talvez seja a primeira vez, nas campanhas eleitorais presidenciais desde 1989, que o PT tem chances não só de vencer, mas de vencer no primeiro turno. Isto, que apresenta um aspecto positivo, por não obrigar o partido a rebaixar ainda mais seu programa eleitoral, também apresenta o aspecto negativo de levar os candidatos dos partidos de sustentação da candidatura Dilma - a governador, senador e deputado - a suporem ganha a parada presidencial e se voltarem totalmente para suas próprias campanhas.

Aliás, quem quer que se dê ao trabalho de acompanhar o horário eleitoral na televisão pode notar que até mesmo muitos candidatos do PT tiraram a imagem de Dilma de suas apresentações. A preocupação maior vem sendo colocar Lula ao lado, a fim de angariar votos para suas próprias candidaturas. Se a leitura das últimas pesquisas eleitorais levar à euforia do ‘está ganha a presidência’, mesmo que teoricamente isto seja negado, o ritmo da campanha presidencial tende a baixar, abrindo a possibilidade de subida da Marina e recuperação ou estabilidade de Serra.

Em tais condições, se a campanha Dilma pretender manter o ritmo de crescimento, ela terá de fazer ajustes, principalmente nas relações com o seu PT. É esquisito que candidatos desse partido, seja aos governos estaduais, seja aos legislativos federal e estadual, não mostrem apoio explícito à candidatura presidencial do PT. Deve haver algum desajuste entre a campanha da coligação de apoio à Dilma e a campanha petista.

Além disso, as informações de que a campanha Dilma pretende realizar maior ofensiva na conquista dos indecisos e dos ‘não-sabe’ pode ser positiva, mas talvez não baste para consolidar a perspectiva de sua vitória no primeiro turno. Talvez seja necessária uma ofensiva complementar, tratando com mais propriedade alguns temas que se tornaram cavalos de batalha na campanha Marina.

Marina vem concentrando seu fogo e ataques ao governo em temas como reforma tributária, proteção ambiental, jornada de trabalho, segurança e liberdade de comunicação. É essa crítica que a fez conquistar parte do eleitorado de esquerda, e também tem carreado apoios a candidatos de outros partidos desse espectro político. Somados, eles representam mais de 15% das intenções de voto. Assim, como é nos detalhes que o diabo se apresenta, se a campanha Dilma desprezar o trato de tais temas, pode ser por aí que ela seja surpreendida.

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Qual seria a política externa de Serra?

Reproduzo artigo de Breno Altman, publicado no sítio Opera Mundi:

O biombo mercadológico das campanhas eleitorais esconde, por diversas vezes, discussões importantes. Não é comum, afinal, que temas de pouco apelo popular sejam tratados com desenvoltura no horário eleitoral e nos debates entre candidatos. Um desses assuntos condenados ao desterro é a política internacional, apesar de sua relevância estratégica.

Essa agenda, até agora, não foi efetivamente abordada por nenhuma das duas candidaturas que polarizam a sucessão presidencial. Obviamente são mais fáceis de identificar opiniões da postulante governista, Dilma Rousseff, pois prega abertamente a continuidade do que foi feito nos últimos oito anos. Mas o silêncio do candidato oposicionista, José Serra, obriga que se mexa nas gavetas para conhecermos seu ponto de vista.

A bem da verdade, deu declarações acidamente críticas contra o Mercosul, insinuou o comprometimento do governo boliviano com o narcotráfico e entrou na onda de relacionar o PT com a guerrilha colombiana. Não há nessas diatribes, porém, idéias consistentes. Talvez o melhor caminho para encontrá-las seja realizar o diagnóstico da política internacional seguida por Fernando Henrique Cardoso, da qual Serra é herdeiro natural.

A coluna vertebral da orientação cumprida pelo Itamaraty entre 1995-2002 está em antigo raciocínio do então presidente. Para ele, o desenvolvimento da economia brasileira somente poderia ocorrer sob a égide da dependência, através da associação com os grandes centros capitalistas. Sem essa aliança subalterna, escreveu o renomado sociólogo, não seria possível obter os fluxos de investimento e comércio necessários à modernização nacional.

Trata-se de profunda injustiça acusar o ex-mandatário de ter rasgado o que, no passado, havia escrito, pois executou sua concepção ao pé da letra. Não aderiu às chamadas práticas neoliberais pela via conservadora, mas como conseqüência de suas próprias pesquisas. O pensamento de FHC levou ao amálgama entre o partido dos tucanos e setores da direita tradicional, cujos reflexos se manifestaram tanto na economia quanto na política externa.

A atração de investimentos externos, nesse modelo, pressupunha ousado programa de desregulamentações, privatizações e desnacionalizações. Os ativos brasileiros, estatais e privados, além das taxas de juros oferecidas pelos títulos públicos, deveriam ser os instrumentos fundamentais de sedução ao capital estrangeiro. O Estado deveria, por fim, se resumir ao papel de comitê gestor desses negócios, nos quais aos empresários brasileiros seria oferecida a perspectiva de progredir como sócios minoritários da globalização.

