Reproduzo o projeto de lei número 3323/2010 apresentado pelo deputado estadual Paulo Ramos (PDT), que cria o Conselho Estadual de Comunicação Social do Estado do Rio de Janeiro (CECS-RJ):
A Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro resolve:
Art. 1º - O Conselho Estadual de Comunicação Social do Estado do Rio de Janeiro (CECS-RJ), órgão colegiado integrante da Secretaria da Casa Civil do Estado do Rio de Janeiro, com sede nesta capital e jurisdição em todo o território estadual, tem por finalidade formular e acompanhar a execução da política estadual de comunicação, exercendo funções consultivas, normativas, fiscalizadoras e deliberativas, respeitando os dispositivos do Capítulo V da Constituição Federal de 1988.
Art. 2º - Compete ao Conselho Estadual de Comunicação Social do Estado do Rio de Janeiro (CECS-RJ) definir a política de comunicação do Estado do Rio de Janeiro; realizar estudos, pareceres, recomendações, acompanhando o desempenho e a atuação dos meios de comunicação locais, particularmente aqueles de caráter público e estatal; e empreender outras ações, conforme solicitações que lhe forem encaminhadas por qualquer órgão dos três poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) ou por qualquer entidade da sociedade, sempre visando à efetivação do direito à comunicação, garantindo a liberdade de manifestação de pensamento, criação, expressão e de livre circulação da informação.
Art. 3º - São objetivos do Conselho Estadual de Comunicação Social do Estado do Rio de Janeiro:
I – garantir o exercício da mais ampla democracia em todas as suas ações e instâncias da sociedade, buscando sempre a unidade na ação;
II – orientar suas ações por princípios éticos e de igualdade, participação e representação da pluralidade da sociedade, priorizando o debate sobre temas referentes às liberdades de expressão individuais e coletivas, balizado na justiça social e na garantia dos direitos humanos;
III – defender o exercício do direito de livre expressão, de geração de informação e de produção cultural;
IV - formular e apresentar proposições que contribuam para uma melhor aplicação e cumprimento das normas constitucionais contidas no capítulo referente à comunicação social estadual;
V - propor medidas que visem o aperfeiçoamento de uma política estadual de comunicação social, com base nos princípios democráticos e na comunicação como direito humano, estimulando o acesso, a produção e a difusão da informação de interesse coletivo;
VI - participar da elaboração do Plano Estadual de Políticas Públicas de Comunicação Social, aprová-lo e acompanhar a sua execução;
VII - orientar e fiscalizar as atividades dos órgãos de radiodifusão sonora ou de imagem sob jurisdição do Estado, estimulando o fortalecimento da rede pública de comunicação de modo que ela tenha uma participação mais ativa na execução das políticas de comunicação do Estado do Rio de Janeiro;
VIII - monitorar, receber denúncias e encaminhar parecer aos órgãos competentes sobre abusos e violações de direitos humanos nos veículos de comunicação no Estado do Rio de Janeiro;
IX – fomentar a produção e difusão de conteúdos de iniciativa estadual, observadas as diversidades artísticas, culturais, regionais e sociais do Estado do Rio de Janeiro;
X – aprovar parâmetros normativos que estipulem a melhor distribuição das verbas publicitárias do Estado com base em critérios que garantam a diversidade e pluralidade, não enfatizando apenas a audiência e evitando a concentração de mercado;
XI – fomentar, por todas as suas instâncias e meios, a democratização da comunicação e da informação, estimulando a comunicação comunitária como instrumento potencializador e diversificador da comunicação social no Estado;
XII - promover o debate e o desenvolvimento de projetos e serviços de comunicação comunitária como espaço necessário para a reflexão sobre os assuntos de interesse geral e democratização da produção e acesso à informação, pautado pelas noções de participação da sociedade e de preservação do interesse público;
XIII – implementar políticas de capacitação dos cidadãos para leitura crítica dos meios de comunicação, nas suas diversas modalidades e para o debate da estética, dos conteúdos, da linguagem e das técnicas empregadas na produção das mensagens midiáticas;
XIV – acompanhar o cumprimento das normas relativas à propaganda comercial produzida e/ou veiculada localmente, referentes a tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos, terapias, exploração sexual, jogos de azar e outros, nos meios de comunicação locais;
XV – verificar o cumprimento das normas sobre diversões e espetáculos públicos em âmbito estadual;
XVI – observar e produzir, semestralmente, relatórios sobre a produção e programação das emissoras de rádio e televisão locais no que se refere ao cumprimento de suas finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
XVII – promover a produção independente e a regionalização da produção cultural, artística e jornalística nos meios de comunicação locais;
XVIII – estimular o processo de complementaridade dos sistemas de radiodifusão público, estatal e privado, em âmbito estadual;
XIX – sugerir legislação complementar quanto aos dispositivos constitucionais referentes à comunicação social local, principalmente no que diz respeito à utilização e distribuição dos recursos relativos às verbas publicitárias públicas e suas implicações políticas, estabelecendo critérios para repartição equitativa das dotações orçamentárias destinadas à publicidade oficial, fiscalizar o cumprimento do que prevê a Constituição Federal, em seu Artigo 37, § 1º, que veda o uso do erário para promoção pessoal de autoridades públicas;
XX – efetuar ações em defesa da dignidade da pessoa humana em relação a programas de emissoras de rádio e televisão que contrariem o disposto na Constituição Estadual, Constituição Federal, Declaração Universal dos Direitos Humanos, tratados internacionais e em outras legislações pertinentes à matéria;
XXI – exercer permanente vigilância quanto ao cumprimento da legislação e das normas que regulamentam a radiodifusão e as telecomunicações e sempre que necessário pedir esclarecimentos às Delegacias Regionais do Ministério das Comunicações (Minicom) e
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) sobre a situação das emissoras locais e os processos de outorga, renovação de concessão e autorização de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens, ao mesmo tempo formalizar denúncia junto a esses órgãos quando alguma emissora de rádio e/ou televisão desrespeitar a legislação pertinente;
XXII – encaminhar e acompanhar junto aos órgãos competentes, denúncias relativas a atitudes preconceituosas de gênero, sexo, raça, credo, classe social e outros, nos meios de comunicação locais;
XXIII – promover intercâmbio científico, cultural e político com outros Conselhos de Comunicação Social, nos âmbitos municipal, estadual e nacional;
XXIV – propor e estimular a celebração de convênios com organismos municipais, estaduais, nacionais e internacionais, públicos ou privados, objetivando a implementação de políticas, programas, objetivos e finalidades do Conselho, obedecendo aos dispositivos legais;
XXV – incentivar medidas de adoção de políticas de adaptação às novas contingências surgidas das inovações tecnológicas, inclusive sugerindo programas de universalização do acesso de qualquer pessoa ou instituição de interesse público aos serviços de telecomunicações, independente de sua localização e condição sócio-econômica, bem como as destinadas a permitir a utilização das telecomunicações em serviços essenciais de interesse público;
XXVI – propor e incentivar a implantação de acessos individuais para prestação de serviço de telecomunicações (inclusive internet) e TVs por assinatura (a cabo e satélite), em condições favoráveis a estabelecimentos públicos de ensino, bibliotecas, instituições de saúde, órgãos de segurança pública; e
XXVII – decidir sobre quaisquer medidas e/ou atividades que visem à execução de suas atribuições, objetivos e finalidades.
Art. 4º - O Conselho Estadual de Comunicação Social é constituído por 25 (vinte e cinco) membros titulares, com respectivos suplentes, a saber:
I) seis do Poder Público:
a) 1 (um) representante da Secretaria da Casa Civil, a ser indicado pelo (a) titular da pasta;
b) 1 (um) representante da Secretaria de Cultura, a ser indicado pelo (a) titular da pasta;
c) 1 (um) representante da Secretaria de Ciência e Tecnologia, a ser indicado pelo (a) titular da pasta;
d) 1 (um) representante da Assembléia Legislativa, a ser indicado pelo (a) presidente do Poder Legislativo Estadual;
e) 1 (um) representante da representante do Ministério Público Federal, a ser indicado pelo(a) Procurador(a)-chefe no Estado do Rio de Janeiro.
f) 1 (um) representante das escolas de comunicação (públicas e particulares), escolhido em eleição entre as faculdades de comunicação previamente cadastradas junto à Secretaria da Casa Civil.
II) oito da sociedade civil – Produtores e Difusores:
a) 1 (um) representante das empresas de radiodifusão sonora (rádio), escolhido (a) em eleição entre as empresas de rádio com sede no Estado do Rio de Janeiro previamente cadastradas previamente junto à Secretaria da Casa Civil;
b) 1 (um) representante das empresas de radiodifusão audiovisual (TV), escolhido (a) em eleição entre as empresas de TV com sede no Estado do Rio de Janeiro previamente junto à Secretaria da Casa Civil;
c) 1 (um) representante das empresas de mídia impressa (jornais e revistas), escolhido (a) em eleição entre as empresas de impresso com sede no Estado do Rio de Janeiro previamente cadastradas junto à Secretaria da Casa Civil;
d) 1 (um) representante das empresas de telecomunicação, escolhido (a) em eleição entre as empresas de telecomunicação com sede no Estado do Rio de Janeiro previamente cadastradas junto à Secretaria da Casa Civil;
e) 1 (um) representante dos veículos não-comerciais (jornais, rádios e TVs comunitários ou universitários), escolhido (a) em eleição entre os veículos não-comerciais com sede no Estado do Rio de Janeiro previamente cadastrados previamente junto à Secretaria da Casa Civil;
f) 1 (um) representante das agências de publicidade, escolhido (a) em eleição entre as empresas de publicidade com sede no Estado do Rio de Janeiro previamente cadastradas junto à Secretaria da Casa Civil;
g) 1 (um) representante das empresas de mídia exterior, escolhido (a) em eleição entre as empresas de midia externa previamente cadastradas junto à Secretaria da Casa Civil;
h) 1 (um) representante dos produtores de cinema e audiovisual, escolhido (a) em eleição entre as produtoras de audiovisual previamente cadastradas junto à Secretaria da Casa Civil;
III – dez da sociedade civil - Trabalhadores e Consumidores:
a) 1 (um) representante do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Rio de Janeiro indicado (a) pela diretoria do sindicato;
b) 1 (um) representante do discentes dos cursos de Comunicação Social sediados no Estado do Rio de Janeiro, escolhido (a) em eleição entre as entidades representativas dos estudantes previamente cadastradas junto à Secretaria da Casa Civil;
c) 1 (um) representante da sociedade civil organizada I, escolhido (a) em eleição entre as entidades com atuação na comunicação e na cultura ou em áreas afins previamente cadastradas junto à Secretaria da Casa Civil;
d) 1 (um) representante da sociedade civil organizada II, escolhido(a) em eleição entre as entidades com atuação na comunicação e na cultura ou em áreas afins previamente cadastradas junto à Secretaria da Casa Civil;
e) 1 (um) representante da sociedade civil organizada III, escolhido(a) em eleição entre as entidades com atuação na comunicação e na cultura ou em áreas afins previamente cadastradas junto à Secretaria da Casa Civil;
f) 1 (um) representante do movimento Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT), escolhido (a) em eleição pelo primeiro plenário do Conselho a partir de indicações;
g) 1 (uma) representante do movimento de mulheres, escolhida em eleição pelo primeiro plenário do Conselho a partir de indicações recebidas pela Secretaria da Casa Civil;
h) 1 (um) representante do movimento de pessoas com deficiência, escolhido (a) em eleição pelo primeiro plenário do Conselho a partir de indicações recebidas pela Secretaria da Casa Civil;
i) 1 (um) representante do movimento negro ou dos povos indígenas, escolhido (a) em eleição pelo primeiro plenário do Conselho a partir de indicações recebidas pela Secretaria da Casa Civil;
j) 1 (um) representante do movimento de jovens ou de crianças e adolescentes, escolhido (a) em eleição pelo primeiro plenário do Conselho a partir de indicações recebidas pela Secretaria da Casa Civil;
Art. 5º - A função de membro do Conselho Estadual de Comunicação Social do Estado do Rio de Janeiro é considerada de interesse público relevante e não será remunerada.
Art. 6º - A escolha dos representantes da sociedade civil no Conselho será feita por meio de processo eleitoral, a ser realizado a cada três anos, contados a partir da primeira eleição, à exceção das indicações já previstas no Art. 4º.
§ 1º Cada entidade com representação no Conselho indicará o nome de dois (duas) representantes, sendo um (a) titular e um (a) suplente;
§ 2º Os membros do Conselho e seus (suas) respectivos (as) suplentes cumprirão mandato de 02 (dois) anos, não sendo permitida recondução;
§ 3º Os representantes do movimento negro e do movimento de jovens efetuarão rodízio de titularidade, a cada mandato, com os representantes dos povos indígenas e do movimento de criança e adolescente, respectivamente.
§ 4º Somente poderão participar do processo eleitoral, como eleitor ou candidato, representantes de entidades que tenham, no mínimo, um ano de comprovada existência, independentemente de registro legal (CNPJ).
Art. 7º - O processo eleitoral para a escolha das entidades que indicarão representantes em substituição aos atuais membros do Conselho, será realizado em até noventa dias, contados da publicação da publicação desta Lei, em conformidade com o regimento eleitoral a ser aprovado pelo plenário do Conselho Estadual de Comunicação Social, homologado pelo (a) titular da Secretaria da Casa Civil e publicado no
Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro em forma de resolução.
Parágrafo Único – Concluída a eleição referida no caput e designados os novos representantes do Conselho Estadual de Comunicação Social, caberá ao Secretário(a) da Casa Civil convocar e presidir a reunião em que tomarão posse os conselheiros e em que se realizará a eleição do Presidente do Conselho.
Art. 8º - A escolha da primeira formação do Conselho se dará por regimento formulado exclusivamente pela Secretaria da Casa Civil, publicado no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro em forma de resolução.
Art. 9º - O Conselho Estadual de Comunicação Social elaborará o seu regimento interno que deverá ser publicado no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro no prazo de 60 dias a partir da posse dos seus membros.
Art. 10 - As despesas com o funcionamento do Conselho Estadual de Comunicação são cobertas por orçamento próprio por ele proposto e cuja dotação consta do orçamento do Estado do Rio de Janeiro.
Art. 11 - O Poder Executivo regulamentará esta Lei, no que couber.
Art. 12 - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Plenário Barbosa Lima Sobrinho, 26 de outubro de 2010
Deputado PAULO RAMOS
JUSTIFICATIVA
A proposta de criação do Conselho foi uma das 600 sugestões aprovadas na Conferência Nacional de Comunicação realizada em dezembro de 2009 em Brasília. Antes do encontro nacional, cada Estado promoveu sua conferência, além de encontros nos municípios.
O mérito desta proposição visa instituir um Órgão que possibilite ao Estado estar presente na defesa do interesse público no que tange ao desenvolvimento e à formulação de políticas estaduais voltadas para a valorização e fiscalização dos princípios constitucionais referentes à comunicação.
Ademais não podemos deixar de considerar que o Estado não pode estar omisso no debate em torno da democratização dos meios de comunicação e, neste sentido, o Conselho Estadual de Comunicação cumprirá um papel estratégico, principalmente no que tange à formulação de políticas voltadas para a cidadania mediante possíveis abusos e arbitrariedades dos meios de comunicação.
Segundo o mestre publicista e advogado Marcio Vieira Santos , "a liberdade de informação, a liberdade de expressão e mesmo a liberdade de imprensa são cânones constitucionais fundamentais, as quais mesmo figurando como cláusulas pétreas não são valores absolutos e, dentro do sistema constitucional normativo, e funcionalmente diante da indispensável garantia dos direitos fundamentais, devem existir harmonicamente com as demais liberdades", daí a "ratio legis" desta proposição, a saber:
A possibilidade do exercício fiscal sobre a prática da comunicação.
A propositura já foi aprovada na Assembléia Legislativa do Ceará, e existem semelhantes projetos tramitando nos Estado de São Paulo, Cuiabá, Salvador Teresina e Maceió.
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quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
Hackers lançam "operação vingar Assange"
Reproduzo matéria publicada no Portal Terra:
Um Exército de hackers voluntários está agindo em defesa do site WikiLeaks e entrou na disputa cibernética protagonizada por ataques e contra-ataques envolvendo a polêmica homepage, que divulga importantes documentos secretos pelo mundo, dando início assim à primeira ”Guerra da Informação”.
A “Operation Avenge Assange” (Operação Vingar Assange), organizada por hackers após o cerco internacional contra o WikiLeaks e seu criador, Julian Assange, conseguiu nesta quarta-feira derrubar parte dos sistemas informáticos da rede de cartões de crédito MasterCard, prova do poder da mobilização espontânea através da internet.
O protocolo IRC (Internet Relay Chat) é o ponto de partida do ataque contra a rede MasterCard, ao qual a Agência Efe teve acesso. Nele, o moderador estabeleceu como título “Operação Payback. Alvo: ”www.mastercard.com”. Existem coisas que o WikiLeaks não pode fazer. Para todas as outras existe a Operação Payback”.
No final da manhã desta quarta-feira, os operadores do IRC informavam que mais de 1.800 bots estavam inundando com Ataques de Negação de Serviços (DDoS) contra o endereço “www.mastercard.com”. A empresa reconheceu dificuldades em alguns de seus serviços.
Enquanto isso, outros usuários do protocolo informavam sobre o progresso do ataque com mensagens sobre o estado das operações da Mastercard em países tão distantes como Suécia, Sri Lanka e México, ou sobre a evolução das ações da companhia de cartões de crédito na Bolsa de Nova York.
“A primeira guerra da informação começou. Envie por Twitter e poste isso em qualquer site”, proclamava um dos hackers.
Outros solicitavam que o grupo dirigisse seus ataques contra os serviços de PayPal, Visa e inclusive contra a conservadora emissora de televisão “Fox News”. No entanto, o grupo de hackers denominado “Anonymous” mantém o ataque contra a Mastercard.
“Por favor, deixem de sugerir novos sites. Os líderes de ”Anon” decidiram que ”mastercard.com” deve permanecer apagado. Dessa forma, afetaremos o preço de suas ações. Obrigado”, explicava outro usuário.
Segundo o blog da empresa de segurança virtual Panda, o grupo havia atacado o sistema de pagamentos online PayPal pouco depois de o serviço anunciar o bloqueio financeiro ao WikiLeaks, embora o ataque tenha se limitado a um blog da empresa.
O Panda assinalou que o ataque DDoS contra o “ThePayPalblog.com” durante oito horas fez com que o blog sofresse 75 interrupções de serviço.
O “Anonymous” também conseguiu afetar gravemente o funcionamento do PostFinance, banco suíço que também bloqueou sua conta ao WikiLeaks, e ao escritório de advocacia sueco que representa as duas mulheres que acusaram Assange de estupro e abuso sexual.
Pelas acusações, a Justiça sueca e as autoridades policiais internacionais expediram um mandado de prisão contra o ativista australiano, que não viu alternativa senão se entregar às autoridades do Reino Unido, onde estava vivendo e onde está detido, aguardando a definição sobre se será extraditado à Suécia.
O grupo que organizou o ataque é um coletivo de hackers denominado “Anonymous” e que se reúne habitualmente pelo site “4chan.org”, uma simples homepage que é utilizada para divulgar mensagens, fotografias ou simplesmente discutir sobre política.
Este não é o primeiro ataque lançado pelo “Anonymous”. Considera-se que o grupo facilitou a identificação e detenção de vários pedófilos, mas talvez uma de suas ações mais conhecidas foi o chamado “Projeto Chanology”, iniciado em 2008, para protestar contra a Igreja da Cientologia.
Por causa desse protesto, que incluiu ataques DDoS como os que atingem agora a Mastercard, o grupo adotou a estética da história em quadrinhos “V de Vingança”, no qual milhares de pessoas usam uma máscara idêntica ao do enredo para evitar sua identificação pelas autoridades.
No ano passado, o “Anonymous” também se uniu aos protestos contra as eleições iranianas, vencidas pelo líder Mahmoud Ahmadinejad e consideradas fraudulentas pela oposição.
Em seus protestos, o “Anonymous” qualificou seus ataques como “Operation Payback” (Operação Vingança), mas, desde que o WikiLeaks começou a publicar as correspondências secretas da diplomacia americana e o site começou a sofrer assédio de empresas e Governos, o “Anonymous” decidiu lançar a “Operação Vingar Assange”.
“O WikiLeaks está apagado por Ataques de Negação de Serviços (DDoS). Há razões para crer que os Estados Unidos estão por trás, devido à natureza do vazamento (de documentos) do domingo 28 de novembro”, assinalou o grupo em seu site.
“Embora não estejamos filiados ao WikiLeaks, lutamos pelas mesmas razões. Queremos transparência e combatemos censura”, acrescentou o grupo. “Não podemos permitir que isso aconteça”.
“Por isso, vamos utilizar nossos recursos para aumentar a conscientização, atacar aqueles contrários e apoiar aqueles que estão ajudando a levar nosso mundo à liberdade e democracia”, finalizou a mensagem.
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Um Exército de hackers voluntários está agindo em defesa do site WikiLeaks e entrou na disputa cibernética protagonizada por ataques e contra-ataques envolvendo a polêmica homepage, que divulga importantes documentos secretos pelo mundo, dando início assim à primeira ”Guerra da Informação”.
A “Operation Avenge Assange” (Operação Vingar Assange), organizada por hackers após o cerco internacional contra o WikiLeaks e seu criador, Julian Assange, conseguiu nesta quarta-feira derrubar parte dos sistemas informáticos da rede de cartões de crédito MasterCard, prova do poder da mobilização espontânea através da internet.
O protocolo IRC (Internet Relay Chat) é o ponto de partida do ataque contra a rede MasterCard, ao qual a Agência Efe teve acesso. Nele, o moderador estabeleceu como título “Operação Payback. Alvo: ”www.mastercard.com”. Existem coisas que o WikiLeaks não pode fazer. Para todas as outras existe a Operação Payback”.
No final da manhã desta quarta-feira, os operadores do IRC informavam que mais de 1.800 bots estavam inundando com Ataques de Negação de Serviços (DDoS) contra o endereço “www.mastercard.com”. A empresa reconheceu dificuldades em alguns de seus serviços.
Enquanto isso, outros usuários do protocolo informavam sobre o progresso do ataque com mensagens sobre o estado das operações da Mastercard em países tão distantes como Suécia, Sri Lanka e México, ou sobre a evolução das ações da companhia de cartões de crédito na Bolsa de Nova York.
“A primeira guerra da informação começou. Envie por Twitter e poste isso em qualquer site”, proclamava um dos hackers.
Outros solicitavam que o grupo dirigisse seus ataques contra os serviços de PayPal, Visa e inclusive contra a conservadora emissora de televisão “Fox News”. No entanto, o grupo de hackers denominado “Anonymous” mantém o ataque contra a Mastercard.
“Por favor, deixem de sugerir novos sites. Os líderes de ”Anon” decidiram que ”mastercard.com” deve permanecer apagado. Dessa forma, afetaremos o preço de suas ações. Obrigado”, explicava outro usuário.
Segundo o blog da empresa de segurança virtual Panda, o grupo havia atacado o sistema de pagamentos online PayPal pouco depois de o serviço anunciar o bloqueio financeiro ao WikiLeaks, embora o ataque tenha se limitado a um blog da empresa.
O Panda assinalou que o ataque DDoS contra o “ThePayPalblog.com” durante oito horas fez com que o blog sofresse 75 interrupções de serviço.
O “Anonymous” também conseguiu afetar gravemente o funcionamento do PostFinance, banco suíço que também bloqueou sua conta ao WikiLeaks, e ao escritório de advocacia sueco que representa as duas mulheres que acusaram Assange de estupro e abuso sexual.
Pelas acusações, a Justiça sueca e as autoridades policiais internacionais expediram um mandado de prisão contra o ativista australiano, que não viu alternativa senão se entregar às autoridades do Reino Unido, onde estava vivendo e onde está detido, aguardando a definição sobre se será extraditado à Suécia.
O grupo que organizou o ataque é um coletivo de hackers denominado “Anonymous” e que se reúne habitualmente pelo site “4chan.org”, uma simples homepage que é utilizada para divulgar mensagens, fotografias ou simplesmente discutir sobre política.
Este não é o primeiro ataque lançado pelo “Anonymous”. Considera-se que o grupo facilitou a identificação e detenção de vários pedófilos, mas talvez uma de suas ações mais conhecidas foi o chamado “Projeto Chanology”, iniciado em 2008, para protestar contra a Igreja da Cientologia.
Por causa desse protesto, que incluiu ataques DDoS como os que atingem agora a Mastercard, o grupo adotou a estética da história em quadrinhos “V de Vingança”, no qual milhares de pessoas usam uma máscara idêntica ao do enredo para evitar sua identificação pelas autoridades.
No ano passado, o “Anonymous” também se uniu aos protestos contra as eleições iranianas, vencidas pelo líder Mahmoud Ahmadinejad e consideradas fraudulentas pela oposição.
Em seus protestos, o “Anonymous” qualificou seus ataques como “Operation Payback” (Operação Vingança), mas, desde que o WikiLeaks começou a publicar as correspondências secretas da diplomacia americana e o site começou a sofrer assédio de empresas e Governos, o “Anonymous” decidiu lançar a “Operação Vingar Assange”.
“O WikiLeaks está apagado por Ataques de Negação de Serviços (DDoS). Há razões para crer que os Estados Unidos estão por trás, devido à natureza do vazamento (de documentos) do domingo 28 de novembro”, assinalou o grupo em seu site.
“Embora não estejamos filiados ao WikiLeaks, lutamos pelas mesmas razões. Queremos transparência e combatemos censura”, acrescentou o grupo. “Não podemos permitir que isso aconteça”.
“Por isso, vamos utilizar nossos recursos para aumentar a conscientização, atacar aqueles contrários e apoiar aqueles que estão ajudando a levar nosso mundo à liberdade e democracia”, finalizou a mensagem.
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Ceará debate o conselho de comunicação
O Sindicato dos Jornalistas do Ceará (Sindjorce) realiza nesta quarta-feira (08/12), em parceria com o Comitê Cearense do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), debate sobre a proposta de criação do Conselho Estadual de Comunicação. Com o tema “Conselho de Comunicação: censura ou ampliação das liberdades”, o evento acontece no Auditório Murilo Aguiar da Assembleia Legislativa, a partir das 14h.
O objetivo da discussão, que será mediado pelo coordenador do FNDC no Ceará, Rafael Mesquita, é aproximar os profissionais da Comunicação, consumidores e parlamentares das propostas do Conselho, e responder questionamentos sobre sua criação.
Segundo a assessoria do Sindjorce, o Conselho integrará a Secretaria da Casa Civil do Estado, tendo por finalidade formular e acompanhar a execução da política estadual de comunicação, exercendo funções consultivas, normativas, fiscalizadoras e deliberativas.
Foram convidados jornalistas e profissionais da área; o presidente da OAB-CE, Valdetário Monteiro; o assessor jurídico da Associação Cearense das Emissoras de Rádio e Televisão (Acert), Afro Lourenço; a mestre em Comunicação e Política, Carla Muchele Quaresma; e o presidente do Sindjorce, Clayson Martins.
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O objetivo da discussão, que será mediado pelo coordenador do FNDC no Ceará, Rafael Mesquita, é aproximar os profissionais da Comunicação, consumidores e parlamentares das propostas do Conselho, e responder questionamentos sobre sua criação.
Segundo a assessoria do Sindjorce, o Conselho integrará a Secretaria da Casa Civil do Estado, tendo por finalidade formular e acompanhar a execução da política estadual de comunicação, exercendo funções consultivas, normativas, fiscalizadoras e deliberativas.
Foram convidados jornalistas e profissionais da área; o presidente da OAB-CE, Valdetário Monteiro; o assessor jurídico da Associação Cearense das Emissoras de Rádio e Televisão (Acert), Afro Lourenço; a mestre em Comunicação e Política, Carla Muchele Quaresma; e o presidente do Sindjorce, Clayson Martins.
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WikiLeaks, o furo e a ética do coletivo
Reproduzo artigo de Washington Araújo, publicado no Observatório da Imprensa:
Os Estados Unidos parece ter embarcado no século XXI sob a égide dos vazamentos. Em fins de abril de 2010 uma maré negra de petróleo atingiu a costa do estado americano de Louisiana e se alastrou por outros quatro estados da costa do Golfo do México, vazando de um poço que despejou no mar de forma contínua durante exatos 87 dias nada menos que 4 milhões de petróleo. Essa catástrofe começou com uma explosão que matou 11 trabalhadores, em 20 de abril. Além da tragédia ambiental, o prejuízo financeiro fez a British Petroleum perder US$ 70 bilhões em seu valor de mercado. No coração do capitalismo mundial esta cifra dá conta dos contornos da desgraça.
Há menos de uma semana alguns dos principais jornais do mundo vêm publicando o mais impressionante acervo de documentos diplomáticos vazados de embaixadas norte-americanas ao redor do mundo. O impressionante estoque de “mal-estar escrito” foi conseguido e vem sendo divulgado pela organização WikiLeaks. São exatos 251.287 itens. Todos com a marca oficial do governo americano. É no mínimo instigante constatar que os jornais que divulgaram os arquivos confidenciais foram simplesmente os maiores do mundo, seja em circulação, seja em tradição, como é o caso do The New York Times, dos Estados Unidos, El País, da Espanha, Le Monde, da França, Der Spiegel, da Alemanha, e The Guardian, da Inglaterra.
No Brasil, o jornal que publica o material é a Folha de S.Paulo. Deste montante, 1.947 foram emitidos pela Embaixada dos EUA em Brasília, 777 de São Paulo, 119 do Rio de Janeiro e 12 do Recife. As relações diplomáticas Brasil/EUA são desnudadas em exatos 2.855 documentos.
Do que já foi divulgado ficamos sabendo que o então embaixador dos EUA no país, Clifford Sobel, informou a Casa Branca, em 2008, que o Brasil disfarça a prisão de terroristas. E que o Itamaraty era referido pelo embaixador americano como uma entidade de inclinação antinorte-americana, como um nicho adversário no Governo brasileiro. O embaixador cuidou de colocar no papel que nosso ministro da Defesa Nelson Jobim deveria ser visto como “um aliado dos Estados Unidos”. Noutro dia o jornal paulista revelou documentos em que a Embaixada dos EUA em Brasília faziam duras críticas à Estratégia Nacional de Defesa, lançada em 2008.
A imprensa tem se limitado a publicar os documentos, se atendo quase que exclusivamente ao seu conteúdo que, por si só, já é suficiente para causar embaraço aos governos e autoridades neles mencionados. Chama atenção o fato que nosso jornalismo tão marcadamente opinativo parece haver decretado férias coletivas. O fato é que os juízos de valor, sempre com tendência para o exagero e a contundência, são de todo escassos.
O leitor já parou para pensar se o protagonista do evento não fosse Washington e em seu lugar estivesse no olho do furacão… Brasília? Com certeza teríamos capas dos grandes jornais mostrando indignação, acusando o governo de total incompetência e amadorismo na condução de sua diplomacia. Não faltariam editoriais lança-chamas pedindo a cabeça do chanceler Amorim e analistas estariam fazendo as mais sombrias reflexões sobre o embuste que é o nosso Itamaraty, dado de barato como tendo sido aparelhado politicamente à enésima potência e por aí vai. Capas das revistas semanais tratariam de colocar uma penca de polvos habitando a piscina da Casa de Rio Branco e as matérias internas trariam entrevistas robustas com o ex-ministro Celso Lafer, textos contundentes e um tanto desfocados do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. No Congresso Nacional a confusão estaria armada com a circulação de listas de assinaturas pedindo assinaturas além dos costumeiros pronunciamentos inflamados contra o ministro Amorim, sendo que o parlamentar oposicionista mais pautado pela calma que nesses momentos se exige, estaria exigindo sua imediata demissão.
Acontece que foi nos Estados Unidos. Onde tudo parece superlativo. País com apenas 5% da população mundial e que é responsável por 32% do consumo global. Trocando em miúdos, se o mundo inteiro consumisse como os americanos, o planeta só suportaria 1,4 bilhões de pessoas. É o país em que o consumo de energia elétrica de um norte-americano equivale ao de quinhentos indianos. E que detêm em suas fronteiras megaempresas que estão na vanguarda da revolução tecnológica como a Apple e a Microsoft. Quando ficamos sabendo do conteúdo dos wikileaks e da forma como são coletadas informações sobre países como o Brasil, a maneira jocosa com que tratam nosso governo e nossas instituições, a importância desmesurada que se concede às pequenas vaidades dos governantes, podemos entender melhor que provavelmente o maior objetivo dos Estados Unidos é conscientizar o consumo dos países pobres para que o consumismo em seu território continue desenfreado e julgam que este processo ocorre, pois necessitam mais das matrizes energéticas e das fontes naturais.
Como um país tão rico, tão senhor de si e tão convencido de que é o umbigo do mundo, não consegue guardar consigo o que ele mesmo classifica como reservado, confidencial e secreto? Um país que não consegue separar a cozinha da sala e esta do quarto apenas demonstra sua fragilidade interior. Porque continua, como sempre fez, a confundir um anão com uma criança de tenra idade. Vive no mundo das aparências e sua métrica é apenas a das aparências. Com embaixadas tão guarnecidas, tão pesadamente prontas para receber os mais letais ataques, ainda assim não consegue conservar consigo o que nesses ambientes se produz por excelência – informação.
Desconhecemos que foi ao longo dos tempos que o ser humano conseguiu conquistar seu espaço privativo e o direito de resguardar sua intimidade? Com as instituições, os governos deve ser diferente? No Brasil, o assunto é encampado em nossa Constituição Federal, com os chamados direitos da personalidade. No art. 5.º, inciso X da Constituição Federal encontramos abrigo ao direito à reserva da intimidade, assim como ao da vida privada. E a intimidade, segundo teóricos do Direito, consiste na faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos na sua vida privada e familiar, assim como de impedir-lhes o acesso a informações sobre a privacidade de cada um, e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação existencial do ser humano.
As transformações pelas quais perpassa a humanidade nos últimos vinte anos, porém, criaram desafios à eficácia dos direitos da personalidade, notadamente ao direito à privacidade. Além de o indivíduo passar a ser visto não mais isolado de seu contexto, a explosão das comunicações veio trazer à tona novos debates, que chegam tarde dada a velocidade astronômica com que as novidades tecnológicas se incorporaram ao dia-a-dia das pessoas. É fato – e os wikileaks constituem robusta prova – que a Internet permitiu o surgimento de uma nova forma de correspondência, o chamado correio eletrônico. Fácil e eficiente, tornou-se ferramenta essencial. Tanto que parte considerável dos 251.287 documentos diplomáticos conseguidos pela Wikileaks é constituída por mensagens eletrônicas.
Feitas estas observações, considero igualmente importante debater o papel da imprensa em relação aos wikileaks. Será legítimo, constituirá um serviço à sociedade, servir como braço mecânico e prolongado de quem surrupiou informações confidenciais de governos e de suas autoridades para colocá-las ao alcance de todos? Onde é que começa o ato criminoso… e onde termina? O braço mecânico – o ente que divulga – tem vida própria ou segue a lógica inicial de quem acessa documentos privados?
Como estamos conhecendo o conteúdo de apenas duas dezenas desses documentos diplomáticos ainda é cedo para afirmar que muitos desses poderão agravar a instabilidade política no mundo, na medida em que tornam públicos sentimentos que antes existiam apenas em esfera privada. Qual a diferença entre ter minha residência invadida ou meu computador pessoal invadido e assim sem mais nem menos tomar conhecimento de que estranhos acessam facilmente minhas 5.334 mensagens eletrônicas existentes em meu provedor de internet? E se parte dessas mensagens forem parar na Folha de S.Paulo… que prejuízo isso me traria? Quem seria responsabilizado por isso? Apenas o criminoso invasor ou também quem, sabendo se tratar de documentos de natureza particular, portanto confidencial, os difunde? E, se por motivo que desconheço, viesse a ser ‘chantageado’ ou mesmo lesado financeiramente pelo fato de que em um dos 5.334 documentos fossem encontrados dados bancários sensíveis como agência, bancária, senha, três letras etc. etc.?
Átila, rei do Hunos, tinha razão quando em meio às suas conturbadas campanhas militares dizia que as palavras são uma fonte de mal-entendidos. Se a diplomacia estadunidense e, por extensão, toda e qualquer diplomacia como a conhecemos nos dias que correm, tivesse dado ouvidos ao huno não estaria em situação além de embaraçosa, vergonhosa, vexaminosa e, que cômputo geral do estado das coisas, não estaria refém de de seus próprios pensamentos, ações e documentos. E deve estar se preparando para saber que esse vazamento ultrapassará em muitos dias e meses aqueles ora minguados 87 dias de vazamento de petróleo e, os wikileaks terão potencial de despejar sobre a sociedade planetária nada menos que 40.205.920(*) palavras.
O leitor desavisado – ou aquele dado a ler sempre na diagonal – pode pensar que tomei partido por um dos lados: (1) os que recriminam a imprensa pela divulgação; (2) os que aplaudem a imprensa pela divulgação. Em casos de dois lados, como sempre, pode haver um terceiro: é um jornalismo saudável este que acredita que os fins (divulgar ao público documentos confidenciais e não autorizados) justificam os meios (quebrar protocolos de segurança, infringir a privacidade alheia, roubar dados e informações, bisbilhotar o que não lhe é de direito)?
(*)Fui conservador e estimei com base no movimento das nuvens de hoje que cada documento conseguido por Julian Assange contém em média 160 palavras.