Esse desenho econômico exigia ações correspondentes no plano internacional. A diplomacia deveria estar focada no estreitamento das relações com os chamados países desenvolvidos, especialmente Estados Unidos e União Européia, reduzindo ao máximo possível todas as arestas e conflitos que atrapalhassem a importação de capitais e a ampliação de crédito juntos às principais instituições financeiras mundiais.

Tal concepção, que situava o motor do desenvolvimento fora das fronteiras nacionais, tampouco era amigável a políticas de integração regional ou de relação com o hemisfério sul. A América Latina e a África, por exemplo, eram vistas apenas como espaços comerciais que poderiam ser ocupados se os fluxos mundiais robustecessem as empresas brasileiras. No máximo, regiões para onde poderiam ser exportados capitais excedentes das grandes companhias.

O objeto do desejo de FHC era a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), idealizada pelo governo Clinton em 1994. Correspondia à arquitetura perfeita para sua doutrina: os setores mais frágeis da economia nacional seriam abertos ao capital norte-americano, incluindo os serviços públicos, para que os segmentos mais fortes (particularmente o agronegócio) pudessem ter acesso desimpedido ao ambicionado mercado dos Estados Unidos.

A busca pela simpatia das potências ao norte levou à renúncia de compromissos históricos. O Brasil passou a flertar com o sionismo no Oriente Médio. A aceitar a utilização do tema de direitos humanos para marginalizar países que confrontassem a Casa Branca. A ser omisso diante de agressões militares contra nações, como a antiga Iugoslávia e o Iraque, que se rebelassem contra a ordem mundial fixada após o colapso da União Soviética.

Essa política internacional foi interrompida com a eleição de Lula, cristalizando aquela que talvez seja a maior mudança que o novo governo promoveu em relação ao anterior. Trata-se de hipótese razoável imaginar que Serra, eleito, promoveria o retorno aos velhos preceitos. Claro que poderia efetivar algumas adaptações, já que não estamos no mesmo mundo dos anos noventa. O naufrágio da Alca, por exemplo, parece irrevogável: mais simples seria o eventual presidente tucano buscar um tratado direto com Washington.

Mas dificilmente a lógica de sua política externa escaparia de uma volta ao passado, com danos para a integração da América Latina e benefícios para a estratégia norte-americana na região. A trajetória histórica é suficiente para se afirmar que o Brasil dos planos de Serra possivelmente abdicaria de pretensões autonomistas, para se reinserir como sócio menor do campo hegemônico. Mesmo que, por ora, o candidato mantenha sua posição protegida pelo silêncio eleitoral.

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quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O episódio Lula versus Otavinho

Reproduzo matéria de Luis Nassif, publicada em seu blog:

Não sei por que razão, na edição online não está a matéria da impressa, com a versão do Otávio Frias Filho para a grosseria cometida no almoço oferecido pelo jornal a Lula, em 2002. Na versão de Otávio, ele apenas questionou a falta de preparo de Lula. Mas a versão do Ricardo Kotscho descreve em detalhes a grosseria e desmente (a priori) a versão nova de Otávio.

Extrato do livro "Do golpe ao Planalto", de Ricardo Kotscho

O único problema mais sério que tivemos no relacionamento com a imprensa ao longo da campanha aconteceu por culpa minha. Lula já havia mantido encontros e participado de almoços com os dirigentes dos principais meios de comunicação, mas resistia a atender ao convite da Folha para o tradicional almoço com os diretores, editores e repórteres especiais. Quase toda semana, "seu" Frias ou alguém a seu pedido repetia o convite, que eu voltava a levar a Lula. Este alegava que noutras ocasiões tinha ficado contrariado com a maneira pouco cortês como fora tratado no jornal. Tanto insisti, que ele acabou me autorizando a marcar o almoço. Impôs, no entanto, que o número de participantes fosse reduzido, para que pudesse conversar melhor com o "seu" Frias.

Em razão de algum mal-estar ocorrido em almoços anteriores, dos quais não participei, o clima já não pareceu muito amigável desde o momento em que "seu" Frias recebeu Lula e José Alencar. Otávio Frias Filho ficou calado, enquanto Lula não parava de falar dos seus planos para o país e da importância de ter um vice como Alencar. Assim que os comensais sentaram à mesa, Frias Filho disparou a primeira pergunta: se Lula se sentia em condições de governar o país, mesmo sem ter se preparado para isso, não sabendo nem falar inglês. O candidato fez uma expressão de incredulidade, olhou prá mim como quem diz: "E eu tinha que ouvir isso?", engoliu em seco e deu uma resposta até tranqüila diante daquela situação constrangedora.

Como se tivessem sido ensaiadas, as perguntas seguiram no mesmo tom hostil ao convidado até que, já quase na hora em que seria servida a sobremesa, alguém quis saber como ele se sentia ao aceitar uma aliança com Paulo Maluf. O argumento era que, se o PL apoiava Maluf na eleição para governador de São Paulo, o candidato do PT a presidente também estaria se aliado ao político que mais combatera durante toda a história do partido. Não havia porém, nenhuma aliança em São Paulo entre o PP e o PT, que disputava a mesma eleição tendo como candidato o deputado federal José Genoíno. Foi a gota d'água. Lula não respondeu; levantou-se, dirigiu-se a "seu" Frias e comunicou: "O senhor me desculpe, mas não posso mais ficar aqui. Vou embora. Não posso aceitar isso, em nome da minha dignidade."

Ficou todo mundo paralisado. "Seu" Frias levantou-se também. Antes de sair, Lula ainda disse a Otavinho, o único que permaneceu na sala:"Eu não tenho culpa se você está nervoso porque teu candidato vai mal nas pesquisas". Para ele, a Folha estava apoiando José Serra. Pegando no braço do candidato, "seu" Frias o acompanhou até o elevador e depois até o carro, no estacionamento, com os outros todos caminhando atrás. "Nunca tinha acontecido isso antes na nossa casa", lamentou.


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Lula critica complexo de vira-lata da Folha



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Acertos e erros do encontro dos blogueiros

Por Altamiro Borges

Histórico, sensacional, emocionante, sucesso total. Estes e outros elogios, repetidos por várias pessoas, confirmam que o 1º Encontro Nacional dos Blogueiros Progressistas, realizado em São Paulo neste final de semana, foi um baita êxito. Ele é uma vitória de todos os que se envolveram na sua preparação, dos militantes virtuais espalhados pelo país que constroem este novo tipo de movimento social. Não há estrelas ou anônimos. Todos foram protagonistas deste grande êxito.

A idéia de um encontro de blogueiros é antiga. No ano passado, por exemplo, ela foi aventada no Fórum Social Mundial de Belém do Pará, em janeiro, e no Fórum de Mídia Livre, em dezembro. Mas sua realização precisou maturar e ganhou novo impulso na fundação do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, em 14 de maio deste ano. Na ocasião, o blogueiro Luis Carlos Azenha formalizou a proposta, que foi aprovada como prioridade pela jovem entidade.

Fruto dos avanços recentes

O encontro ocorreu no momento certo, decorrente do acúmulo de energias verificado nos últimos anos na luta pela democratização da comunicação. Cresce a consciência no país de que é preciso enfrentar a ditadura midiática, concentrada, verticalizada e manipuladora; e de que é urgente incentivar a pluralidade e a diversidade informativas, numa comunicação mais colaborativa e democrática. A 1ª Confecom, em dezembro passado, foi a expressão deste movimento.

Na própria semana do evento, dois fatos reforçaram estas idéias. O presidente Lula divulgou um vídeo sobre a contribuição dos internautas na ampliação da democracia. Já o tucano José Serra fez declarações levianas contra os “blogs sujos”, confirmando seu ódio à liberdade de expressão. Os dois episódios indicam que a blogosfera ganha força no país, que cresce seu papel na disputa de hegemonia na sociedade e que ela incomoda os que monopolizam os meios de comunicação.

Espírito generoso, militante, camarada

Entre os acertos, o 1º Encontro Nacional dos Blogueiros Progressistas superou as expectativas ao reunir quase 400 pessoas de 19 estados. Foram 330 inscritos, mas muita gente nem se inscreveu e transitou pelos três locais do evento – Sindicato dos Bancários, na festa de abertura, Sindicato dos Advogados, com dois grupos de discussão, e Sindicato dos Engenheiros, auditório dos principais debates, painéis e plenária final. A previsão inicial era de reunir 200 participantes.

Militantes virtuais, que nunca se viram na vida, puderam se conhecer, abraçar, beijar, gargalhar. O fim da “clandestinidade” do Senhor Cloaca, que produz um blog irreverente – com a cara do Barão de Itararé da era da internet –, representou bem este “encontro” de pessoas e sotaques que não se conheciam. O que predominou nos três dias do evento foi o espírito generoso, fraterno, militante e camarada, que ofusca as vaidades e rejeita as disputas aparelhistas mesquinhas.

A unidade na diversidade

Essa convivência democrática, ampla e plural garantiu outra marca positiva do encontro: a da sua diversidade. Apesar do clima pré-eleitoral, que sempre desperta paixões e rivalidades, pessoas de distintas filiações partidárias – muitas delas, sem qualquer vínculo político – procuraram conter o sectarismo e ajudar a preservar a unidade, indispensável na construção deste movimento. O que garantiu esta “unidade na diversidade” foi a idéia difusa de que é preciso fortalecer a blogosfera, multiplicar e qualificar seus fazedores, para enfrentar o poder descomunal dos donos da mídia.

Ainda sobre os acertos, vale elogiar a organização do encontro por sua capacidade de otimizar os trabalhos. Sem contratar nenhuma empresa especializada e sem experiência numa atividade desta dimensão, foi possível garantir hospedagem e refeição para os participantes. Não houve maiores traumas de estrutura no evento. Aqui cabe um agradecimento especial às 25 entidades sindicais e veículos progressistas que viabilizaram financeiramente o encontro – os “amigos da blogosfera”.

Ajustes para os próximos

Em síntese, o saldo geral foi altamente positivo e todos deixaram o evento na maior alegria. Mas ocorreram falhas, que precisam ser apontadas para futuras correções. Na logística, apesar de todo o empenho da galera do setor, houve dificuldades para viabilizar a transmissão ao vivo e o uso da internet – um pecado num encontro de blogueiros e twitteiros, sempre prontos a disparar os seus textos e imagens. Uma premissa para o próximo é garantir a rápida conexão para todos.