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Os Estados Unidos parece ter embarcado no século XXI sob a égide dos vazamentos. Em fins de abril de 2010 uma maré negra de petróleo atingiu a costa do estado americano de Louisiana e se alastrou por outros quatro estados da costa do Golfo do México, vazando de um poço que despejou no mar de forma contínua durante exatos 87 dias nada menos que 4 milhões de petróleo. Essa catástrofe começou com uma explosão que matou 11 trabalhadores, em 20 de abril. Além da tragédia ambiental, o prejuízo financeiro fez a British Petroleum perder US$ 70 bilhões em seu valor de mercado. No coração do capitalismo mundial esta cifra dá conta dos contornos da desgraça.
Há menos de uma semana alguns dos principais jornais do mundo vêm publicando o mais impressionante acervo de documentos diplomáticos vazados de embaixadas norte-americanas ao redor do mundo. O impressionante estoque de “mal-estar escrito” foi conseguido e vem sendo divulgado pela organização WikiLeaks. São exatos 251.287 itens. Todos com a marca oficial do governo americano. É no mínimo instigante constatar que os jornais que divulgaram os arquivos confidenciais foram simplesmente os maiores do mundo, seja em circulação, seja em tradição, como é o caso do The New York Times, dos Estados Unidos, El País, da Espanha, Le Monde, da França, Der Spiegel, da Alemanha, e The Guardian, da Inglaterra.
No Brasil, o jornal que publica o material é a Folha de S.Paulo. Deste montante, 1.947 foram emitidos pela Embaixada dos EUA em Brasília, 777 de São Paulo, 119 do Rio de Janeiro e 12 do Recife. As relações diplomáticas Brasil/EUA são desnudadas em exatos 2.855 documentos.
Do que já foi divulgado ficamos sabendo que o então embaixador dos EUA no país, Clifford Sobel, informou a Casa Branca, em 2008, que o Brasil disfarça a prisão de terroristas. E que o Itamaraty era referido pelo embaixador americano como uma entidade de inclinação antinorte-americana, como um nicho adversário no Governo brasileiro. O embaixador cuidou de colocar no papel que nosso ministro da Defesa Nelson Jobim deveria ser visto como “um aliado dos Estados Unidos”. Noutro dia o jornal paulista revelou documentos em que a Embaixada dos EUA em Brasília faziam duras críticas à Estratégia Nacional de Defesa, lançada em 2008.
A imprensa tem se limitado a publicar os documentos, se atendo quase que exclusivamente ao seu conteúdo que, por si só, já é suficiente para causar embaraço aos governos e autoridades neles mencionados. Chama atenção o fato que nosso jornalismo tão marcadamente opinativo parece haver decretado férias coletivas. O fato é que os juízos de valor, sempre com tendência para o exagero e a contundência, são de todo escassos.
O leitor já parou para pensar se o protagonista do evento não fosse Washington e em seu lugar estivesse no olho do furacão… Brasília? Com certeza teríamos capas dos grandes jornais mostrando indignação, acusando o governo de total incompetência e amadorismo na condução de sua diplomacia. Não faltariam editoriais lança-chamas pedindo a cabeça do chanceler Amorim e analistas estariam fazendo as mais sombrias reflexões sobre o embuste que é o nosso Itamaraty, dado de barato como tendo sido aparelhado politicamente à enésima potência e por aí vai. Capas das revistas semanais tratariam de colocar uma penca de polvos habitando a piscina da Casa de Rio Branco e as matérias internas trariam entrevistas robustas com o ex-ministro Celso Lafer, textos contundentes e um tanto desfocados do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. No Congresso Nacional a confusão estaria armada com a circulação de listas de assinaturas pedindo assinaturas além dos costumeiros pronunciamentos inflamados contra o ministro Amorim, sendo que o parlamentar oposicionista mais pautado pela calma que nesses momentos se exige, estaria exigindo sua imediata demissão.
Acontece que foi nos Estados Unidos. Onde tudo parece superlativo. País com apenas 5% da população mundial e que é responsável por 32% do consumo global. Trocando em miúdos, se o mundo inteiro consumisse como os americanos, o planeta só suportaria 1,4 bilhões de pessoas. É o país em que o consumo de energia elétrica de um norte-americano equivale ao de quinhentos indianos. E que detêm em suas fronteiras megaempresas que estão na vanguarda da revolução tecnológica como a Apple e a Microsoft. Quando ficamos sabendo do conteúdo dos wikileaks e da forma como são coletadas informações sobre países como o Brasil, a maneira jocosa com que tratam nosso governo e nossas instituições, a importância desmesurada que se concede às pequenas vaidades dos governantes, podemos entender melhor que provavelmente o maior objetivo dos Estados Unidos é conscientizar o consumo dos países pobres para que o consumismo em seu território continue desenfreado e julgam que este processo ocorre, pois necessitam mais das matrizes energéticas e das fontes naturais.
Como um país tão rico, tão senhor de si e tão convencido de que é o umbigo do mundo, não consegue guardar consigo o que ele mesmo classifica como reservado, confidencial e secreto? Um país que não consegue separar a cozinha da sala e esta do quarto apenas demonstra sua fragilidade interior. Porque continua, como sempre fez, a confundir um anão com uma criança de tenra idade. Vive no mundo das aparências e sua métrica é apenas a das aparências. Com embaixadas tão guarnecidas, tão pesadamente prontas para receber os mais letais ataques, ainda assim não consegue conservar consigo o que nesses ambientes se produz por excelência – informação.
Desconhecemos que foi ao longo dos tempos que o ser humano conseguiu conquistar seu espaço privativo e o direito de resguardar sua intimidade? Com as instituições, os governos deve ser diferente? No Brasil, o assunto é encampado em nossa Constituição Federal, com os chamados direitos da personalidade. No art. 5.º, inciso X da Constituição Federal encontramos abrigo ao direito à reserva da intimidade, assim como ao da vida privada. E a intimidade, segundo teóricos do Direito, consiste na faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos na sua vida privada e familiar, assim como de impedir-lhes o acesso a informações sobre a privacidade de cada um, e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação existencial do ser humano.
As transformações pelas quais perpassa a humanidade nos últimos vinte anos, porém, criaram desafios à eficácia dos direitos da personalidade, notadamente ao direito à privacidade. Além de o indivíduo passar a ser visto não mais isolado de seu contexto, a explosão das comunicações veio trazer à tona novos debates, que chegam tarde dada a velocidade astronômica com que as novidades tecnológicas se incorporaram ao dia-a-dia das pessoas. É fato – e os wikileaks constituem robusta prova – que a Internet permitiu o surgimento de uma nova forma de correspondência, o chamado correio eletrônico. Fácil e eficiente, tornou-se ferramenta essencial. Tanto que parte considerável dos 251.287 documentos diplomáticos conseguidos pela Wikileaks é constituída por mensagens eletrônicas.
Feitas estas observações, considero igualmente importante debater o papel da imprensa em relação aos wikileaks. Será legítimo, constituirá um serviço à sociedade, servir como braço mecânico e prolongado de quem surrupiou informações confidenciais de governos e de suas autoridades para colocá-las ao alcance de todos? Onde é que começa o ato criminoso… e onde termina? O braço mecânico – o ente que divulga – tem vida própria ou segue a lógica inicial de quem acessa documentos privados?
Como estamos conhecendo o conteúdo de apenas duas dezenas desses documentos diplomáticos ainda é cedo para afirmar que muitos desses poderão agravar a instabilidade política no mundo, na medida em que tornam públicos sentimentos que antes existiam apenas em esfera privada. Qual a diferença entre ter minha residência invadida ou meu computador pessoal invadido e assim sem mais nem menos tomar conhecimento de que estranhos acessam facilmente minhas 5.334 mensagens eletrônicas existentes em meu provedor de internet? E se parte dessas mensagens forem parar na Folha de S.Paulo… que prejuízo isso me traria? Quem seria responsabilizado por isso? Apenas o criminoso invasor ou também quem, sabendo se tratar de documentos de natureza particular, portanto confidencial, os difunde? E, se por motivo que desconheço, viesse a ser ‘chantageado’ ou mesmo lesado financeiramente pelo fato de que em um dos 5.334 documentos fossem encontrados dados bancários sensíveis como agência, bancária, senha, três letras etc. etc.?
Átila, rei do Hunos, tinha razão quando em meio às suas conturbadas campanhas militares dizia que as palavras são uma fonte de mal-entendidos. Se a diplomacia estadunidense e, por extensão, toda e qualquer diplomacia como a conhecemos nos dias que correm, tivesse dado ouvidos ao huno não estaria em situação além de embaraçosa, vergonhosa, vexaminosa e, que cômputo geral do estado das coisas, não estaria refém de de seus próprios pensamentos, ações e documentos. E deve estar se preparando para saber que esse vazamento ultrapassará em muitos dias e meses aqueles ora minguados 87 dias de vazamento de petróleo e, os wikileaks terão potencial de despejar sobre a sociedade planetária nada menos que 40.205.920(*) palavras.
O leitor desavisado – ou aquele dado a ler sempre na diagonal – pode pensar que tomei partido por um dos lados: (1) os que recriminam a imprensa pela divulgação; (2) os que aplaudem a imprensa pela divulgação. Em casos de dois lados, como sempre, pode haver um terceiro: é um jornalismo saudável este que acredita que os fins (divulgar ao público documentos confidenciais e não autorizados) justificam os meios (quebrar protocolos de segurança, infringir a privacidade alheia, roubar dados e informações, bisbilhotar o que não lhe é de direito)?
(*)Fui conservador e estimei com base no movimento das nuvens de hoje que cada documento conseguido por Julian Assange contém em média 160 palavras.
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PSDB desiste de censurar blog em Jundiaí
Reproduzo excelente notícia de André Lux, publicado no blog "Tudo em cima":
Acabo de ser informado pelo meu advogado, Dr. Erazê Sutti, que o PSDB de Jundiaí desistiu da ação cautelar que tinha como objetivo censurar o meu blog por causa das críticas que faço à lamentável administração pública que os políticos do partido dos tucanos aplicam à cidade há mais de 20 anos.
Os coronéis do PSDB local, que não estão acostumados a serem criticados ou mesmo cobrados pela mídia na cidade (por motivos alheios ao meu conhecimento), já haviam sofrido uma derrota humilhante no início do processo movido contra mim, já que o pedido de cautelar contra meu blog foi sumariamente rejeitado pelo Juiz, que ainda fez questão de afirmar:
"[...]a crítica veiculada não ostenta, a nosso viso, conotação ofensiva, não contrariando o princípio da razoabilidade, não sendo franqueado ao Poder Judiciário censurar a liberdade de expressão e pensamento de qualquer cidadão, que tem o direito, inclusive pela rede mundial de computadores, de criticar os administradores e homens públicos, dentro de certos limites, aqui não transbordados pelos requeridos, conquanto não se negue o tom jocoso da referida crítica[...]"
Como o processo seguiu o encaminhamento normal, fui obrigado a contratar um advogado para me defender. E a defesa que ele fez em meu favor encheu-me de orgulho e emoção, por isso a reproduzo abaixo em sua totalidade. Imagino que, depois de ler essa espetacular defesa da liberdade de expressão, os coronéis do PSDB local acharam por bem enfiar o rabo entre as pernas e desistir de tentar censurar meus direitos constitucionais.
Mas, qualquer que seja o real motivo por trás da desistência, foi apenas mais uma humilhante derrota para os "imperadores" de Jundiaí, que gastaram só este ano a bagatela de 9 milhões de reais em publicidade e propagada para tentar convencer os incautos que a cidade é uma espécie de "ilha da fantasia" de prosperidade e bonança (talvez aí esteja uma dica dos motivos que levem os donos da imprensa local a vetar qualquer crítica à administração do PSDB).
Felizmente, o número de pessoas que acredita nessas mentiras propagadas inclusive em forma de "notícia" pela imprensa local é cada vez menor. Daí advem o desespero deles e, claro, medidas drásticas como essa de tentar censurar o meu humilde blog.
E tem uns bravateiros por aí que acham que é fácil fazer oposição a esse poder que domina Jundiaí há mais de 20 anos. É uma verdadeira luta de "David contra Golias", mas a gente acerta umas pedradas de vez em quando, isso é inegável...
Abaixo a íntegra da defesa feita pelo Dr. Erazê Sutti (com grifos meus). Vale a pena ler até o final, até para atestar o grau de incompetência da petição original feita pelo PSDB, que de forma lamentável usou a Prefeitura de Jundiaí para tentar censurar meu blog - ou seja, os coronéis tucanos desperdiçaram dinheiro público para tentar cercear o meu direito constitucional de expressar a minha opinião, simplesmente porque eles não admitem o contraditório.
Depois eles vem dizer que é a esquerda quem quer "censurar a liberdade de expressão", não é mesmo?
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO
DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE JUNDIAÍ/SP.
Processo n° 1378/2010
ANDRÉ AUGUSTO LUX, pelo advogado infra-assinado, nomeado nos termos do instrumento particular de mandato constante nos autos, vem, mui respeitosamente perante V. Exa., nos autos da MEDIDA CAUTELAR INOMINADA proposta pelo MUNICÍPIO JUNDIAÍ, apresentar sua contestação pelos fatos e argumentos a seguir expostos.
A parte autora propôs a presente ação cautelar em face deste réu e de César Tayar, alegando em suma:
1- Jundiaí possui uma longa tradição industrial, com mais de 1.000 indústrias e 46.000 empregados;
2- O réu César Tayar, através de seu blog (“blog do Beduíno” e do blog deste réu, André (“tudo-em-cima”), fez “inverídicas” afirmações e “deturparam por completo o objetivo visado pelo Município”;
3- Em referida matéria, consta uma charge com o letreiro “Incorpora Municipal S.A.” em cima do prédio da Prefeitura, bem como a “inverídica” afirmação: ”a Prefeitura irá gastar R$ 15 milhões na construção do novo distrito, sim, mas quem irá realizar o loteamento industrial, com um lucro previsto de R$ 500 milhões, é um consórcio particular”;
4- Tais informações estariam “indispondo o munícipe em relação à Administração Pública Municipal”, bem como “ferindo a honra dos gestores públicos e questionando indevidamente a lisura de procedimentos administrativos adotados”;
5- Requer que a Justiça determine “a retirada e impeça a veiculação virtual dos conteúdos ofensivos por parte dos responsáveis pelos “blogs” e por terceiros, determinando-se inclusive a identificação dos IP´s dos autores”.
Este réu, apesar de não ter escrito a matéria, faz parte do pólo passivo por veicular referida matéria.
No entanto, este réu, além dos limites cognitivos de sua capacidade intelectual, apesar de não compreender o teor das alegações da “Municipalidade”, refuta qualquer ilegalidade em sua conduta, senão vejamos.
Inépcia da Inicial
Primeiramente, por estar além da capacidade cognitiva humana, trata-se de uma peça processual inepta, haja vista que não relata, nem mesmo, algum “fumus boni iuris”, vez que não contesta, tal como determina a legislação processual, as informações que lhe “prejudicam”. Onde estaria a “verdade” pelo autor diante da “inverdade” dita pelos réus?
Ofício ao Ministério Público
Se tal não bastasse, pelo teor da inicial, trata-se, também, de sério desvio de função do ofício da procuradoria municipal, haja vista que se preocupa, patentemente, mais em defender os “gestores” do que o bem público, vez que, ao alegar “ferindo a honra dos gestores públicos...” está advogando para a pessoa, não para o ente público. Diante disso, requer o réu que seja oficiado ao Ministério Público para que sejam tomadas as providências legais cabíveis.
Mérito
Pelo pouco que se consegue depreender da peça inicial, tentando-se detectar a causa de pedir da Municipalidade, constata-se a vergonhosa intenção de tolher a liberdade de expressão de toda e qualquer pessoa que tenha opinião crítica e diferente dos “gestores públicos”. E mais, trata toda pessoa que manifeste opinião diversa como “inimigo” sob o pretexto deste tentar “indispor” o munícipe com a Prefeitura!
Ou seja, o “munícipe”, sinônimo de idiota, alienado e tapado, segundo as preocupações do autor, deve ser PROTEGIDO de qualquer crítica à Prefeitura, mesmo porque, também segundo a visão do autor, qualquer crítica à Prefeitura, que tem honoráveis gestores públicos, é INVERÍDICA.
Pois bem, por este quadro, a liberdade de expressão, a democracia, bem como todos os demais princípios constitucionais de contraditório, ampla defesa etc, não têm razão para existir, haja vista que QUEM MANDA TEM A RAZÃO e, pasmem, sem necessidade de comprovar suas alegações! Pelo mesmo pensamento oriundo do mais puro CORONELISMO, tal como ocorria com a Monarquia Absoluta, onde o Poder Judiciário também não teria razão para existir – para que julgar o Rei se é o Rei quem sentencia?
Ainda bem que esse quadro é mero fruto da imaginação de ditadores incapazes de derrotar o Estado de Direito e as regras democráticas de uma sociedade livre e em crescente aprendizado nos deveres e direitos de sua cidadania.
Mas exatamente porque almeja destruir os pilares constitucionais deste Estado de Direito, estes pseudo-sabotadores da democracia e da liberdade de expressão devem ser atentamente combatidos pelas Instituições, tal qual o Poder Judiciário.
Ante o exposto, requer que seja julgada improcedente a ação proposta, condenando a ré nas custas e honorários advocatícios, bem como o deferimento da gratuidade de justiça.
Requer provar o alegado por todos os meios em direito admitidos, sem exceção de qualquer, especialmente pela oitiva de testemunhas, juntada de documentos, perícia, etc.
Termos em que,
P. Deferimento.
Jundiaí, 14 de julho de 2010.
ERAZÊ SUTTI
OAB/SP nº 146.298
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Acabo de ser informado pelo meu advogado, Dr. Erazê Sutti, que o PSDB de Jundiaí desistiu da ação cautelar que tinha como objetivo censurar o meu blog por causa das críticas que faço à lamentável administração pública que os políticos do partido dos tucanos aplicam à cidade há mais de 20 anos.
Os coronéis do PSDB local, que não estão acostumados a serem criticados ou mesmo cobrados pela mídia na cidade (por motivos alheios ao meu conhecimento), já haviam sofrido uma derrota humilhante no início do processo movido contra mim, já que o pedido de cautelar contra meu blog foi sumariamente rejeitado pelo Juiz, que ainda fez questão de afirmar:
"[...]a crítica veiculada não ostenta, a nosso viso, conotação ofensiva, não contrariando o princípio da razoabilidade, não sendo franqueado ao Poder Judiciário censurar a liberdade de expressão e pensamento de qualquer cidadão, que tem o direito, inclusive pela rede mundial de computadores, de criticar os administradores e homens públicos, dentro de certos limites, aqui não transbordados pelos requeridos, conquanto não se negue o tom jocoso da referida crítica[...]"
Como o processo seguiu o encaminhamento normal, fui obrigado a contratar um advogado para me defender. E a defesa que ele fez em meu favor encheu-me de orgulho e emoção, por isso a reproduzo abaixo em sua totalidade. Imagino que, depois de ler essa espetacular defesa da liberdade de expressão, os coronéis do PSDB local acharam por bem enfiar o rabo entre as pernas e desistir de tentar censurar meus direitos constitucionais.
Mas, qualquer que seja o real motivo por trás da desistência, foi apenas mais uma humilhante derrota para os "imperadores" de Jundiaí, que gastaram só este ano a bagatela de 9 milhões de reais em publicidade e propagada para tentar convencer os incautos que a cidade é uma espécie de "ilha da fantasia" de prosperidade e bonança (talvez aí esteja uma dica dos motivos que levem os donos da imprensa local a vetar qualquer crítica à administração do PSDB).
Felizmente, o número de pessoas que acredita nessas mentiras propagadas inclusive em forma de "notícia" pela imprensa local é cada vez menor. Daí advem o desespero deles e, claro, medidas drásticas como essa de tentar censurar o meu humilde blog.
E tem uns bravateiros por aí que acham que é fácil fazer oposição a esse poder que domina Jundiaí há mais de 20 anos. É uma verdadeira luta de "David contra Golias", mas a gente acerta umas pedradas de vez em quando, isso é inegável...
Abaixo a íntegra da defesa feita pelo Dr. Erazê Sutti (com grifos meus). Vale a pena ler até o final, até para atestar o grau de incompetência da petição original feita pelo PSDB, que de forma lamentável usou a Prefeitura de Jundiaí para tentar censurar meu blog - ou seja, os coronéis tucanos desperdiçaram dinheiro público para tentar cercear o meu direito constitucional de expressar a minha opinião, simplesmente porque eles não admitem o contraditório.
Depois eles vem dizer que é a esquerda quem quer "censurar a liberdade de expressão", não é mesmo?
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO
DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE JUNDIAÍ/SP.
Processo n° 1378/2010
ANDRÉ AUGUSTO LUX, pelo advogado infra-assinado, nomeado nos termos do instrumento particular de mandato constante nos autos, vem, mui respeitosamente perante V. Exa., nos autos da MEDIDA CAUTELAR INOMINADA proposta pelo MUNICÍPIO JUNDIAÍ, apresentar sua contestação pelos fatos e argumentos a seguir expostos.
A parte autora propôs a presente ação cautelar em face deste réu e de César Tayar, alegando em suma:
1- Jundiaí possui uma longa tradição industrial, com mais de 1.000 indústrias e 46.000 empregados;
2- O réu César Tayar, através de seu blog (“blog do Beduíno” e do blog deste réu, André (“tudo-em-cima”), fez “inverídicas” afirmações e “deturparam por completo o objetivo visado pelo Município”;
3- Em referida matéria, consta uma charge com o letreiro “Incorpora Municipal S.A.” em cima do prédio da Prefeitura, bem como a “inverídica” afirmação: ”a Prefeitura irá gastar R$ 15 milhões na construção do novo distrito, sim, mas quem irá realizar o loteamento industrial, com um lucro previsto de R$ 500 milhões, é um consórcio particular”;
4- Tais informações estariam “indispondo o munícipe em relação à Administração Pública Municipal”, bem como “ferindo a honra dos gestores públicos e questionando indevidamente a lisura de procedimentos administrativos adotados”;
5- Requer que a Justiça determine “a retirada e impeça a veiculação virtual dos conteúdos ofensivos por parte dos responsáveis pelos “blogs” e por terceiros, determinando-se inclusive a identificação dos IP´s dos autores”.
Este réu, apesar de não ter escrito a matéria, faz parte do pólo passivo por veicular referida matéria.
No entanto, este réu, além dos limites cognitivos de sua capacidade intelectual, apesar de não compreender o teor das alegações da “Municipalidade”, refuta qualquer ilegalidade em sua conduta, senão vejamos.
Inépcia da Inicial
Primeiramente, por estar além da capacidade cognitiva humana, trata-se de uma peça processual inepta, haja vista que não relata, nem mesmo, algum “fumus boni iuris”, vez que não contesta, tal como determina a legislação processual, as informações que lhe “prejudicam”. Onde estaria a “verdade” pelo autor diante da “inverdade” dita pelos réus?
Ofício ao Ministério Público
Se tal não bastasse, pelo teor da inicial, trata-se, também, de sério desvio de função do ofício da procuradoria municipal, haja vista que se preocupa, patentemente, mais em defender os “gestores” do que o bem público, vez que, ao alegar “ferindo a honra dos gestores públicos...” está advogando para a pessoa, não para o ente público. Diante disso, requer o réu que seja oficiado ao Ministério Público para que sejam tomadas as providências legais cabíveis.
Mérito
Pelo pouco que se consegue depreender da peça inicial, tentando-se detectar a causa de pedir da Municipalidade, constata-se a vergonhosa intenção de tolher a liberdade de expressão de toda e qualquer pessoa que tenha opinião crítica e diferente dos “gestores públicos”. E mais, trata toda pessoa que manifeste opinião diversa como “inimigo” sob o pretexto deste tentar “indispor” o munícipe com a Prefeitura!
Ou seja, o “munícipe”, sinônimo de idiota, alienado e tapado, segundo as preocupações do autor, deve ser PROTEGIDO de qualquer crítica à Prefeitura, mesmo porque, também segundo a visão do autor, qualquer crítica à Prefeitura, que tem honoráveis gestores públicos, é INVERÍDICA.
Pois bem, por este quadro, a liberdade de expressão, a democracia, bem como todos os demais princípios constitucionais de contraditório, ampla defesa etc, não têm razão para existir, haja vista que QUEM MANDA TEM A RAZÃO e, pasmem, sem necessidade de comprovar suas alegações! Pelo mesmo pensamento oriundo do mais puro CORONELISMO, tal como ocorria com a Monarquia Absoluta, onde o Poder Judiciário também não teria razão para existir – para que julgar o Rei se é o Rei quem sentencia?
Ainda bem que esse quadro é mero fruto da imaginação de ditadores incapazes de derrotar o Estado de Direito e as regras democráticas de uma sociedade livre e em crescente aprendizado nos deveres e direitos de sua cidadania.
Mas exatamente porque almeja destruir os pilares constitucionais deste Estado de Direito, estes pseudo-sabotadores da democracia e da liberdade de expressão devem ser atentamente combatidos pelas Instituições, tal qual o Poder Judiciário.
Ante o exposto, requer que seja julgada improcedente a ação proposta, condenando a ré nas custas e honorários advocatícios, bem como o deferimento da gratuidade de justiça.
Requer provar o alegado por todos os meios em direito admitidos, sem exceção de qualquer, especialmente pela oitiva de testemunhas, juntada de documentos, perícia, etc.
Termos em que,
P. Deferimento.
Jundiaí, 14 de julho de 2010.
ERAZÊ SUTTI
OAB/SP nº 146.298
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A revolução dos blogs sujos
Reproduzo artigo de Miguel do Rosário, publicado no blog Gonzum (ex-Óleo do Diabo):
Pensando nos blogueiros que se reuniram em São Paulo em agosto passado, em evento organizado pelo instituto Barão de Itararé, lembro do clássico de Euclides da Cunha, e daí catei o livro para citar um trecho que me servirá de mote para fazer algumas considerações:
“Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a História, resistiu até o esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados.”
Os Sertões, uma das maiores obras-primas de nossa literatura, me fornece várias analogias interessantes ao momento atual do Brasil. Os combativos habitantes de Canudos, na minha imaginação, transformam-se nos blogueiros “progressistas”. Não há um Antônio Conselheiro, mas em todos há um toque de fanatismo cujo objeto é o governo Lula.
Deixe-me explicar melhor.
Esse fanatismo, embora tenha servido para dar um ânimo extraordinário à jagunçada virtual, prestando uma importante ajuda na derrota das forças obscuras e retrógradas que se aglutinaram em torno de José Serra e de alguns órgãos de mídia, pode atrapalhar agora a continuidade da mesma luta.
Uso termos talvez meio exagerados, como fanatismo e jagunço, mas num sentido positivo. Os grandes ideais nos arrastam, nos apaixonam, nos fanatizam. A revolução francesa nunca se tornaria uma realidade sem a legião de fanáticos que lhe sacrificou a vida e o bem estar – e, no entanto, pouco depois, essa mesma espécie de fanatismo quase a destruiu. Naturalmente que a história, ou seja, a passagem do tempo e sua inevitável carga de sabedoria, permite-nos pesar atitudes e ideias e assumir a defesa daquilo que é justo com a serenidade dos fortes.
A tarefa mais difícil não é precisamente a disposição para o combate. Qualquer idiota nazista pode ter coragem, espírito de sacrifício, energia e determinação para luta. Urge, antes de tudo, compreender o processo, ter uma visão abrangente, conhecer o terreno histórico onde se pisa. Muitas vezes, quando se abandona uma linha de ação ou se desiste de levar adiante uma determinada batalha, não se faz por covardia ou omissão, mas por intuir que não há uma compreensão satisfatória das circunstâncias e, portanto, não vale a pena ir em frente.
Essa intuição – dom democrático que não precisa, necessariamente, de nenhum tipo de instrução formal para se desenvolver – é a principal ferramenta política do indivíduo, e quando as pessoas se desinteressam por alguma causa social não se deve acusá-las de alienação ou coisa parecida – em alguns casos, a sua atitude é uma opção mais inteligente do que outras.
Quando as pessoas desistem, por exemplo, de participar das articulações da “blogosfera progressista”, fazem-no porque intimamente julgam que o momento não está maduro.
No entanto, assim como aqueles quatro estropiados que tombaram por último em Canudos, assim também haverá, entre nós, aqueles que lutarão até o fim.
Mas lutarão porque mesmo? Para quê?
Eu sempre torci pelos fanáticos de Antônio Conselheiro. Pelos jagunços. Eles venceram três grandes expedições militares.
No entanto, pensando melhor, eles se engajaram numa guerra desde o início suicida e maluca. Se o governo da época foi truculento e assassino, os rebeldes de Canudos foram ingênuos e arrogantes.
Digo isso porque me sinto como se fizesse parte de um grupo restrito de “sobreviventes” da blogosfera progressista, diante dos quais rugem cinco mil jornalistas, publicitários e executivos da grande mídia. Aliás, tenho uma comparação ainda mais direta: (sem querer superestimar a importância da blogosfera, mas só pelo valor da imagem) assim como os jagunços de Canudos esmagaram o exército em três oportunidades, nós vencemos três grandes eleições presidenciais contra forças infinitamente mais poderosas. Eles lutavam contra o latifúndio e seus tentáculos. Nós lutamos contra outra forma de opressão, o latifúndio midiático.
Não podemos, todavia, nos esquecer do destino trágico dos canudenses. Não podemos ser fanáticos.
Ao mesmo tempo, sabemos que a importância política concreta da blogosfera progressista será fazer o contraponto a grande mídia no que se refere (como diria Dilma) à crítica ao governo.
É um grande desafio. Como exercer a crítica sem repetir um modelo ultraesquerdista muitas vezes forçado, artificial? Sem fazer uma crítica tola?
Alguns companheiros já estão tentando fazer isso, mas é complicado.
O Rogério do Conexão Brasília Maranhão escreveu um post criticando o apoio incondicional de Lula à família Sarney. Eu o li com atenção e impressionaram-me os rodeios que o blogueiro se sentiu obrigado a fazer antes de emitir sua opinião. Não o critico pelos rodeios, ao contrário, acho que ele foi inteligente ao esclarecer que, apesar de apoiar Lula no contexto maior das lutas sociais, não entende e critica fortemente um ponto da política do presidente.
Um outro companheiro nosso, o Raphael Tsavkko, do blog Angry Brazilian, anda sempre se metendo em brigas com gente da própria blogosfera progressista por conta de seu desejo de criticar o governo Lula e pela recepção ácida, às vezes inclusive truculenta, que encontra em nosso meio para suas opiniões.
E aí podemos falar de um grande amigo nosso, o Azenha, um dos fundadores da “blogosfera progressista” como a entendemos. Observei que ele ficou atônito (como qualquer um no lugar dele ficaria) diante da força meio anárquica meio monstruosa que ele viu emergir após o Encontro de Blogueiros Progressistas. A vida é assim: as iniciativas criam vida própria, tomam rumos inesperados, crescem subitamente.
Todos estão atônitos agora porque a própria presidência da república reconheceu a importância do movimento como força política da esquerda, maior, mais leal, mais combativa, e muito mais eficaz, do que as mídias de esquerda tradicional: Caros Amigos, Brasil de Fato, etc, que ainda recendem a uma esquerda meio acadêmica, meio ranzinza e impedida por várias razões a se engajar de frente na guerra da comunicação; atingem um público reduzido e específico e não tem o poder da blogosfera para criar debates e provocar fissuras nos consensos midiáticos.
O mais surpreendente foi que a tal blogosfera progressista assumiu, desde o início, ares de um partido político! E não digo isso como crítica. Ao contrário, vejo isso sob um ângulo divertido. É legal, é novo, é histórico e inscreve-se numa sequência lógica: se a grande mídia tornou-se uma espécie de partido conservador, nada mais natural que uma parte da blogosfera, que é também uma grande mídia, desponte como um partido progressista!
Mas essa partidarização também afasta aqueles que desejavam ver a blogosfera como um contraponto puramente jornalístico, pessoas como o Azenha, que não se sentem bem no papel de “liderança política” de que ele se viu investido à sua revelia. A blogosfera cria situações estranhas, inusitadas, com as quais ainda não aprendemos a lidar.
E por ter, espontaneamente, sem que os próprios participantes tenham se dado conta, assumido a forma de um partido, ainda livre de qualquer amarra burocrática, seus membros fazem debates às vezes duros mas que visam a criação de um consenso e de uma agenda únicos. Afinal, por mais que seja democrático, para um partido, abrigar várias tendências e correntes de opinião, a sua eficácia e força será sempre maior quanto mais unidos e coesos forem seus objetivos e propostas.
Tudo ainda está muito verde. Esse tipo de iniciativa pode levar anos para amadurecer e pode inclusive nem ir muito longe. Mas temos que atentar para alguns pontos importantes: primeiro, não adianta negar isso. No Encontro de São Paulo e nas listas, muitas vezes notou-se, no início, a tentativa de coibir as manifestações políticas ou partidárias, como se elas não fossem “adequadas”. Acho bobagem negar essa liberdade às pessoas, e são esses debates justamente os que mais empolgam os participantes. Eles integram o escopo principal de nossa “organização”, que é promover o debate partidário e político que não vemos nos próprios partidos e que é impossível na grande imprensa. Eu já vi o Jornal Globo abrir espaço para que leitores combinassem (na seção impressa de Cartas ao Leitor!) encontros e protestos. Uma amiga que trabalhou muitos anos no Estadão, contou-me que sua colega ligava para o celular de senadores para lembrá-los de não faltar sessões de CPIs antigoverno. Esta amiga me contava que o engajamento de alguns jornalistas em campanhas antiLula era notoriamente partidário, e não me refiro ao PSDB, refiro-me ao PIG mesmo.
Repito: se a mídia virou um partido, a blogosfera, num movimento de força dialético e natural, também virou um, e assim como a mídia tem suas instâncias proto-partidárias, como a ANJ e seus institutos de debate, como o Millenium, a blogosfera anseia por ter as suas instituições.
Assim não esperaríamos, como temos feito, irritados e sempre um pouco frustrados, as decisões de um dirigente partidário. Tomaríamos uma atitude diretamente! Quando houvesse uma conferência nacional de comunicação, nossos representantes estariam lá!
Mais importante: os camaradas da blogosfera progressista sentir-se-iam com muito mais liberdade para criticar pontualmente um governo também progressista, tranquilizados pela consciência de que, nas grandes questões, a sua entidade saberia muito bem de que lado ficar. Não teríamos esse medo de fazer uma crítica, por exemplo, ao Lula, e sermos rapidamente instrumentalizados pela oposição mais conservadora, como fizeram uma vez com um conhecido meu aqui do Rio, um escritor, que fez uma crítica ao abraço de Lula em Collor e virou primeira página do Globo, com direito a uma foto tamanho gigante na página três, como se ele fosse um grande herói na luta contra o diabo barbudo. E isso porque o cara é de esquerda e vota no PT…
Enfim, não podemos nos esquecer que estamos diante de grandes transformações tecnológicas, cujos efeitos políticos e culturais devemos nos esforçar para que sejam revertidos a nosso favor, digo, da blogosfera enquanto plataforma de comunicação.
Por que ler matérias de jornalistas sobre medicina, em geral furadas e tendenciosas, se pudemos lermos o blog de um médico prestigiado, com livros publicados e prêmios internacionais, ou mesmo de um estudante de medicina particularmente talentoso e criativo? Porque ler as furadas resenhas literárias, mistura de exercício de vaidade acadêmica com propaganda comercial, se pudemos ler os próprios escritores discutindo sua obra?
Naturalmente, para que a blogosfera se torne uma realidade, será preciso criar instrumentos que a financiem. As empresas tradicionais de mídia recebem cerca de 5 bilhões de reais por ano do Estado, incluindo aí prefeituras, estados, União e estatais. Só do governo federal, são 1,5 bilhão e meio.
Olhando para o panorama absolutamente miserável da blogosfera brasileira, se governo pingasse apenas 0,1% do que investe na mídia tradicional, já teríamos uma revolução! Mas para que pensar pequeno? Se a blogosfera é muito mais democrática que a grande imprensa e se nossos ideais são mesmo democráticos, o Estado deveria investir os 5 bilhões na blogosfera e mandar a mídia procurar a autosustentabilidade! Com dinheiro, obviamente a blogosfera iria se profissionalizar, com surgimento de blogueiros investigativos de primeiríssima linha, que iriam fazer um trabalho infinitamente melhor do que os almofadinhas da Veja!
E não venham com histórias de “chapa-branca”. Com uma boa legislação e com financiamentos, os blogueiros não perdoariam ninguém, até porque haveria grande pluralidade ideológica. A mídia vem com seu papinho de que, não fosse ela, não seriam descobertos os escândalos tais e quais… Balela, a mídia até descobre, quando põe aí um esforço quase desesperado, uns escândalos por contra própria, mas são raros – a maioria dos falcatruas consistentes chegam às mãos da mídia por órgãos do próprio Estado. As denúncias vazias, sensacionalizadas, ou mesmo falsas, vem de iniciativa própria da mídia. Invistam dinheiro numa blogosfera independente e vejam o resultado fantástico que terão! Os blogueiros de cada cidade investigarão os governos locais, cobrarão consertos nas ruas, melhora no ensino. Somente a capilaridade da blogosfera pode dar conta da complexidade e multiplicidade de demandas da sociedade brasileira, com suas mais de 5 mil cidades. De lambuja lutaremos contra a construção do homem-massa, esse indivíduo protofascista cuja mentalidade é formada justamente por essa padronização emburrecedora exigida dos grandes meios de comunicação, um processo denunciado por Hanna Arendt como princípio do surgimento de uma cultura totalitária.
Para finalizar com algo mais prático, comunico que estamos organizando o Encontro Regional dos Blogueiros Progressistas do Rio de Janeiro. Ainda estamos no início da organização. Quem quiser nos ajudar em alguma coisa, entre em contato pelo email.
Há também uma proposta de realizar o Encontro Nacional aqui no Rio… mas falamos disso depois.