Já na programação, duas falhas graves. O tempo para os painéis e oficinas foi muito curto, o que impediu maiores contribuições dos palestristas e dos participantes. No próximo será preciso dar mais espaço para discussão sobre narrativas da internet (a linguagem dos blogs, o uso do twitter, a força das redes sociais, vídeos e áudio na blogosfera, entre outros temas que visam melhorar a qualidade deste trabalho militante). A mesma falha se manifestou nas reuniões em grupo, com pouco tempo para os presentes relatarem suas ricas experiências e apresentarem suas propostas.

Depois da ressaca, a saudade

Quanto à plenária final, de aprovação da “Carta dos Blogueiros”, peço desculpas por meus erros. Alguns me criticaram por “tratorar” as discussões, acelerando os trabalhos; outros me criticaram por excesso de democratismo, por repetir votações. Concordam com ambos. Por favor, “incluam-me fora desta” tarefa no próximo encontro nacional de blogueiros progressistas. Parabéns a todos nós! Passada a ressaca (nos dois sentidos) dos três dias do evento, já estou com saudades!

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Bomba! Serra já montou seu ministério

Reproduzo texto hilário publicado no blog do Professor Hariovaldo Almeida Prado:

Como a vitória agora é questão de dias, é hora de começarmos a analisar o futuro ministério de salvação nacional do governo Serra. Alguns nomes já estão certos, outros ainda são dúvidas. É importante que cada um de nós dê sua opinião sobre eles ou indique substitutos. Vamos conhecê-los:

Relações Exteriores: Fernando Henrique Cardoso;

Defesa: Nelson Jobim;

Justiça: Gilmar Mendes;

Banco Central: Salvatore Cacciola

Comunicações: Ali Kamel;

Saúde: Cacá Rosset;

Economia: (Serra está em dúvidas entre Sardenberg e Leitão)

Segundo sugestões dos homens bons que frequentam este sítio noticioso, poderemos ter também as seguintes pessoas nos ministérios indicados:

Minas e Energia: David Zylbersteyn

Pró-Álcool: Lucia Hipolitro.

Cultura: Arnaldo Jabor

O IBGE será gerido pelo Datafolha.

Trabalho: Chiquinho Scarpa

Turismo: Maitê Proença

Ministério do Acarajé: Cira de Itapuã

Ministério da Juventude: Soninha

Instituto Federal de Reeducação Social Henning Boilesen: Jair Bosolnaro

Previdência Social: Georgina de Freitas

Igualdade Racial: Demétrio Magnoli

Reforma Agrária e Agricultura Familiar: Kátia Abreu

Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres: Rogéria

Articulação Política: Índio da Costa

Esportes: Ricardo Teixeira

A chefia da Casa Civil ficará com a Condoleesa Rice, pois é assunto muito sério pra ser tratado por brasileiros.

O Instituto Rio Branco passará a se chamar Ronald Reagan Institute.

Diário Oficial será substituído pela Folha de São Paulo.

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Cloaca e o "réquiem para um tucano"



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Caros Amigos no encontro dos blogueiros

Reproduzo matéria de Kyra Piscitelli, publicada no sítio da revista Caros Amigos:

Personalidades, comunicadores e admiradores da blogsfera e do twitter se reuniram em São Paulo para debater a rede e a liberdade de expressão, durante o 1° Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas. Do encontro surgiram diversas ideias para incentivar e unir o segmento. Entre elas, está a previsão de encontros regionais, oficinas de software livres e uma cooperativa de blogs centralizados no Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé – idealizador do evento. Também foi reiterada a defesa pelo direito universal de acesso a internet e banda larga como constitucional e, principalmente, a neutralidade da rede, ou seja, o direito de todos acessarem da mesma forma e com a mesma velocidade a internet.

Realizado no Sindicato dos Engenheiros, nos dias 21 e 22 de agosto, o encontro teve 323 inscritos de 19 estados diferentes. “Temos que incentivar cada um a ter um blog para multiplicar. O blog dá direito da gente se expressar e ninguém pode nos barrar”, afirma Débora da Silva, do Movimento Mães de Maio.

A organização buscou refletir as diferentes opiniões e a pluralidade que existe na blogsfera no encontro. As mesas abrigaram debates sobre a importância dos blogs para a liberdade de expressão, questões jurídicas sobre grandes denúncias, as possibilidades de financiamento para a blogsfera, além de oferecer uma oficina para que os participantes conhecessem melhor as ferramentas disponíveis nas plataformas. Também foi lembrada a importância de se ter provas do que se escreve para se resguardar em possíveis processos. “Esse encontro fortalece esses laços e cria uma agência informal para unir essas pessoas”, disse o blogueiro Rodrigo Vianna.

No encontro, o blog Cloaca News recebeu o troféu Barão de Itararé, como o Blog do Ano. Além do troféu destaque do ano, um troféu satírico chamado “O Corvo” foi oferecido para Judith Brito, re-eleita presidente da ANJ (Associação Nacional dos Jornais) e diretora-superintendente do jornal Folha de S.Paulo. O troféu será entregue por sedex.

Repúdio a Serra

Uma declaração do candidato à presidência da república do PSDB, José Serra, indignou as diversas forças políticas, movimentos sociais e pessoas ali presentes. Ele acusou o governo de financiar “blogs sujos” que “patrulham” jornalistas.