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Pensando nos blogueiros que se reuniram em São Paulo em agosto passado, em evento organizado pelo instituto Barão de Itararé, lembro do clássico de Euclides da Cunha, e daí catei o livro para citar um trecho que me servirá de mote para fazer algumas considerações:
“Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a História, resistiu até o esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados.”
Os Sertões, uma das maiores obras-primas de nossa literatura, me fornece várias analogias interessantes ao momento atual do Brasil. Os combativos habitantes de Canudos, na minha imaginação, transformam-se nos blogueiros “progressistas”. Não há um Antônio Conselheiro, mas em todos há um toque de fanatismo cujo objeto é o governo Lula.
Deixe-me explicar melhor.
Esse fanatismo, embora tenha servido para dar um ânimo extraordinário à jagunçada virtual, prestando uma importante ajuda na derrota das forças obscuras e retrógradas que se aglutinaram em torno de José Serra e de alguns órgãos de mídia, pode atrapalhar agora a continuidade da mesma luta.
Uso termos talvez meio exagerados, como fanatismo e jagunço, mas num sentido positivo. Os grandes ideais nos arrastam, nos apaixonam, nos fanatizam. A revolução francesa nunca se tornaria uma realidade sem a legião de fanáticos que lhe sacrificou a vida e o bem estar – e, no entanto, pouco depois, essa mesma espécie de fanatismo quase a destruiu. Naturalmente que a história, ou seja, a passagem do tempo e sua inevitável carga de sabedoria, permite-nos pesar atitudes e ideias e assumir a defesa daquilo que é justo com a serenidade dos fortes.
A tarefa mais difícil não é precisamente a disposição para o combate. Qualquer idiota nazista pode ter coragem, espírito de sacrifício, energia e determinação para luta. Urge, antes de tudo, compreender o processo, ter uma visão abrangente, conhecer o terreno histórico onde se pisa. Muitas vezes, quando se abandona uma linha de ação ou se desiste de levar adiante uma determinada batalha, não se faz por covardia ou omissão, mas por intuir que não há uma compreensão satisfatória das circunstâncias e, portanto, não vale a pena ir em frente.
Essa intuição – dom democrático que não precisa, necessariamente, de nenhum tipo de instrução formal para se desenvolver – é a principal ferramenta política do indivíduo, e quando as pessoas se desinteressam por alguma causa social não se deve acusá-las de alienação ou coisa parecida – em alguns casos, a sua atitude é uma opção mais inteligente do que outras.
Quando as pessoas desistem, por exemplo, de participar das articulações da “blogosfera progressista”, fazem-no porque intimamente julgam que o momento não está maduro.
No entanto, assim como aqueles quatro estropiados que tombaram por último em Canudos, assim também haverá, entre nós, aqueles que lutarão até o fim.
Mas lutarão porque mesmo? Para quê?
Eu sempre torci pelos fanáticos de Antônio Conselheiro. Pelos jagunços. Eles venceram três grandes expedições militares.
No entanto, pensando melhor, eles se engajaram numa guerra desde o início suicida e maluca. Se o governo da época foi truculento e assassino, os rebeldes de Canudos foram ingênuos e arrogantes.
Digo isso porque me sinto como se fizesse parte de um grupo restrito de “sobreviventes” da blogosfera progressista, diante dos quais rugem cinco mil jornalistas, publicitários e executivos da grande mídia. Aliás, tenho uma comparação ainda mais direta: (sem querer superestimar a importância da blogosfera, mas só pelo valor da imagem) assim como os jagunços de Canudos esmagaram o exército em três oportunidades, nós vencemos três grandes eleições presidenciais contra forças infinitamente mais poderosas. Eles lutavam contra o latifúndio e seus tentáculos. Nós lutamos contra outra forma de opressão, o latifúndio midiático.
Não podemos, todavia, nos esquecer do destino trágico dos canudenses. Não podemos ser fanáticos.
Ao mesmo tempo, sabemos que a importância política concreta da blogosfera progressista será fazer o contraponto a grande mídia no que se refere (como diria Dilma) à crítica ao governo.
É um grande desafio. Como exercer a crítica sem repetir um modelo ultraesquerdista muitas vezes forçado, artificial? Sem fazer uma crítica tola?
Alguns companheiros já estão tentando fazer isso, mas é complicado.
O Rogério do Conexão Brasília Maranhão escreveu um post criticando o apoio incondicional de Lula à família Sarney. Eu o li com atenção e impressionaram-me os rodeios que o blogueiro se sentiu obrigado a fazer antes de emitir sua opinião. Não o critico pelos rodeios, ao contrário, acho que ele foi inteligente ao esclarecer que, apesar de apoiar Lula no contexto maior das lutas sociais, não entende e critica fortemente um ponto da política do presidente.
Um outro companheiro nosso, o Raphael Tsavkko, do blog Angry Brazilian, anda sempre se metendo em brigas com gente da própria blogosfera progressista por conta de seu desejo de criticar o governo Lula e pela recepção ácida, às vezes inclusive truculenta, que encontra em nosso meio para suas opiniões.
E aí podemos falar de um grande amigo nosso, o Azenha, um dos fundadores da “blogosfera progressista” como a entendemos. Observei que ele ficou atônito (como qualquer um no lugar dele ficaria) diante da força meio anárquica meio monstruosa que ele viu emergir após o Encontro de Blogueiros Progressistas. A vida é assim: as iniciativas criam vida própria, tomam rumos inesperados, crescem subitamente.
Todos estão atônitos agora porque a própria presidência da república reconheceu a importância do movimento como força política da esquerda, maior, mais leal, mais combativa, e muito mais eficaz, do que as mídias de esquerda tradicional: Caros Amigos, Brasil de Fato, etc, que ainda recendem a uma esquerda meio acadêmica, meio ranzinza e impedida por várias razões a se engajar de frente na guerra da comunicação; atingem um público reduzido e específico e não tem o poder da blogosfera para criar debates e provocar fissuras nos consensos midiáticos.
O mais surpreendente foi que a tal blogosfera progressista assumiu, desde o início, ares de um partido político! E não digo isso como crítica. Ao contrário, vejo isso sob um ângulo divertido. É legal, é novo, é histórico e inscreve-se numa sequência lógica: se a grande mídia tornou-se uma espécie de partido conservador, nada mais natural que uma parte da blogosfera, que é também uma grande mídia, desponte como um partido progressista!
Mas essa partidarização também afasta aqueles que desejavam ver a blogosfera como um contraponto puramente jornalístico, pessoas como o Azenha, que não se sentem bem no papel de “liderança política” de que ele se viu investido à sua revelia. A blogosfera cria situações estranhas, inusitadas, com as quais ainda não aprendemos a lidar.
E por ter, espontaneamente, sem que os próprios participantes tenham se dado conta, assumido a forma de um partido, ainda livre de qualquer amarra burocrática, seus membros fazem debates às vezes duros mas que visam a criação de um consenso e de uma agenda únicos. Afinal, por mais que seja democrático, para um partido, abrigar várias tendências e correntes de opinião, a sua eficácia e força será sempre maior quanto mais unidos e coesos forem seus objetivos e propostas.
Tudo ainda está muito verde. Esse tipo de iniciativa pode levar anos para amadurecer e pode inclusive nem ir muito longe. Mas temos que atentar para alguns pontos importantes: primeiro, não adianta negar isso. No Encontro de São Paulo e nas listas, muitas vezes notou-se, no início, a tentativa de coibir as manifestações políticas ou partidárias, como se elas não fossem “adequadas”. Acho bobagem negar essa liberdade às pessoas, e são esses debates justamente os que mais empolgam os participantes. Eles integram o escopo principal de nossa “organização”, que é promover o debate partidário e político que não vemos nos próprios partidos e que é impossível na grande imprensa. Eu já vi o Jornal Globo abrir espaço para que leitores combinassem (na seção impressa de Cartas ao Leitor!) encontros e protestos. Uma amiga que trabalhou muitos anos no Estadão, contou-me que sua colega ligava para o celular de senadores para lembrá-los de não faltar sessões de CPIs antigoverno. Esta amiga me contava que o engajamento de alguns jornalistas em campanhas antiLula era notoriamente partidário, e não me refiro ao PSDB, refiro-me ao PIG mesmo.
Repito: se a mídia virou um partido, a blogosfera, num movimento de força dialético e natural, também virou um, e assim como a mídia tem suas instâncias proto-partidárias, como a ANJ e seus institutos de debate, como o Millenium, a blogosfera anseia por ter as suas instituições.
Assim não esperaríamos, como temos feito, irritados e sempre um pouco frustrados, as decisões de um dirigente partidário. Tomaríamos uma atitude diretamente! Quando houvesse uma conferência nacional de comunicação, nossos representantes estariam lá!
Mais importante: os camaradas da blogosfera progressista sentir-se-iam com muito mais liberdade para criticar pontualmente um governo também progressista, tranquilizados pela consciência de que, nas grandes questões, a sua entidade saberia muito bem de que lado ficar. Não teríamos esse medo de fazer uma crítica, por exemplo, ao Lula, e sermos rapidamente instrumentalizados pela oposição mais conservadora, como fizeram uma vez com um conhecido meu aqui do Rio, um escritor, que fez uma crítica ao abraço de Lula em Collor e virou primeira página do Globo, com direito a uma foto tamanho gigante na página três, como se ele fosse um grande herói na luta contra o diabo barbudo. E isso porque o cara é de esquerda e vota no PT…
Enfim, não podemos nos esquecer que estamos diante de grandes transformações tecnológicas, cujos efeitos políticos e culturais devemos nos esforçar para que sejam revertidos a nosso favor, digo, da blogosfera enquanto plataforma de comunicação.
Por que ler matérias de jornalistas sobre medicina, em geral furadas e tendenciosas, se pudemos lermos o blog de um médico prestigiado, com livros publicados e prêmios internacionais, ou mesmo de um estudante de medicina particularmente talentoso e criativo? Porque ler as furadas resenhas literárias, mistura de exercício de vaidade acadêmica com propaganda comercial, se pudemos ler os próprios escritores discutindo sua obra?
Naturalmente, para que a blogosfera se torne uma realidade, será preciso criar instrumentos que a financiem. As empresas tradicionais de mídia recebem cerca de 5 bilhões de reais por ano do Estado, incluindo aí prefeituras, estados, União e estatais. Só do governo federal, são 1,5 bilhão e meio.
Olhando para o panorama absolutamente miserável da blogosfera brasileira, se governo pingasse apenas 0,1% do que investe na mídia tradicional, já teríamos uma revolução! Mas para que pensar pequeno? Se a blogosfera é muito mais democrática que a grande imprensa e se nossos ideais são mesmo democráticos, o Estado deveria investir os 5 bilhões na blogosfera e mandar a mídia procurar a autosustentabilidade! Com dinheiro, obviamente a blogosfera iria se profissionalizar, com surgimento de blogueiros investigativos de primeiríssima linha, que iriam fazer um trabalho infinitamente melhor do que os almofadinhas da Veja!
E não venham com histórias de “chapa-branca”. Com uma boa legislação e com financiamentos, os blogueiros não perdoariam ninguém, até porque haveria grande pluralidade ideológica. A mídia vem com seu papinho de que, não fosse ela, não seriam descobertos os escândalos tais e quais… Balela, a mídia até descobre, quando põe aí um esforço quase desesperado, uns escândalos por contra própria, mas são raros – a maioria dos falcatruas consistentes chegam às mãos da mídia por órgãos do próprio Estado. As denúncias vazias, sensacionalizadas, ou mesmo falsas, vem de iniciativa própria da mídia. Invistam dinheiro numa blogosfera independente e vejam o resultado fantástico que terão! Os blogueiros de cada cidade investigarão os governos locais, cobrarão consertos nas ruas, melhora no ensino. Somente a capilaridade da blogosfera pode dar conta da complexidade e multiplicidade de demandas da sociedade brasileira, com suas mais de 5 mil cidades. De lambuja lutaremos contra a construção do homem-massa, esse indivíduo protofascista cuja mentalidade é formada justamente por essa padronização emburrecedora exigida dos grandes meios de comunicação, um processo denunciado por Hanna Arendt como princípio do surgimento de uma cultura totalitária.
Para finalizar com algo mais prático, comunico que estamos organizando o Encontro Regional dos Blogueiros Progressistas do Rio de Janeiro. Ainda estamos no início da organização. Quem quiser nos ajudar em alguma coisa, entre em contato pelo email.
Há também uma proposta de realizar o Encontro Nacional aqui no Rio… mas falamos disso depois.
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terça-feira, 7 de dezembro de 2010
A revolução será digitalizada
Reproduzo artigo de Heether Brooke, publicado no jornal britânico The Guardian e traduzido pelo sítio Outras Palavras:
A diplomacia sempre incluiu jantares com as elites dominantes, acertos de bastidores e encontros clandestinos. Agora, na era digital, os relatos de todas estas festas e diálogos aristocráticos pode ser reunido numa enorme base de dados. Uma vez recolhidos em formato digital, é muito fácil compartilhá-los.
Na verdade, é para isso que a base de dados Siprnet, de onde os segredos diplomáticos norte- americanos são vazados, foi criada. A comissão governamental criada nos EUA para avaliar a segurança nacional após o 11 de Setembro fez uma descoberta notável: não era o compartilhamento de informações que ameaçava os EUA, mas o não-compartilhamento. A falta de cooperação entre agências governamentais e a retenção de informações por burocratas desperdiçaram muitas oportunidade para bloquear os ataques contra as Torres Gêmeas. Em resposta, a comissão ordenou uma restruturação dos serviços do governo e da inteligência, para que se adaptassem à própria web. A nova prática era de colaboração e compartilhamento de informações. Mas, ao contrário de milhões de membros do governo e empresas terceirizadas, o público não tinha acesso à Siprnet.
Porém, os dados têm o hábito de se espalhar. Eles escorregam entre a segurança militar e também podem vazar pelo Wikileaks, o meio pelo qual eu obtive as informações. Eles violaram até os prazos de fechamento do Guardian e de outros jornais envolvidos na divulgação da história, quando um cópia clandestina do semanário alemão Der Spiegel acidentalmente chegou às bancas em Basle, na Suíça, domingo passado. Alguém a comprou, entendeu o que ela continha e começou a escanear as páginas, traduzindo-as do alemão para o inglês e postando no Twitter. Parece que os dados digitalizados não respeitam autoridade alguma, esteja ela no Pentágono, no Wikilieaks ou num editor de jornais.
Cada um de nós já viveu, pessoalmente, as enormes mudanças que vêm com a digitalização. Fatos ou informação que considerávamos efêmeros e privados agora são permanetes, públicos e agregáveis. Se o volume dos atuais vazamentos parece grande, pense nos 500 milhões de usuários do Facebook, ou nos milhões de registros mantidos pelo Google. Os governos mantêm nossos dados pessoais em enormes bases. Era caro obter e distribuir informação. Agora, é caro retê-la.
Mas quando os devassa de dados atinge o público, os governantes parecem não se importar muito. Nossa privacidade é disponível. Não surpreende que a reação aos novos vazamentos seja, agora, diferente. O que transformou, num sentido revolucionário, a dinâmica do poder não é a escala das revelações – mas o fato de que indivíduos podem tornar pública uma cópia de documentos do Estado. Em papel, estes vazamentos equivalem, segundo estimativas do Guardian, a 213.969 paginas A4, que teriam, empilhadas, a altura de 43 quilômetros. Algo impossível de vazar com segurança, na era do papel.
Para alguns, a novidade significa uma crise. Para outros, uma oportunidade. A tecnologia está rompendo as barreiras tradicionais de classe, poder, riqueza e geografia – e substituindo-as por um ethos de colaboração e transparência.
Um ex-embaixador dos Estados Unidos na Rússia, James Collins, disse à CNN que a revelação dos registros pelo Wikileaks “impedirá que as coisas seja feitas de forma normal e civilizada”. Muito frequentemente, “normal” e “civilizado” significa, na linguagem diplomática, fazer vistas grossas para injustiças sociais flagrantes, corrupção e abuso de poder. Depois de ler centenas de documentos, constato que muito dos “danos” que eles provocam é revelação embaraçosa e constrangedora de verdades inconvenientes. Em nome da segurança de uma base militar num dado país, nossos líderes aceitam um ditador brutal que oprime seu povo. Isso pode ser conveniente a curto prazo para os políticos, mas as consequências a longo prazo para os cidadãos do planeta podem ser catastróficas.
Os vazamentos não são o problema, apenas o sintoma. Revelam a desconexão entre aquilo que as pessoas desejam e precisam e o que realmente fazem. Quanto maior o segredo, mais prováveis os vazamentos. O caminho para superá-los é assegurar um mecanismos robustos para acesso público a informação relevante.
Graças à internet, esperamos um nível muito maior de conhecimento e participação, em muitos aspectos de nossas vidas. Mas os políticos resistem resolutamente aos novos tempos. Vêem-se como tutores de um público infantil – que não merece nem a verdade, nem o poder real que o conhecimento oferece.
Muito da revolta governamental sobre os vazamentos não tem a ver com o conteúdo do que é revelado, mas com a audácia de quem rompe o que eram fortalezas invioláveis da autoridade. No passado, confiávamos nas autoridades. Se um governante nos dissesse que algo poderia prejudicar a segurança nacional, tomávamos a afirmação como verdade. Agora,os dados crus por trás desta crença estão se tornando públicos. O que percebemos de vazamentos sobre as despesas de parlamentares, ou a cumplicidade de governos com a tortura, é que quando os políticos falam sobre uma ameaça à “segurança nacional”, referem-se frequentemente à defesa de sua própria posição ameaçada.
Estamos num momento crucial, em que alguns visionários, na vanguarda de uma era digital, enfrentam quem tenta, desesperadamente, controlar o que sabemos. O Wikileaks é o front de guerrilha, num movimento global por maior transparência e participação. Projetos como o Ushahidi usam redes sociais para criar mapas onde os cidadãos podem relatar violências e desafiar a versão oficial dos fatos. Há ativistas empenhados em liberar dados oficiais, para que as pessoas possam ver, por exemplo, os orçamentos públicos em detalhe.
Por ironia, o Departamento de Estado dos EUA foi um dos grandes incentivadores da inovação técnica, como meio para levar a democracia a países como o Irã e a China. O presidente Obama exortou regimes repressores a deixar de censurar a internet. No entanto, uma lei que tramita no Congresso permite ao Procurador-Geral em Washington criar uma “lista suja” de websites. É possível acreditar numa democracia forte apenas para assuntos externos?
Os governantes costumavam controlar os cidadãos por meio do fluxo restrito de informações. Agora, está se tornando impossível vigiar o que a sociedade lê, vê e ouve. A tecnologia permite desafiar coletivamente a autoridade. Os poderosos vigiaram por muito tempo as sociedades, para controlá-las. Agora, os cidadãos estão lançando um olhar coletivo sobre o poder.
É uma revolução, e todas as revoluções geram medos e incertezas. Caminhamos para um Novo Iluminismo da Informação? Ou a revanche daqueles quer querem manter controle a qualquer custo nos levará a um novo totalitarismo? O que ocorrer nos próximos cinco anos definirá o futuro da democracia no próximo século. Por isso, seria ótimo que os nossos líderes respondessem aos desafios de hoje com um olhar sobre o futuro.
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A diplomacia sempre incluiu jantares com as elites dominantes, acertos de bastidores e encontros clandestinos. Agora, na era digital, os relatos de todas estas festas e diálogos aristocráticos pode ser reunido numa enorme base de dados. Uma vez recolhidos em formato digital, é muito fácil compartilhá-los.
Na verdade, é para isso que a base de dados Siprnet, de onde os segredos diplomáticos norte- americanos são vazados, foi criada. A comissão governamental criada nos EUA para avaliar a segurança nacional após o 11 de Setembro fez uma descoberta notável: não era o compartilhamento de informações que ameaçava os EUA, mas o não-compartilhamento. A falta de cooperação entre agências governamentais e a retenção de informações por burocratas desperdiçaram muitas oportunidade para bloquear os ataques contra as Torres Gêmeas. Em resposta, a comissão ordenou uma restruturação dos serviços do governo e da inteligência, para que se adaptassem à própria web. A nova prática era de colaboração e compartilhamento de informações. Mas, ao contrário de milhões de membros do governo e empresas terceirizadas, o público não tinha acesso à Siprnet.
Porém, os dados têm o hábito de se espalhar. Eles escorregam entre a segurança militar e também podem vazar pelo Wikileaks, o meio pelo qual eu obtive as informações. Eles violaram até os prazos de fechamento do Guardian e de outros jornais envolvidos na divulgação da história, quando um cópia clandestina do semanário alemão Der Spiegel acidentalmente chegou às bancas em Basle, na Suíça, domingo passado. Alguém a comprou, entendeu o que ela continha e começou a escanear as páginas, traduzindo-as do alemão para o inglês e postando no Twitter. Parece que os dados digitalizados não respeitam autoridade alguma, esteja ela no Pentágono, no Wikilieaks ou num editor de jornais.
Cada um de nós já viveu, pessoalmente, as enormes mudanças que vêm com a digitalização. Fatos ou informação que considerávamos efêmeros e privados agora são permanetes, públicos e agregáveis. Se o volume dos atuais vazamentos parece grande, pense nos 500 milhões de usuários do Facebook, ou nos milhões de registros mantidos pelo Google. Os governos mantêm nossos dados pessoais em enormes bases. Era caro obter e distribuir informação. Agora, é caro retê-la.
Mas quando os devassa de dados atinge o público, os governantes parecem não se importar muito. Nossa privacidade é disponível. Não surpreende que a reação aos novos vazamentos seja, agora, diferente. O que transformou, num sentido revolucionário, a dinâmica do poder não é a escala das revelações – mas o fato de que indivíduos podem tornar pública uma cópia de documentos do Estado. Em papel, estes vazamentos equivalem, segundo estimativas do Guardian, a 213.969 paginas A4, que teriam, empilhadas, a altura de 43 quilômetros. Algo impossível de vazar com segurança, na era do papel.
Para alguns, a novidade significa uma crise. Para outros, uma oportunidade. A tecnologia está rompendo as barreiras tradicionais de classe, poder, riqueza e geografia – e substituindo-as por um ethos de colaboração e transparência.
Um ex-embaixador dos Estados Unidos na Rússia, James Collins, disse à CNN que a revelação dos registros pelo Wikileaks “impedirá que as coisas seja feitas de forma normal e civilizada”. Muito frequentemente, “normal” e “civilizado” significa, na linguagem diplomática, fazer vistas grossas para injustiças sociais flagrantes, corrupção e abuso de poder. Depois de ler centenas de documentos, constato que muito dos “danos” que eles provocam é revelação embaraçosa e constrangedora de verdades inconvenientes. Em nome da segurança de uma base militar num dado país, nossos líderes aceitam um ditador brutal que oprime seu povo. Isso pode ser conveniente a curto prazo para os políticos, mas as consequências a longo prazo para os cidadãos do planeta podem ser catastróficas.
Os vazamentos não são o problema, apenas o sintoma. Revelam a desconexão entre aquilo que as pessoas desejam e precisam e o que realmente fazem. Quanto maior o segredo, mais prováveis os vazamentos. O caminho para superá-los é assegurar um mecanismos robustos para acesso público a informação relevante.
Graças à internet, esperamos um nível muito maior de conhecimento e participação, em muitos aspectos de nossas vidas. Mas os políticos resistem resolutamente aos novos tempos. Vêem-se como tutores de um público infantil – que não merece nem a verdade, nem o poder real que o conhecimento oferece.
Muito da revolta governamental sobre os vazamentos não tem a ver com o conteúdo do que é revelado, mas com a audácia de quem rompe o que eram fortalezas invioláveis da autoridade. No passado, confiávamos nas autoridades. Se um governante nos dissesse que algo poderia prejudicar a segurança nacional, tomávamos a afirmação como verdade. Agora,os dados crus por trás desta crença estão se tornando públicos. O que percebemos de vazamentos sobre as despesas de parlamentares, ou a cumplicidade de governos com a tortura, é que quando os políticos falam sobre uma ameaça à “segurança nacional”, referem-se frequentemente à defesa de sua própria posição ameaçada.
Estamos num momento crucial, em que alguns visionários, na vanguarda de uma era digital, enfrentam quem tenta, desesperadamente, controlar o que sabemos. O Wikileaks é o front de guerrilha, num movimento global por maior transparência e participação. Projetos como o Ushahidi usam redes sociais para criar mapas onde os cidadãos podem relatar violências e desafiar a versão oficial dos fatos. Há ativistas empenhados em liberar dados oficiais, para que as pessoas possam ver, por exemplo, os orçamentos públicos em detalhe.
Por ironia, o Departamento de Estado dos EUA foi um dos grandes incentivadores da inovação técnica, como meio para levar a democracia a países como o Irã e a China. O presidente Obama exortou regimes repressores a deixar de censurar a internet. No entanto, uma lei que tramita no Congresso permite ao Procurador-Geral em Washington criar uma “lista suja” de websites. É possível acreditar numa democracia forte apenas para assuntos externos?
Os governantes costumavam controlar os cidadãos por meio do fluxo restrito de informações. Agora, está se tornando impossível vigiar o que a sociedade lê, vê e ouve. A tecnologia permite desafiar coletivamente a autoridade. Os poderosos vigiaram por muito tempo as sociedades, para controlá-las. Agora, os cidadãos estão lançando um olhar coletivo sobre o poder.
É uma revolução, e todas as revoluções geram medos e incertezas. Caminhamos para um Novo Iluminismo da Informação? Ou a revanche daqueles quer querem manter controle a qualquer custo nos levará a um novo totalitarismo? O que ocorrer nos próximos cinco anos definirá o futuro da democracia no próximo século. Por isso, seria ótimo que os nossos líderes respondessem aos desafios de hoje com um olhar sobre o futuro.
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A mídia independente depois das eleições
Reproduzo artigo de Tadeu Breda, publicado no sítio Latitude Sul:
Foi bastante compreensiva, para não dizer providencial, a postura combativa dos meios de comunicação alternativos durante o segundo turno das eleições presidenciais brasileiras. Muitas revistas e jornais de pequena circulação, blogues e iniciativas digitais, como o 48hdemocracia, simplesmente não titubearam em vestir a camisa de Dilma Rousseff. O objetivo era claro: defender a candidata do PT contra as investidas da campanha de José Serra e as manipulações da chamada grande imprensa – para muitos, favorável ao tucano.
Pudera. Menos de um mês depois da apuração, virou clichê dizer que o processo eleitoral de 2010 ficará marcado como um dos mais pobres em discussões e ideias desde a redemocratização. A disputa pela sucessão de Luiz Inácio Lula da Silva talvez tenha sido o ponto álgido do marketing político e do oportunismo eleitoreiro. Nunca se viu marqueteiros tão poderosos a ponto de dobrar convicções ideológicas e apequená-las diante da sanha pelo poder e da caça indiscriminada de votos. Até quem nunca tinha ido à igreja ajoelhou-se e rezou para os padroeiros da opinião pública.
Na tevê, no rádio e sobretudo na internet, a campanha demo-tucana e seus apoiadores (voluntários ou não) preferiram apelar para os mais profundos preconceitos da sociedade brasileira como estratégia para angariar, através do medo, um apoio popular que nunca tiveram e reverter, pela pobreza do discurso moralista, o resultado das pesquisas, que vinham anunciando mais uma vitória do petismo.
A tática foi bastante parecida com a estratégia derrotada de 2002. Faltou apenas colocar uma estrela de novela confessando seu temor eleitoral diante das câmeras. Desta vez, porém, o PSDB resolveu ir mais fundo em seu conservadorismo e pedir socorro aos representantes de Jesus Cristo na Terra.
Todos nos lembraremos – e não devemos nos esquecer jamais – que José Serra convocou para a batalha das urnas o apoio dos setores mais retrógrados do país e pactuou com as alas extremistas tanto da igreja católica como das evangélicas. Apesar de autoelogiar seu desempenho como ministro da Saúde, o candidato aliou-se com gente que desconsidera a epidemia de aids que paira pelo mundo, a importância social do planejamento familiar e que, ainda hoje, se presta a fazer campanha contra o uso de preservativos.
José Serra praticou deliberadamente o obscurantismo em torno de temas tão polêmicos quanto importantes para o bem-estar da população, como é o caso do aborto e da união civil de homossexuais, aferrando-se ao medievalismo cristão para angariar votos entre os poucos fiéis que ainda fazem o que o padre diz. Também manipulou o papel histórico desempenhado pela resistência armada durante a ditadura militar. Sua guerrilha digital vestiu Dilma Rousseff de verde oliva e impôs-lhe um charutão a la Fidel Castro entre os dentes.
No auge da empulhação, o tucano simulou uma agressão física que nunca existiu. Tanto que sua calva seguiu lustrosa e radiante durante toda a passeata que realizou no Rio de Janeiro. A bolinha de papel pode ter doído no brio, mas não lhe feriu a cabeça.
Por fim, é digno de nota – e despreço – o renascimento da xenofobia no Brasil. Desta vez o bairrismo paulista e o ódio contra nordestinos transcendeu os ambientes privados e escapou pelo twitter. É certo que a onda de manifestações preconceituosas foi desencadeada pelas declarações de José Serra e seus asseclas, que endossaram a tese de que as eleições dividiram o país entre indivíduos pobres e incapacitados, que moram no Nordeste e votam em Dilma, versus cidadãos conscientes, que habitam as regiões mais prósperas e apertaram 45 para presidente.
Lá como cá
Muitas análises compararam a postura anti-argumentativa e preconceituosa da Coligação Brasil Pode Mais (PSDB, DEM, PPS) ao discurso revisionista do Tea Party, a grande sensação política do momento nos Estados Unidos. Nitidamente, a principal semelhança entre um e outro é a opção por fugir do debate sério e aprofundado, livre de lugares-comuns, sobre as questões mais prementes para o futuro do país.
O movimento Tea Party surgiu na esteira da vitória de Barack Hussein Obama, em 2008. A musa do movimento, Sarah Palin, foi então candidata a vice na chapa derrotada, encabeçada por John McCain. Ambos pertencem ao Partido Republicano, e foi exatamente entre seus membros que se acomodou o Tea Party. No seio conservador da América, não precisou de muito esforço para crescer. Afinal, um objetivo comum unificou os interesses da direita ianque: derrocar o primeiro negro a assumir a Casa Branca, que, não bastasse a cor da pele, ainda tem sobrenome árabe.
Na mesma semana em que o Brasil escolhia seu próximo chefe-de-estado, os estadunidenses eram chamados a definir a composição da Câmara e do Senado para os próximos quatro anos. E as eleições legislativas impuseram uma profunda derrota ao governo democrata. Mais que um mero fracasso político de Barack Obama, o evento significou o maior fiasco de um presidente em influenciar a composição do parlamento desde 1938. Os democratas perderam a maioria entre os deputados, que haviam conseguido durante a administração George W. Bush, e viram sua vantagem minguar a um empate técnico entre os senadores.
A estratégia dos republicanos, capitaneados pelo Tea Party, foi bastante clara. Acusaram o presidente de ser um marxista empedernido, de praticar secretamente o Islã, de querer aumentar o poder e a influência do estado na vida dos cidadãos e de internalizar valores tribais herdados de seus antepassados quenianos. Para a direita, Barack Obama não está imbuído dos princípios americanos.
O Tea Party abominou a reforma democrata no sistema de saúde e rechaçou o pacote econômico lançado pela Casa Branca para aliviar os efeitos da crise no país. Aliás, num enorme esforço de desinformação, a ala mais conservadora dos conservadores estadunidenses atribuiu ao presidente toda a responsabilidade pela recessão – senão pelas suas causas, pelo fracasso em paliar suas consequências.
Na terra do Tio Sam, portanto, o Tea Party já conseguiu colher expressivos resultados eleitorais e ninguém duvida que sua retórica tresloucada imporá novas derrotas políticas ao governo democrata. Com a guinada republicana e a ascensão dos radicais de direita, Barack Obama ficou engessado na presidência.
A reforma no sistema de saúde corre o risco de morrer de inanição pelo boicote anunciado à assignação de recursos. E a política externa obamista, que tem buscado mais diálogo do que Washington estava acostumado e que rendeu ao presidente um prematuro prêmio Nobel da Paz, pode voltar a adotar o bordão “nós ganhamos, eles perdem”.
O esperançoso bordão Yes We Can, que uniu forças progressistas em torno da figura de Obama e de suas promessas de mudança, fatalmente se transformará num lema inócuo quando encontrar a barreira montada pela oposição no Congresso.
Risco de retrocesso
O caso dos Estados Unidos demonstra que as táticas de manipulação e preconceito político sim podem influenciar no resultado das eleições e destruir, do dia para a noite, projetos nacionais que levaram décadas para serem postos em prática.
No Brasil ainda não existe um movimento conservador com tanto apelo popular, mas o PSDB se aproximou perigosamente da baixaria do Tea Party neste segundo turno. Basta lembrar que José Serra saiu por aí frequentando missas, beijando santos, lendo a Bíblia e distribuindo panfletos com os dizeres “Jesus é a verdade e a justiça”. Enquanto encarnava o papel de missionário, dava sermões sobre seu papel de redentor das liberdades civis no país, sobretudo da liberdade de imprensa, que estaria em risco no caso de mais uma vitória do PT.
Entre seus cabos eleitorais, estava o bispo de Guarulhos, dom Luiz Bergonzini. Por intermédio de um militante da causa monarquista, o religioso mandou imprimir folhetos com o logo da CNBB condenando o aborto e sugerindo o voto no tucano. O papa Bento 16, às vésperas do pleito e com ampla cobertura dos meios de comunicação, também deu um empurrãozinho na candidatura do PSDB. No flanco evangélico, o apóstolo Renê Terra Nova não poupou esforços para viajar o Brasil com seu jatinho semeando a palavra de deus travestida de propaganda serrista.
O segundo turno forjou um cenário eleitoral em que os avanços sociais e democráticos alcançados durante o governo Lula foram repentinamente lançados à berlinda das urnas. Dois caminhos estavam à disposição dos brasileiros. Com Dilma, poderíamos seguir uma rota semelhante à trilhada nos últimos 8 anos e, por ventura, aprofundar as mudanças. Com Serra, o retrocesso batia à porta, exposto pelas alianças costuradas pelo PSDB na tentativa de vencer a qualquer custo.
Foi então que a imprensa alternativa reagiu prontamente. Cada ataque da campanha de José Serra ou do noticiário tucanófilo era acompanhado de uma enxurrada de contrapontos, argumentos, fatos e imagens, veiculados pela internet, por jornais ou revistas de esquerda. Talvez o maior exemplo da capacidade de resposta dos meios alternativos tenha sido a determinação dos blogues em destruir a farsa montada pela Rede Globo ao redor da bolinha de papel.
Houve vítimas pelo caminho, claro. A psicoanalista Maria Rita Kehl, que até o segundo turno escreveu para o jornal O Estado de S. Paulo, foi demitida após defender o Bolsa-Família e criticar as correntes anti-nordestinas que pipocavam nas caixas de e-mail pelo Brasil afora. O semanário CartaCapital foi chamado a explicar perante a Justiça os contratos de publicidade que mantém com o governo federal. A Revista do Brasil foi censurada pelo TSE após estampar o rosto de Dilma Rousseff na capa de sua edição de outubro, publicada uma semana depois do primeiro turno.
A polarização era tanta que teve jornalista demitido até no Ceará. Seu pecado foi publicar um caderno especial sobre o intelectual franco-brasileiro Michael Löwy e dois livros de sua autoria: Revoluções e Aviso de Incêndio. Também houve repórteres hostilizados durante o exercício da profissão. Foi com um raivoso “pelego filho da puta” que Aloysio Nunes Ferreira, senador eleito por São Paulo, recebeu um trabalhador da imprensa alternativa por demais insolente ao ponto de querer entrevistá-lo.
Depois da militância
A mídia alternativa desempenhou um duplo papel durante as eleições: não só cumpriu com suas obrigações jornalísticas ao desfazer manipulações, combater preconceitos e oferecer diferentes pontos de vista sobre os fatos, como também atuou política e partidariamente com o objetivo de garantir a vitória de uma candidatura que, a seu juízo – e o segundo turno deixou poucas dúvidas disso –, representava a melhor opção para governar o país. Na maioria das vezes, foi feliz e matou estes dois coelhos com uma cajadada só.
Contudo, passado o susto de uma ressaca conservadora que não aconteceu, talvez seja o momento de jornalistas independentes e meios de comunicação alternativos reavaliarem seu posicionamento no teatro do bem e do mal da política brasileira. Afinal, qual é a linha que separa o chapa-branquismo da defesa do interesse público?
No segundo turno de polarizações eleitorais, criticar as vicissitudes do governo Lula ou as deficiências de Dilma Rousseff era dar munição à violenta campanha montada pela oposição. Por isso, às vésperas do pleito, a corrida presidencial ganhou ares de jogo de futebol. Se os brasileiros deixamos de ser cidadãos e fomos transformados em torcida organizada, o jornalismo seguiu o mesmo rumo: era PT ou PSDB, Gaviões da Fiel ou Mancha Verde, sem meio termo.
Qualquer desconfiança quanto à própria escolha significava ceder à “superioridade” do adversário. A política deu lugar à paixão. E, entre apaixonados, no esporte ou nas eleições, não há diálogo nem entendimento. Tampouco autocrítica: afinal, não se critica o próprio time na final de um campeonato. O atacante pode estar fora de forma e o técnico, ser um energúmeno. O que importa é ganhar.
Dilma ganhou e, felizmente, a peleja chegou ao fim. Como sempre, depois de um processo eleitoral, agora há um país a construir e que tem que dar certo para a maioria. Em tempos de paz, talvez não seja papel do jornalismo – nem do tradicional nem do alternativo – vestir a camisa deste ou daquele partido. Isso não quer dizer que temos de ressuscitar os mitos enterrados da imparcialidade. Tomar partido em épocas de polarização, como vimos, é saudável. Porém, submeter-se aos ditames de um grupo político a tempo completo pode ser danoso.