Em resposta a Serra, Paulo Henrique Amorim disse que a calúnia dita pelo candidato demonstra como se dá a “criminalização dos blogs” no Brasil. O blogueiro e apresentador da TV Record ainda pediu apoio ao blog Cloaca News para processar o tucano. “Vamos ajudar a financiar o Cloaca News, que entrará na Justiça para que Serra diga quem são os blogs sujos”.

Quem também não deixou passar em branco as declarações de Serra foi o organizador do evento, Altamiro Borges. “Aqui não tem dinheiro do governo. O dinheiro vem dos blogueiros, dos movimentos sociais e dos veículos progressistas. Isso vai tudo para a internet com nota fiscal para ninguém falar nada”.

Prestação de contas

A organização estima que gastou em torno de R$ 36 mil reais entre, por exemplo, etiquetas, som, certificados além de hospedagem para quem veio de fora São Paulo, almoço para todos no sábado e lanche no domingo.

Quanto à arrecadação só a inscrição, que custava R$ 20 reais para estudantes e R$ 100 reais para os restantes, conseguiu R$ 41 mil reais. Como o evento também ofereceu cotas para movimentos sociais, veículos e blogueiros, o total chegou a cerca de R$ 76 mil reais.

Os R$ 40 mil reais que sobraram, segundo Miro, serão guardados para o próximo Encontro Nacional do Blogueiros Progressistas. Sem local definido, ficou decido que acontecerá no mês de maio, já que assim evita-se que o evento se misture com agenda ou campanha política nos anos em que ocorrer eleições.

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Grita São Paulo no encontro de blogueiros



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A carta de Lúcio Flávio aos blogueiros

Reproduzo artigo de Conceição Lemes, publicado no blog Viomundo, e a íntegra da carta do jornalista Lúcio Flávio Pinto:

O jornalista Lúcio Flávio Pinto, de Belém (PA), é ganhador dos principais prêmios de Jornalismo no Brasil. É um exemplo de ética, coragem, competência e dignidade para todos nós que atuamos na imprensa.

Por falar a verdade contra os poderosos do Pará, responde a vários processos. Desde que eles começaram, Lúcio Flávio procurou oito escritórios de advocacia de Belém. Nenhum aceitou defendê-lo.

A sua participação estava prevista no 1º Encontro Nacional de Blogueiros Progressitas. No entanto, não pode comparecer, pois na segunda-feira teve de apresentar agravo a um dos processos.

Para representá-lo, veio o filho Angelim Pinto. Em nome de Lúcio Flávio, leu esta mensagem aos participantes do encontro. Palmas da plateia interromperam-na várias vezes:

Caros amigos blogueiros

Sinto-me muito honrado pelo convite, que devo ao Azenha e à Conceição Lemes, para participar deste encontro. É uma iniciativa generosa e gentil para com um analfabeto digital, como eu. Garanto que sou capaz de ligar e desligar um computador, de enviar e receber mensagens. Não garanto nada a partir daí.

Como, então, estou aqui? Sou – digamos assim – um blogueiro avant la léttre. Não podendo ser um tigre, posto que sou Pinto, fui precursor na condição de blogueiro de papel – e no papel. Às vezes, por necessidade, também um tigre in fólios – e nada mais do que isso.

Em 1987, eu tinha 38 anos de idade e 22 de profissão e me vi diante de um dilema.

Numa vertente, a carreira profissional bem assentada em O Estado de S. Paulo, então com 16 anos de “casa”, e também no grupo Liberal, a maior corporação de comunicação do norte do país, no qual tinha 14 anos, com um rompimento pelo meio, quando tentaram me censurar, logo superado pelo restabelecimento da minha liberdade de expressão.

Na outra vertente, uma matéria pronta, importante, mas que não encontrava quem a quisesse publicar. Era o desvendamento do assassinato do ex-deputado estadual Paulo Fonteles, por morte de encomenda, executada na área metropolitana de Belém, o primeiro crime político em muitos anos na capital do Pará. O Estadão publicara todas as matérias que eu escrevera até então sobre o tema. Mas aquela, que arrematava três meses de dedicação quase exclusiva ao assunto, era, segundo o editor, longa demais.

Já O Liberal a considerava impublicável porque ela apontava como envolvidos ou coniventes com a organização criminosa alguns dos homens mais poderosos da terra, dois deles listados entre os mais ricos. Eram importantes anunciantes. Ao invés de me submeter, decidi ir em frente.

Aí, há 23 anos nascia o Jornal Pessoal, sem anunciantes, feito unicamente por mim, assemelhando-se aos blogs de hoje. Um blog impresso no papel, que exerceu na plenitude o direito de proclamar a verdade, sobretudo as mais incômodas aos poderosos.

Em janeiro de 2005, depois de muitas ameaças por conta desse compromisso, fui espancado por Ronaldo Maiorana, um dos donos do grupo do grupo Liberal, que na época era simplesmente o presidente da comissão em defesa da liberdade de imprensa da OAB do Pará. Eu estava almoçando ao lado de amigos em restaurante situado num parque público de Belém, quando agressor me atacou pelas costas, contando com a cobertura de dois policiais militares, que usava – e continua a usar – como seus seguranças particulares.