Em última análise, não há qualquer mal intrínseco em transformar-se no porta-voz de um projeto de poder. Nas democracias mais maduras, as forças partidárias estão bem representadas na imprensa. Na Espanha, o El País mantém relações com o PSOE. Nos Estados Unidos, os democratas estão mais presentes no New York Times. O Il Manifesto, da Itália, não esconde sua preferência comunista. Esta é uma opção legítima para externar à sociedade como uma agremiação política vê o mundo e interpreta a realidade. Da mesma maneira que, no Brasil, os grandes meios de comunicação se identificam com as pautas liberais e com as candidaturas mais conservadoras, como as do PSDB, é saudável que o PT e todos os demais partidos, à medida que ganhem força, também tenham aliados na trincheira midiática.
Entretanto, já passou da hora de jornalistas e meios de comunicação independentes (ou pelo menos os que desejem denominar-se como tais) assumirem papel protagônico no cenário informativo brasileiro. Entre blogueiros e profissionais que ganham a vida fora do eixo tradicional, há capacidade de sobra em braços e cabeças para elaborar uma cobertura livre das amarras mercadológicas e da estreiteza temática da opinião pública.
A internet oferece milhões de possibilidades para a criação de novos paradigmas informativos em áudio, texto, vídeo e imagens, ou na fusão simultânea de todas as mídias, tudo a baixo custo. E há pautas suficientes para preencher um novo noticiário permanente que consiga abarcar, com qualidade técnica e estética, os temas de maior interesse à sociedade nacional e internacional – sobretudo os que não estão ou não encontram na imprensa de massa o espaço que merecem.
Não há razões, portanto, para que os jornalistas independentes se restrinjam ao papel subalterno de combater as infinitas distorções da grande mídia. Estar atento para o que acontece no main stream sempre foi e continuará sendo importante. Afinal, é através do Jornal Nacional, da Veja e dos jornalões que se constrói o senso comum no país. E, ao desconstruir a visão de mundo que diariamente penetra nos lares brasileiros, o jornalismo alternativo oferece novas maneiras de enxergar os fatos, as fotos e as declarações.
Continuar nesta trilha, porém, é ficar à reboque da pauta tradicional – ainda que seja um reboque às avessas. Assim, os veículos da imprensa alternativa correm o risco de se transformar em observatórios de mídia: darão um passo para fora do jornalismo e assumirão funções de críticos, o que já é feito há muito tempo por alguns acadêmicos e, claro, pelo Observatório da Imprensa.
O salto da reportagem
Chegamos ao limite da crítica. O jornalismo alternativo precisa mudar de patamar se quiser continuar existindo de maneira independente e cercar-se de legitimidade social. Porque o melhor combate à grande imprensa se dá oferecendo ao público um conteúdo melhor, que traz em cada manchete o ideal que se revela nas entrelinhas da crítica: opiniões menos superficiais, matérias mais completas, pautas que problematizem a realidade ao invés de simplesmente reproduzi-la ou contrapô-la pelo automatismo cotidiano.
O grande filão do jornalismo independente é a reportagem, que hoje em dia foi colocada em segundo plano pela imensa maioria dos meios de comunicação tradicionais. E por um motivo bastante simples: realizar investigações jornalísticas é muito caro e traz pouco resultado comercial. Aliás, uma boa reportagem muitas vezes atenta contra o mercado publicitário, pois tem a nobre vocação de chafurdar fundo nas mazelas sociais que via de regra põem em xeque o interesse de empresas, instituições ou governos — enfim, os anunciantes em potencial. A reportagem precisa de dinheiro tanto quanto tem o potencial de repeli-lo. Eis a grande sinuca de bico do jornalismo independente hoje.
Assumir uma postura governista durante a gestão do PT pode dar sobrevida econômica aos meios de comunicação alternativos. Não foi à toa que, durante o governo Lula, o Brasil assistiu à diversificação política da imprensa. Antes dominado por conglomerados empresariais, hoje o noticiário brasileiro é mais plural. Os últimos 8 anos ampliaram a liberdade de comunicação e expressão no país, o que é motivo de comemoração, mas ainda estamos longe do ideal.
Nenhum cidadão ficará satisfeito com a divisão da comunicação social entre veículos pró-PT, pró-PSDB ou pró-qualquer-coisa. O jornalismo independente é um serviço público e deve advogar em causa própria. E a causa da imprensa livre foi e sempre será o interesse da maioria da população — ou da fatia social que ela se diz representar. Direitos humanos, justiça social, preservação do meio-ambiente, bem-estar coletivo e liberdades civis são alguns dos valores que podem nortear o ofício de informar.
É a partir deles – e, eventualmente, de sua ampliação e radicalização – que o jornalismo pode escolher criticar ou elogiar governos e desgovernos pelo mundo afora. Elogiar, porém, me parece bastante complicado, já que sempre é possível para a administração pública fazer mais e melhor. Talvez seja a sina do jornalista independente estar permanentemente na oposição, não porque desprecie tudo o que existe ou não seja capaz de reconhecer avanços, mas porque não deve descansar enquanto houver qualquer rastro de injustiça e desigualdade no planeta. É longo o trabalho que tem pela frente: revelar o que está escondido, trazer à tona o que foi submerso pela indiferença cotidiana, discutir o que normalmente não se discute.
Felizmente, a internet está aí para servir-nos. O grande desafio, quem sabe, seja saber como podemos remunerar e possibilitar vida digna aos jornalistas capazes e dispostos a serem independentes. Afinal, por mais autônomo que consiga ser, ninguém escapa da ditadura das contas.
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Foi bastante compreensiva, para não dizer providencial, a postura combativa dos meios de comunicação alternativos durante o segundo turno das eleições presidenciais brasileiras. Muitas revistas e jornais de pequena circulação, blogues e iniciativas digitais, como o 48hdemocracia, simplesmente não titubearam em vestir a camisa de Dilma Rousseff. O objetivo era claro: defender a candidata do PT contra as investidas da campanha de José Serra e as manipulações da chamada grande imprensa – para muitos, favorável ao tucano.
Pudera. Menos de um mês depois da apuração, virou clichê dizer que o processo eleitoral de 2010 ficará marcado como um dos mais pobres em discussões e ideias desde a redemocratização. A disputa pela sucessão de Luiz Inácio Lula da Silva talvez tenha sido o ponto álgido do marketing político e do oportunismo eleitoreiro. Nunca se viu marqueteiros tão poderosos a ponto de dobrar convicções ideológicas e apequená-las diante da sanha pelo poder e da caça indiscriminada de votos. Até quem nunca tinha ido à igreja ajoelhou-se e rezou para os padroeiros da opinião pública.
Na tevê, no rádio e sobretudo na internet, a campanha demo-tucana e seus apoiadores (voluntários ou não) preferiram apelar para os mais profundos preconceitos da sociedade brasileira como estratégia para angariar, através do medo, um apoio popular que nunca tiveram e reverter, pela pobreza do discurso moralista, o resultado das pesquisas, que vinham anunciando mais uma vitória do petismo.
A tática foi bastante parecida com a estratégia derrotada de 2002. Faltou apenas colocar uma estrela de novela confessando seu temor eleitoral diante das câmeras. Desta vez, porém, o PSDB resolveu ir mais fundo em seu conservadorismo e pedir socorro aos representantes de Jesus Cristo na Terra.
Todos nos lembraremos – e não devemos nos esquecer jamais – que José Serra convocou para a batalha das urnas o apoio dos setores mais retrógrados do país e pactuou com as alas extremistas tanto da igreja católica como das evangélicas. Apesar de autoelogiar seu desempenho como ministro da Saúde, o candidato aliou-se com gente que desconsidera a epidemia de aids que paira pelo mundo, a importância social do planejamento familiar e que, ainda hoje, se presta a fazer campanha contra o uso de preservativos.
José Serra praticou deliberadamente o obscurantismo em torno de temas tão polêmicos quanto importantes para o bem-estar da população, como é o caso do aborto e da união civil de homossexuais, aferrando-se ao medievalismo cristão para angariar votos entre os poucos fiéis que ainda fazem o que o padre diz. Também manipulou o papel histórico desempenhado pela resistência armada durante a ditadura militar. Sua guerrilha digital vestiu Dilma Rousseff de verde oliva e impôs-lhe um charutão a la Fidel Castro entre os dentes.
No auge da empulhação, o tucano simulou uma agressão física que nunca existiu. Tanto que sua calva seguiu lustrosa e radiante durante toda a passeata que realizou no Rio de Janeiro. A bolinha de papel pode ter doído no brio, mas não lhe feriu a cabeça.
Por fim, é digno de nota – e despreço – o renascimento da xenofobia no Brasil. Desta vez o bairrismo paulista e o ódio contra nordestinos transcendeu os ambientes privados e escapou pelo twitter. É certo que a onda de manifestações preconceituosas foi desencadeada pelas declarações de José Serra e seus asseclas, que endossaram a tese de que as eleições dividiram o país entre indivíduos pobres e incapacitados, que moram no Nordeste e votam em Dilma, versus cidadãos conscientes, que habitam as regiões mais prósperas e apertaram 45 para presidente.
Lá como cá
Muitas análises compararam a postura anti-argumentativa e preconceituosa da Coligação Brasil Pode Mais (PSDB, DEM, PPS) ao discurso revisionista do Tea Party, a grande sensação política do momento nos Estados Unidos. Nitidamente, a principal semelhança entre um e outro é a opção por fugir do debate sério e aprofundado, livre de lugares-comuns, sobre as questões mais prementes para o futuro do país.
O movimento Tea Party surgiu na esteira da vitória de Barack Hussein Obama, em 2008. A musa do movimento, Sarah Palin, foi então candidata a vice na chapa derrotada, encabeçada por John McCain. Ambos pertencem ao Partido Republicano, e foi exatamente entre seus membros que se acomodou o Tea Party. No seio conservador da América, não precisou de muito esforço para crescer. Afinal, um objetivo comum unificou os interesses da direita ianque: derrocar o primeiro negro a assumir a Casa Branca, que, não bastasse a cor da pele, ainda tem sobrenome árabe.
Na mesma semana em que o Brasil escolhia seu próximo chefe-de-estado, os estadunidenses eram chamados a definir a composição da Câmara e do Senado para os próximos quatro anos. E as eleições legislativas impuseram uma profunda derrota ao governo democrata. Mais que um mero fracasso político de Barack Obama, o evento significou o maior fiasco de um presidente em influenciar a composição do parlamento desde 1938. Os democratas perderam a maioria entre os deputados, que haviam conseguido durante a administração George W. Bush, e viram sua vantagem minguar a um empate técnico entre os senadores.
A estratégia dos republicanos, capitaneados pelo Tea Party, foi bastante clara. Acusaram o presidente de ser um marxista empedernido, de praticar secretamente o Islã, de querer aumentar o poder e a influência do estado na vida dos cidadãos e de internalizar valores tribais herdados de seus antepassados quenianos. Para a direita, Barack Obama não está imbuído dos princípios americanos.
O Tea Party abominou a reforma democrata no sistema de saúde e rechaçou o pacote econômico lançado pela Casa Branca para aliviar os efeitos da crise no país. Aliás, num enorme esforço de desinformação, a ala mais conservadora dos conservadores estadunidenses atribuiu ao presidente toda a responsabilidade pela recessão – senão pelas suas causas, pelo fracasso em paliar suas consequências.
Na terra do Tio Sam, portanto, o Tea Party já conseguiu colher expressivos resultados eleitorais e ninguém duvida que sua retórica tresloucada imporá novas derrotas políticas ao governo democrata. Com a guinada republicana e a ascensão dos radicais de direita, Barack Obama ficou engessado na presidência.
A reforma no sistema de saúde corre o risco de morrer de inanição pelo boicote anunciado à assignação de recursos. E a política externa obamista, que tem buscado mais diálogo do que Washington estava acostumado e que rendeu ao presidente um prematuro prêmio Nobel da Paz, pode voltar a adotar o bordão “nós ganhamos, eles perdem”.
O esperançoso bordão Yes We Can, que uniu forças progressistas em torno da figura de Obama e de suas promessas de mudança, fatalmente se transformará num lema inócuo quando encontrar a barreira montada pela oposição no Congresso.
Risco de retrocesso
O caso dos Estados Unidos demonstra que as táticas de manipulação e preconceito político sim podem influenciar no resultado das eleições e destruir, do dia para a noite, projetos nacionais que levaram décadas para serem postos em prática.
No Brasil ainda não existe um movimento conservador com tanto apelo popular, mas o PSDB se aproximou perigosamente da baixaria do Tea Party neste segundo turno. Basta lembrar que José Serra saiu por aí frequentando missas, beijando santos, lendo a Bíblia e distribuindo panfletos com os dizeres “Jesus é a verdade e a justiça”. Enquanto encarnava o papel de missionário, dava sermões sobre seu papel de redentor das liberdades civis no país, sobretudo da liberdade de imprensa, que estaria em risco no caso de mais uma vitória do PT.
Entre seus cabos eleitorais, estava o bispo de Guarulhos, dom Luiz Bergonzini. Por intermédio de um militante da causa monarquista, o religioso mandou imprimir folhetos com o logo da CNBB condenando o aborto e sugerindo o voto no tucano. O papa Bento 16, às vésperas do pleito e com ampla cobertura dos meios de comunicação, também deu um empurrãozinho na candidatura do PSDB. No flanco evangélico, o apóstolo Renê Terra Nova não poupou esforços para viajar o Brasil com seu jatinho semeando a palavra de deus travestida de propaganda serrista.
O segundo turno forjou um cenário eleitoral em que os avanços sociais e democráticos alcançados durante o governo Lula foram repentinamente lançados à berlinda das urnas. Dois caminhos estavam à disposição dos brasileiros. Com Dilma, poderíamos seguir uma rota semelhante à trilhada nos últimos 8 anos e, por ventura, aprofundar as mudanças. Com Serra, o retrocesso batia à porta, exposto pelas alianças costuradas pelo PSDB na tentativa de vencer a qualquer custo.
Foi então que a imprensa alternativa reagiu prontamente. Cada ataque da campanha de José Serra ou do noticiário tucanófilo era acompanhado de uma enxurrada de contrapontos, argumentos, fatos e imagens, veiculados pela internet, por jornais ou revistas de esquerda. Talvez o maior exemplo da capacidade de resposta dos meios alternativos tenha sido a determinação dos blogues em destruir a farsa montada pela Rede Globo ao redor da bolinha de papel.
Houve vítimas pelo caminho, claro. A psicoanalista Maria Rita Kehl, que até o segundo turno escreveu para o jornal O Estado de S. Paulo, foi demitida após defender o Bolsa-Família e criticar as correntes anti-nordestinas que pipocavam nas caixas de e-mail pelo Brasil afora. O semanário CartaCapital foi chamado a explicar perante a Justiça os contratos de publicidade que mantém com o governo federal. A Revista do Brasil foi censurada pelo TSE após estampar o rosto de Dilma Rousseff na capa de sua edição de outubro, publicada uma semana depois do primeiro turno.
A polarização era tanta que teve jornalista demitido até no Ceará. Seu pecado foi publicar um caderno especial sobre o intelectual franco-brasileiro Michael Löwy e dois livros de sua autoria: Revoluções e Aviso de Incêndio. Também houve repórteres hostilizados durante o exercício da profissão. Foi com um raivoso “pelego filho da puta” que Aloysio Nunes Ferreira, senador eleito por São Paulo, recebeu um trabalhador da imprensa alternativa por demais insolente ao ponto de querer entrevistá-lo.
Depois da militância
A mídia alternativa desempenhou um duplo papel durante as eleições: não só cumpriu com suas obrigações jornalísticas ao desfazer manipulações, combater preconceitos e oferecer diferentes pontos de vista sobre os fatos, como também atuou política e partidariamente com o objetivo de garantir a vitória de uma candidatura que, a seu juízo – e o segundo turno deixou poucas dúvidas disso –, representava a melhor opção para governar o país. Na maioria das vezes, foi feliz e matou estes dois coelhos com uma cajadada só.
Contudo, passado o susto de uma ressaca conservadora que não aconteceu, talvez seja o momento de jornalistas independentes e meios de comunicação alternativos reavaliarem seu posicionamento no teatro do bem e do mal da política brasileira. Afinal, qual é a linha que separa o chapa-branquismo da defesa do interesse público?
No segundo turno de polarizações eleitorais, criticar as vicissitudes do governo Lula ou as deficiências de Dilma Rousseff era dar munição à violenta campanha montada pela oposição. Por isso, às vésperas do pleito, a corrida presidencial ganhou ares de jogo de futebol. Se os brasileiros deixamos de ser cidadãos e fomos transformados em torcida organizada, o jornalismo seguiu o mesmo rumo: era PT ou PSDB, Gaviões da Fiel ou Mancha Verde, sem meio termo.
Qualquer desconfiança quanto à própria escolha significava ceder à “superioridade” do adversário. A política deu lugar à paixão. E, entre apaixonados, no esporte ou nas eleições, não há diálogo nem entendimento. Tampouco autocrítica: afinal, não se critica o próprio time na final de um campeonato. O atacante pode estar fora de forma e o técnico, ser um energúmeno. O que importa é ganhar.
Dilma ganhou e, felizmente, a peleja chegou ao fim. Como sempre, depois de um processo eleitoral, agora há um país a construir e que tem que dar certo para a maioria. Em tempos de paz, talvez não seja papel do jornalismo – nem do tradicional nem do alternativo – vestir a camisa deste ou daquele partido. Isso não quer dizer que temos de ressuscitar os mitos enterrados da imparcialidade. Tomar partido em épocas de polarização, como vimos, é saudável. Porém, submeter-se aos ditames de um grupo político a tempo completo pode ser danoso.
Em última análise, não há qualquer mal intrínseco em transformar-se no porta-voz de um projeto de poder. Nas democracias mais maduras, as forças partidárias estão bem representadas na imprensa. Na Espanha, o El País mantém relações com o PSOE. Nos Estados Unidos, os democratas estão mais presentes no New York Times. O Il Manifesto, da Itália, não esconde sua preferência comunista. Esta é uma opção legítima para externar à sociedade como uma agremiação política vê o mundo e interpreta a realidade. Da mesma maneira que, no Brasil, os grandes meios de comunicação se identificam com as pautas liberais e com as candidaturas mais conservadoras, como as do PSDB, é saudável que o PT e todos os demais partidos, à medida que ganhem força, também tenham aliados na trincheira midiática.
Entretanto, já passou da hora de jornalistas e meios de comunicação independentes (ou pelo menos os que desejem denominar-se como tais) assumirem papel protagônico no cenário informativo brasileiro. Entre blogueiros e profissionais que ganham a vida fora do eixo tradicional, há capacidade de sobra em braços e cabeças para elaborar uma cobertura livre das amarras mercadológicas e da estreiteza temática da opinião pública.