Qual a causa da brutalidade? Um artigo que publiquei dias antes sobre o império de comunicação do agressor. O texto não continha inverdades, não era ofensivo, nem invadia a privacidade dos personagens. Mas desagradava aos senhores da comunicação. Embora tendo a emissora de televisão de maior audiência do Estado, afiliada à Rede Globo, o jornal que ainda era o líder do segmento (já não é mais) e estações de rádio, não usaram seus veículos para me contraditar ou mesmo atacar com o produto que constitui seu negócio, a informação.

O que resultou dessa agressão? Da minha parte, a comunicação do fato à polícia, que enquadrou o criminoso na forma da lei. Mas o agressor fez acordo com o Ministério Público do Estado, entregou cestas básicas a instituições de caridade (uma delas ligada à família Maiorana) e permaneceu solto, com sua primariedade criminal intacta. Já o agressor, com a cumplicidade do irmão mais velho e mais poderoso, ajuizou contra mim 14 ações na justiça, nove delas penais, com base na Lei de Imprensa da ditadura militar, e cinco de indenização.

O objetivo era óbvio: inverter os pólos, fazendo-me passar da condição de vítima para a de réu. Em quatro das ações eu era acusado de ofender os irmãos e sua empresa por ter dito que fui espancado, quando, segundo eles, eu fui “apenas” agredido. Mais um dentre vários absurdos aviltantes, aos quais a justiça paraense se tem prestado – e não apenas aos Maiorana, já que me condenou por ter chamado de pirata fundiário o maior grileiro de terras do Pará e do universo, condição provada pela própria justiça, que demitiu por justa causa todos os funcionários do cartório imobiliário de Altamira, onde a fraude foi consumada, colocando ao alcance do grileiro pretensão sobre “apenas” cinco milhões de hectares.

Os poderosos, que tanto se incomodam com o que publico no Jornal Pessoal, descobriram a maneira de me atingir com eficiência. Já tentaram me desqualificar, já me ameaçaram de morte, já saíram para o debate público e não me abateram nem interromperam a trajetória do meu jornal. Porque em todos os momentos provei a verdade do que escrevi. Todos sabem que só publico o que posso provar. Com documentos, de preferência oficiais ou corporativos. Nunca fui desmentido sobre fatos, o essencial dos temas, inclusive quando os abordo pioneiramente, ou como o único a registrá-los. Não temo a divergência e a contradita. Desde então, os Maiorana já me processaram 19 vezes.

Nenhuma das sentenças que me foram impostas transitou em julgado porque tenho recorrido de todas elas e respondido a todas as movimentações processuais, sem perder prazo, sem deixar passar o recurso cabível, reagindo com peças substanciais. O que significa um trabalho enorme, profundamente desgastante.

Desde 1992, quando a família Maiorana propôs a primeira ação, procurei oito escritórios de advocacia de Belém. Nenhum aceitou. Os motivos apresentados foram vários, mas a razão verdadeira uma só: eles tinham medo de desagradar os poderosos Maiorana. Não queriam entrar no seu índex. Pretendiam continuar a brilhar em suas colunas sociais, merecer seus afagos e ficar à distância da sua eventual vendetta. Contei apenas com dois amigos, que se sucederam na minha defesa até o limite de suas resistências, de um tio, que morreu no exercício do meu patrocínio, e, agora, com uma prima, filha dele.

Apesar de tantas decisões contrárias, ainda sustento minha primariedade. Logo, não posso ser colocado atrás das grades, objeto maior do emprenho dos meus perseguidores. Eles recorrem ao seu cinto de mil utilidades para me isolar e me enfraquecer.

Não posso contar nem mesmo com o compromisso da Ordem dos Advogados do Brasil. Seu atual presidente nacional, o paraense Ophir Cavalcante Júnior, quando presidente estadual da entidade, firmou o entendimento de que sou perseguido e agredido não por exercer a liberdade de imprensa, o direito de dizer o que sei e o que penso, mas por “rixa familiar”.

No entanto, dos sete filhos de Romulo Maiorana, criador do império de comunicações, só três me atacam, com palavras e punhos. Dos meus sete irmãos, só eu estou na arena. Nunca falei da vida privada dos Maiorana. Só me refiro aos que, na família, têm atuação pública. E o que me interessa é o que fazem para a sociedade, inclusive no usufruto de concessão pública de canal de televisão e rádio. E fazem muito mal a ela, como tenho mostrado – e eles nunca contraditam.

Crêem que, me matando em vida, proibindo qualquer referência a mim e meus parentes, e silenciando sobre tudo que fazem contra mim na permissiva e conivente justiça local, a história dessa iniqüidade jamais será escrita porque o que não está nos seus veículos de comunicação não está no mundo. Não chegaria ao mundo porque o controlam, a ponto tal que tem sido vão meu esforço de fazer a Unesco, que tem parceria com a Associação Nacional de Jornais, incluir meu caso na relação nacional de violação da liberdade de imprensa.

O argumento? Não se trata de liberdade de imprensa e sim de “rixa familiar”. O grupo Liberal, por mera coincidência, é um dos seis financiadores do portal Unesco/ANJ.

Após os Maiorana, o dilúvio. A maior glória do Jornal Pessoal é nunca ter sido derrotado no terreno que importa à história: o da verdade. Enquanto for possível, as páginas do Jornal Pessoal continuarão a ser preenchidas com o que o jornalismo é capaz de apurar e divulgar, mesmo que, como um Prometeu de papel, o seu ventre seja todo extirpado pelos abutres.

Eles são fortes, mas, olhando em torno, vejo que há mais gente do outro lado, gente que escreve o que pensa, apura sobre o que vai escrever e não depende de ninguém para se expressar, mesmo em condição de solidão, de individualidade, como os blogueiros, que hoje, generosamente, me acolhem nesta cidade que fiz minha e que tanto amo, como se estivesse na minha querida Amazônia.


Solidariedade

Durante o 1º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, vários participantes solicitaram a conta para colaborar com o Lúcio Flávio nesta luta . Ficou decidido que forneceríamos depois. Aqui, está. Obrigadíssima a todas e todos pela solidariedade.


UNIBANCO (banco 409)
Conta: 201.512-0
Agência: 0208
CPF: 610.646.618-15

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Kirchner acusa jornais de apropriação ilegal

Reproduzo matéria publicada no sítio Carta Maior/Página 12:

A presidente Cristina Fernández de Kirchner apresentou, na noite desta terça, um relatório de mais de 20 mil páginas acusando os donos dos principais jornais do país de envolvimento em crimes cometidos durante a ditadura. No relatório, intitulado “Papel Prensa, a Verdade”, o governo denuncia os proprietários dos jornais La Nación, Clarín e do extinto La Razón de terem se apropriado ilegalmente e mediante ameaças da maior empresa fornecedor de papel jornal do país na época da ditadura, a Papel Prensa, em novembro de 1976.

O governo argentino denunciou, na noite desta terça-feira (24), a apropriação ilegal da empresa “Papel Prensa” (maior empresa fornecedora de papel jornal do país) por parte dos jornais Clarín, La Nación e La Razón.

A presidente Cristina Fernández de Kirchner, acompanhada de todo o seu gabinete, dos presidentes de ambas as câmaras, funcionários, dirigentes políticos empresários e de representantes de organizações sociais recebeu o informe elaborado pela Comissão Oficial formada especialmente para investigar a transferência das ações da empresa do Grupo Graiver (antigo proprietário de Papel Prensa) aos proprietários dos jornais Clarín, La Nación e La Razón. Essas empresas (durante a ditadura) “necessitavam das ações classe A para assumir o controle da empresa”, fato comunicado naquela época, nos três jornais, por meio de uma nota afirmando que “tomavam o controle da empresa conforme acordo prévio com a Junta de Comandantes” da ditadura.

Cristina Fernández de Kirchner afirmou que “no caso do Clarín ocorreu a coincidência entre quem fabrica o papel e quem controla a palavra impressa”. Ela denunciou as condições políticas nas quais a transferência das ações se deu, num país em que só existia a “liberdade ambulatória”. Denunciou também que, anos depois, por causa da falência do La Razón, os jornais controladores da empresa “acordaram um pacto de sindicalização de ações”, para controlar as decisões da companhia.

Assegurou, além disso, que a viúva de David Graiver, Lidia Papaleo, foi detida cinco dias depois de ter assinado a transferência das ações da empresa do marido, para evitar que a empresa caísse na interdição dos bens da família ordenada pela Junta militar. Por último, afirmou que “apesar de que estou convencida de como as coisas aconteceram, o Procurador do Tesouro fará a denúncia correspondente para que a Justiça determine as condições nas quais se realizou a transferência das ações da empresa” e antecipou que enviará ao Congresso um projeto de lei para “declarar de interesse público a produção de pasta de celulose e do papel jornal, bem como sua distribuição e comercialização, e para estabelecer o marco regulatório deste insumo básico, que garanta um tratamento igualitário para todos os jornais da República.”

Integrante da Comissão, Alberto González Arzac afirmou que “o informe constitui uma refutação definitiva das versões sobre a história da empresa Papel Prensa S/A que os jornais Clarín e La Nación publicaram em suas edições de 2 de março e de 4 de abril deste ano.

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Autorregulamentação, mais do mesmo

Reproduzo artigo do jornalista e escritor Washington Araújo, publicado no Observatório da Imprensa:

Na quinta-feira (19/8), a Associação Nacional de Jornais (ANJ) veio à boca do palco para anunciar a criação de um conselho de autorregulamentação como forma de reiterar o compromisso da entidade com a liberdade de expressão e com a responsabilidade editorial. De acordo com a presidente da ANJ, Judith Brito, reeleita no dia 20, a entidade organizará até o final do ano um conselho autônomo, destinado a examinar queixas contra periódicos afiliados e impor eventuais sanções. E nunca escrevi um texto de abertura que demandasse tantas explicações, tanta necessidade de se colocar o assunto às claras como este.

O que passou a serem favas contadas e tratadas como instância deliberativa "mais que oportuna" pela quase totalidade dos grandes blocos empresariais de comunicação no Brasil, os mesmos que dão suporte físico e algum tipo de substância à sua entidade porta-voz, longe de acenar com algo útil, trouxe ao debate, uma vez mais, a desconcertante existência do monopólio da comunicação no Brasil que avança no século 21, sem perceber a força de enxurrada arrancando ideias arcaicas como a que sustentava a indústria da seca, e outras não menos letais que teimavam em rotular brasileiros em duas classes apenas – os do Sul-Sudeste, ricos e opulentos e os do Norte-Nordeste-Centro-Oeste, prisioneiros de crônica falta de meios elementares para sua subsistência física.

No entanto, ficou patente que é muito mais fácil mudar o curso do Rio São Francisco e também muito mais factível o Brasil constatar o mais vigoroso processo de mobilidade social que se tem notícia nos últimos séculos que o país democratizar o acesso aos meios de comunicação e transformar o direito de expressão em conquista não de um punhado empresas de comunicação, mas sim uma conquista de sociedade como um todo.

Três interrogações

Nada soa mais extemporâneo no momento por que passa o país que a criação de um Conselho de Autorregulamentação. Extemporâneo por quê?

Oras, alguém já teve a feliz e oportuna idéia de criar um Conselho de Autorregulamentação para os presidiários do país? Um conselho com força para evitar rebeliões, motins, assegurar a segurança da população carcerária, dos agentes públicos etc?

Alguma entidade de classe das operadoras de telefonia celular já teve a brilhante iniciativa de propor a criação de um Conselho de Autorregulamentação como algo viável para coibir os milhares de abusos cometidos por suas afiliadas, desde aquela comezinha falha de cobrar taxas e impostos do tipo "se colar, colou" até a de não prover com rapidez e eficiência o direito do usuário à sua portabilidade?

Não chama a atenção o fato de que, até o momento, nenhuma entidade representativa dos proprietários de transporte público (ônibus, vans etc.) tenha criado o seu Conselho de Autorregulamentação com a missão de punir os motoristas que mostram descaso com seus usuários, dirigem em alta velocidade, não param nos pontos designados, freiam bruscamente, arrancam antes mesmo de o passageiro estar completamente dentro do veículo?

A presidente Judith Brito promete que será um conselho autônomo, destinado a examinar queixas contra periódicos afiliados e impor eventuais sanções. Autônomo? Como assim? O cordão umbilical do conselho em gestação não derivaria, em absoluto, de sua entidade-mater, a ANJ?

Sei não, depois que o monobloco da comunicação no Brasil decidiu tutelar o conceito de liberdade de expressão parece que tudo é possível. A começar por iniciativa como esta que já nasce fadada ao descrédito: como tratar de julgar com objetividade matéria de natureza eminentemente subjetiva?

É sintomático recolher do editorial da Folha de S.Paulo de segunda-feira (23/8) estas pérolas:

"Setores autoritários do bloco hoje dominante na política brasileira, o de Lula e Dilma, acenam com um controle `social´ sobre a mídia. Mas como formar um conselho representativo? Como evitar que esse conselho seja dominado pela militância em nome da `sociedade´? Como assegurar que suas decisões sejam `certas´?"

E não seriam estas mesmíssimas três interrogações que inviabilizam logo de saída o anunciado Conselho de Autorregulamentação a ser indicado pela ANJ? Como formar um conselho representativo se quem o cria representa tão somente um espectro – majoritário, sem dúvida – das empresas de comunicação do Brasil?

Fim do ano

Apenas a título de exemplo, como imaginar que revistas como CartaCapital e Caros Amigos "se sintam representadas" em tal conselho?

E o jornalismo da internet, uma realidade que assoma os olhos por sua pujança e vigor nos últimos anos, como estariam representadas se não são subsidiários de portais mantidos por empresas como as Organizações Globo, a Editora Abril, os jornais Folha de S.Paulo e Estado de S.Paulo?

E os blogues, por alguns chamados logo de início como "sujos"? Quem representaria os "sujos" no conselho de autorregulamentação? Ou então este seria apenas um conselho dos "cheirosinhos"?

Como evitar que esse conselho proposto pela ANJ seja dominado exatamente por aqueles que mais se dizem porta-vozes da sociedade, muito embora não tenham recebido qualquer procuração da população para tal, seja por meio de eleições livres e universais, seja através de consultas plebiscitárias? A não se encontrar resposta plausível a esta pergunta, penso que a nova instância nada acrescentaria ao status quo de nossas comunicações no Brasil. Ao contrário, visaria tão somente legitimar a prepotência dos que muito podem sobre os que nunca podem, dos que têm direito a falar e a ser ouvidos sobre os que têm, quando muito, apenas o direito de falar, mas nunca o de ser ouvidos.

E, missão impossível mesmo seria a busca de meios que pudessem assegurar que as decisões do novo rebento da ANJ sejam "certas". Sim, porque é de todo impensável, em pleno século 21, acreditar que é justo... decidir em causa própria.

Ora, nem vamos muito longe com o andor porque os santos continuam sendo de barro: não é da praxe jurídica que a isenção por parte de quem julga é essencial para se obter julgamento justo?

E não é por isso que juízes devem se "declarar impedidos" quando têm interesses próprios em julgamento e, se não o fizerem, a parte prejudicada poderá requerer simplesmente a nulidade do mesmo?

Vamos ver se até o dia 31 de dezembro de 2010 seremos brindados com respostas a tais questões. Até lá, esperemos mais, cada vez mais, do mesmo.

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