A internet oferece milhões de possibilidades para a criação de novos paradigmas informativos em áudio, texto, vídeo e imagens, ou na fusão simultânea de todas as mídias, tudo a baixo custo. E há pautas suficientes para preencher um novo noticiário permanente que consiga abarcar, com qualidade técnica e estética, os temas de maior interesse à sociedade nacional e internacional – sobretudo os que não estão ou não encontram na imprensa de massa o espaço que merecem.
Não há razões, portanto, para que os jornalistas independentes se restrinjam ao papel subalterno de combater as infinitas distorções da grande mídia. Estar atento para o que acontece no main stream sempre foi e continuará sendo importante. Afinal, é através do Jornal Nacional, da Veja e dos jornalões que se constrói o senso comum no país. E, ao desconstruir a visão de mundo que diariamente penetra nos lares brasileiros, o jornalismo alternativo oferece novas maneiras de enxergar os fatos, as fotos e as declarações.
Continuar nesta trilha, porém, é ficar à reboque da pauta tradicional – ainda que seja um reboque às avessas. Assim, os veículos da imprensa alternativa correm o risco de se transformar em observatórios de mídia: darão um passo para fora do jornalismo e assumirão funções de críticos, o que já é feito há muito tempo por alguns acadêmicos e, claro, pelo Observatório da Imprensa.
O salto da reportagem
Chegamos ao limite da crítica. O jornalismo alternativo precisa mudar de patamar se quiser continuar existindo de maneira independente e cercar-se de legitimidade social. Porque o melhor combate à grande imprensa se dá oferecendo ao público um conteúdo melhor, que traz em cada manchete o ideal que se revela nas entrelinhas da crítica: opiniões menos superficiais, matérias mais completas, pautas que problematizem a realidade ao invés de simplesmente reproduzi-la ou contrapô-la pelo automatismo cotidiano.
O grande filão do jornalismo independente é a reportagem, que hoje em dia foi colocada em segundo plano pela imensa maioria dos meios de comunicação tradicionais. E por um motivo bastante simples: realizar investigações jornalísticas é muito caro e traz pouco resultado comercial. Aliás, uma boa reportagem muitas vezes atenta contra o mercado publicitário, pois tem a nobre vocação de chafurdar fundo nas mazelas sociais que via de regra põem em xeque o interesse de empresas, instituições ou governos — enfim, os anunciantes em potencial. A reportagem precisa de dinheiro tanto quanto tem o potencial de repeli-lo. Eis a grande sinuca de bico do jornalismo independente hoje.
Assumir uma postura governista durante a gestão do PT pode dar sobrevida econômica aos meios de comunicação alternativos. Não foi à toa que, durante o governo Lula, o Brasil assistiu à diversificação política da imprensa. Antes dominado por conglomerados empresariais, hoje o noticiário brasileiro é mais plural. Os últimos 8 anos ampliaram a liberdade de comunicação e expressão no país, o que é motivo de comemoração, mas ainda estamos longe do ideal.
Nenhum cidadão ficará satisfeito com a divisão da comunicação social entre veículos pró-PT, pró-PSDB ou pró-qualquer-coisa. O jornalismo independente é um serviço público e deve advogar em causa própria. E a causa da imprensa livre foi e sempre será o interesse da maioria da população — ou da fatia social que ela se diz representar. Direitos humanos, justiça social, preservação do meio-ambiente, bem-estar coletivo e liberdades civis são alguns dos valores que podem nortear o ofício de informar.
É a partir deles – e, eventualmente, de sua ampliação e radicalização – que o jornalismo pode escolher criticar ou elogiar governos e desgovernos pelo mundo afora. Elogiar, porém, me parece bastante complicado, já que sempre é possível para a administração pública fazer mais e melhor. Talvez seja a sina do jornalista independente estar permanentemente na oposição, não porque desprecie tudo o que existe ou não seja capaz de reconhecer avanços, mas porque não deve descansar enquanto houver qualquer rastro de injustiça e desigualdade no planeta. É longo o trabalho que tem pela frente: revelar o que está escondido, trazer à tona o que foi submerso pela indiferença cotidiana, discutir o que normalmente não se discute.
Felizmente, a internet está aí para servir-nos. O grande desafio, quem sabe, seja saber como podemos remunerar e possibilitar vida digna aos jornalistas capazes e dispostos a serem independentes. Afinal, por mais autônomo que consiga ser, ninguém escapa da ditadura das contas.
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Um passo corajoso na direção da paz
Reproduzo artigo enviado pelo amigo internacionalista Max Altman:
Em resposta a um pedido feito pelo presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, o Brasil anunciou o reconhecimento de um Estado palestino nas fronteiras existentes antes da Guerra dos Seis Dias de junho de 1967. Trata-se da concretização da legítima aspiração do povo palestino a um Estado coeso, seguro, democrático e economicamente viável, coexistindo em paz com Israel.
A iniciativa do governo Lula abre caminho e favorece as imprescindíveis negociações entre Israel e os palestinos a fim de que se alcance concessões mútuas sobre outras questões centrais do conflito. O reconhecimento do estado da Palestina é a melhor maneira de tirar do estancamento as negociações de paz, buscar a estabilidade na região e aliviar a crise humanitária por que passa boa parte do povo palestino. Ao mesmo tempo Brasília condena quaisquer atos terroristas, praticados sob qualquer pretexto.
Com uma vitória militar arrasadora na Guerra dos Seis Dias, Israel ampliou seu território, muito além do estabelecido pela Partilha da Palestina, em 1948. Já em novembro de 1967, o Conselho de Segurança da ONU votou a célebre resolução 242 que determina que a efetivação dos princípios da Carta das Nações Unidas requer o estabelecimento de uma paz justa e duradoura no Oriente Médio que inclua a aplicação dos dois seguintes princípios:
1. Evacuação das forças armadas israelenses dos territórios ocupados no conflito recente;
2. Encerramento de todas as reivindicações ou estados de beligerância e respeito pelo reconhecimento da soberania, integridade territorial e independência política de cada Estado da região e de seu direito a viver em paz dentro das fronteiras seguras e reconhecidas, livres de ameaças ou de atos de força.
Afirma ainda a necessidade de: a- Garantia de liberdade de navegação através das águas internacionais da área; b- Conseguir um acordo justo para o problema dos refugiados; c- Garantir a inviolabilidade territorial e independência política de cada Estado da região, através de medidas que incluam a criação de zonas desmilitarizadas.
Esta resolução jamais foi respeitada por Israel sempre contando com o apoio de Washington. Levantaram-se questões semânticas - o texto não dizia evacuação de todos os territórios ocupados - e depois infindáveis obstáculos geoestratégicos e de diversas outras ordens.
Israel argumenta agora que o reconhecimento do Brasil viola o chamadoAcordo de Oslo 2, firmado entre o israelense Itzhak Rabin e o palestino Yasser Arafat em 28 de setembro de 1995, que prevê que o status final da Cisjordânia só poderá ser definido por meio de negociações diretas, portanto qualquer ação unilateral estaria vedada. Contudo, a história registra que poucas semanas depois da assinatura desse acordo em 4 de novembro de 1995, Rabin foi assassinado. Líderes de partidos de direita, incluído muitos membros do Knesset (Parlamento), foram acusados de incitação selvagem que levaram ao acontecimento.
As eleições de 1996 deram vitória ao partido de direita Likud, e Benjamin Netanyahu assumiu como primeiro-ministro, propondo-se a torpedear o Acordo de Oslo. O resultado do pleito trouxe de volta ao poder governantes que não estavam dispostos a continuar fazendo concessões em nome da paz. Em agosto de 1996, o governo anulou o decreto que proibia a expansão dos assentamentos judaicos na Cisjordânia.
A ocupação dos territórios palestinos já leva 43 anos. Só para citar um exemplo histórico, a Alemanha, responsável pela hecatombe da Segunda Guerra Mundial que vitimou dezenas de milhões de soldados e civis, que provocou no Holocausto o extermínio de 6 milhões de judeus, ocupada, após a sua capitulação pelas forças dos países Aliados, recuperou sua independência e integridade territorial 4 anos depois, em maio de 1949 - República Federal Alemã -, e em outubro de 1949 - República Democrática Alemã. Já em 1990, após a que do Muro de Berlim houve a reunificação.
Muitos países que mantêm relações intensas com Israel reconhecem a Palestina bem como a esmagadora maioria dos países representados na OBU. A iniciativa brasileira é consentânea com a postura histórica e a disposição inalterada de contribuir com o processo de paz, estando em consonância com as resoluções das Nações Unidas que exigem o fim da ocupação dos territórios palestinos e a construção de um Estado independente dentro de fronteiras reconhecidas, aquelas anteriores à Guerra dos Seis Dias. É a defesa do princípio de Dois Estados.
Posição histórica nesse sentido também é a do Partido dos Trabalhadores. Em meados dos anos 1990, membro do coletivo da Secretaria de Relações Internacionais, respeitando criteriosamente as teses defendidas pelo Partido, ajudamos a fundar, organizar e dirigir o Movimento Shalom Salam Paz. Esse movimento congregava brasileiros de ascendência judaica, sionistas e não sionistas, de esquerda e centro-esquerda, brasileiros de ascendência árabe, moderados e menos moderados, os de ascendência palestina e todos aqueles dispostos a lutar por uma paz justa e duradoura no Oriente Médio e em particular, entre Israel e os palestinos.
Foi extremamente difícil conciliar as posições, houve pressão das Federações judaica e árabe e do consulado de Israel, porém conseguiu-se aprovar os pontos básicos: desocupação dos territórios palestinos ocupados com a Guerra de 1967; respeito à Resolução 242 das Nações Unidas com o reconhecimento pelos palestinos do Estado de Israel com fronteiras demarcadas, reconhecidas internacionalmente, seguras e definitivas; criação do Estado palestino, laico e viável; estabelecimento de Jerusalém leste e oeste como capital de ambas as nações; reconhecimento do direito de retorno dentro de limites a serem acordados; direito de acesso à água definidos em acordo binacional; facilidade do direito de ir e vir e do comércio binacional.
Forças internacionais sob a égide da ONU garantiriam o cumprimento das decisões. O Shalom Salam Paz levou essas idéias a dezenas de faculdades e colégios, a diversas instituições, deu dezenas de entrevistas a jornais, rádios e televisões, participou de debates, esteve presente nos Fóruns Sociais Mundiais. O Partido dos Trabalhadores tem relações de camaradagem com partidos e organizações de esquerda, de centro-esquerda e progressistas de todo o mundo, inclusive de Israel. As pontes que deseja construir e manter devem ser alicerçadas em princípios comuns, de soberania, de auto-determinação dos povos, de relações fraternais entre povos e nações, de solução pacífica e justa para os confrontos internacionais.
Uma diabólica espiral de sangue e dor, com raros interregnos, tomou conta da região nas últimas décadas. Guerras convencionais, ações terroristas e retaliações terroristas sem fim e com teor cada vez mais cruel e aterrador atingindo pessoas inocentes, governos árabes massacrando palestinos, assassinato de Rabin, negociações de paz torpedeadas ao sabor de interesses estratégicos e de poder, massacre de Munique e chacina de Jenin, intifada um e dois.
Desde 1948, os palestinos estão condenados a viver submetidos a uma revoltante humilhação. Perderam suas terras, perderam a liberdade e nunca puderam formar e organizar seu Estado. Hoje o cerco se estreitou e se tornou cruel. Sem permissão, não têm acesso à agua, a alimentos, a medicamentos. Não têm empregos nem vida econômica normal. Não podem ir de Gaza à Cisjordania, seus dois pedaços de terra. Não lhes permitem circular extra-muros sem passar por vexaminosos controles. Gaza se transformou numa prisão quando seus habitantes votaram em quem seus vizinhos acharam que não deveriam ter votado.
A Palestina hoje é muito menor que a que sobrou da Guerra dos Seis Dias. Colônias são assentadas em suas terras e atrás vêm os soldados corrigindo a fronteira. Se os assentamentos não são suficientes, que se erga um muro comendo mais pedaços de terra. Se olharmos comparativamente os mapas vemos que pouca Palestina restou.
Sabemos que a atual composição do eleitorado israelense levou ao governo líderes que abraçam a solução de confronto e não reconhecimento deDois Estados laicos e democráticos. Se de um lado, moralmente, não pode um povo que ao longo da história sofreu o que sofreu impor a outro povo sofrimentos que tem de sofrer, de outro, só a pressão dos povos e da comunidade internacional poderá levar as partes a uma séria mesa de negociações. Geograficamente - e isto é ineludível - Israel é território do Oriente Médio, tendo como vizinhos em todas as direções países árabes. Não é possível sentar-se o tempo todo sobre a ponta da baioneta, ao preço de transformar a nação numa simples fortaleza. Inexoravelmente, vai ter de conviver no futuro, e pacificamente, com seus vizinhos.
Contudo, a comunidade internacional deve abandonar os discursos vazios, as declarações ardilosas, a indiferença, as manifestações altissonantes, comportamentos ambíguos que servem de amparo à impunidade. Que os países árabes deixem de lavar as mãos. Que países europeus, que durante séculos costumavam praticar a caça aos judeus e há décadas passaram a cobrar essa dívida histórica dos palestinos, ponham de lado a hipocrisia de derramar umas tantas lágrimas enquanto celebram secretamente outro lance de mestre. E que os Estados Unidos deixem a parcialidade e ajudem a construir a paz justa entre Israel e palestinos, que seguramente servirá para estendê-la a outros rincões da mesma região.
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Em resposta a um pedido feito pelo presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, o Brasil anunciou o reconhecimento de um Estado palestino nas fronteiras existentes antes da Guerra dos Seis Dias de junho de 1967. Trata-se da concretização da legítima aspiração do povo palestino a um Estado coeso, seguro, democrático e economicamente viável, coexistindo em paz com Israel.
A iniciativa do governo Lula abre caminho e favorece as imprescindíveis negociações entre Israel e os palestinos a fim de que se alcance concessões mútuas sobre outras questões centrais do conflito. O reconhecimento do estado da Palestina é a melhor maneira de tirar do estancamento as negociações de paz, buscar a estabilidade na região e aliviar a crise humanitária por que passa boa parte do povo palestino. Ao mesmo tempo Brasília condena quaisquer atos terroristas, praticados sob qualquer pretexto.
Com uma vitória militar arrasadora na Guerra dos Seis Dias, Israel ampliou seu território, muito além do estabelecido pela Partilha da Palestina, em 1948. Já em novembro de 1967, o Conselho de Segurança da ONU votou a célebre resolução 242 que determina que a efetivação dos princípios da Carta das Nações Unidas requer o estabelecimento de uma paz justa e duradoura no Oriente Médio que inclua a aplicação dos dois seguintes princípios:
1. Evacuação das forças armadas israelenses dos territórios ocupados no conflito recente;
2. Encerramento de todas as reivindicações ou estados de beligerância e respeito pelo reconhecimento da soberania, integridade territorial e independência política de cada Estado da região e de seu direito a viver em paz dentro das fronteiras seguras e reconhecidas, livres de ameaças ou de atos de força.
Afirma ainda a necessidade de: a- Garantia de liberdade de navegação através das águas internacionais da área; b- Conseguir um acordo justo para o problema dos refugiados; c- Garantir a inviolabilidade territorial e independência política de cada Estado da região, através de medidas que incluam a criação de zonas desmilitarizadas.
Esta resolução jamais foi respeitada por Israel sempre contando com o apoio de Washington. Levantaram-se questões semânticas - o texto não dizia evacuação de todos os territórios ocupados - e depois infindáveis obstáculos geoestratégicos e de diversas outras ordens.
Israel argumenta agora que o reconhecimento do Brasil viola o chamadoAcordo de Oslo 2, firmado entre o israelense Itzhak Rabin e o palestino Yasser Arafat em 28 de setembro de 1995, que prevê que o status final da Cisjordânia só poderá ser definido por meio de negociações diretas, portanto qualquer ação unilateral estaria vedada. Contudo, a história registra que poucas semanas depois da assinatura desse acordo em 4 de novembro de 1995, Rabin foi assassinado. Líderes de partidos de direita, incluído muitos membros do Knesset (Parlamento), foram acusados de incitação selvagem que levaram ao acontecimento.
As eleições de 1996 deram vitória ao partido de direita Likud, e Benjamin Netanyahu assumiu como primeiro-ministro, propondo-se a torpedear o Acordo de Oslo. O resultado do pleito trouxe de volta ao poder governantes que não estavam dispostos a continuar fazendo concessões em nome da paz. Em agosto de 1996, o governo anulou o decreto que proibia a expansão dos assentamentos judaicos na Cisjordânia.
A ocupação dos territórios palestinos já leva 43 anos. Só para citar um exemplo histórico, a Alemanha, responsável pela hecatombe da Segunda Guerra Mundial que vitimou dezenas de milhões de soldados e civis, que provocou no Holocausto o extermínio de 6 milhões de judeus, ocupada, após a sua capitulação pelas forças dos países Aliados, recuperou sua independência e integridade territorial 4 anos depois, em maio de 1949 - República Federal Alemã -, e em outubro de 1949 - República Democrática Alemã. Já em 1990, após a que do Muro de Berlim houve a reunificação.
Muitos países que mantêm relações intensas com Israel reconhecem a Palestina bem como a esmagadora maioria dos países representados na OBU. A iniciativa brasileira é consentânea com a postura histórica e a disposição inalterada de contribuir com o processo de paz, estando em consonância com as resoluções das Nações Unidas que exigem o fim da ocupação dos territórios palestinos e a construção de um Estado independente dentro de fronteiras reconhecidas, aquelas anteriores à Guerra dos Seis Dias. É a defesa do princípio de Dois Estados.
Posição histórica nesse sentido também é a do Partido dos Trabalhadores. Em meados dos anos 1990, membro do coletivo da Secretaria de Relações Internacionais, respeitando criteriosamente as teses defendidas pelo Partido, ajudamos a fundar, organizar e dirigir o Movimento Shalom Salam Paz. Esse movimento congregava brasileiros de ascendência judaica, sionistas e não sionistas, de esquerda e centro-esquerda, brasileiros de ascendência árabe, moderados e menos moderados, os de ascendência palestina e todos aqueles dispostos a lutar por uma paz justa e duradoura no Oriente Médio e em particular, entre Israel e os palestinos.
Foi extremamente difícil conciliar as posições, houve pressão das Federações judaica e árabe e do consulado de Israel, porém conseguiu-se aprovar os pontos básicos: desocupação dos territórios palestinos ocupados com a Guerra de 1967; respeito à Resolução 242 das Nações Unidas com o reconhecimento pelos palestinos do Estado de Israel com fronteiras demarcadas, reconhecidas internacionalmente, seguras e definitivas; criação do Estado palestino, laico e viável; estabelecimento de Jerusalém leste e oeste como capital de ambas as nações; reconhecimento do direito de retorno dentro de limites a serem acordados; direito de acesso à água definidos em acordo binacional; facilidade do direito de ir e vir e do comércio binacional.
Forças internacionais sob a égide da ONU garantiriam o cumprimento das decisões. O Shalom Salam Paz levou essas idéias a dezenas de faculdades e colégios, a diversas instituições, deu dezenas de entrevistas a jornais, rádios e televisões, participou de debates, esteve presente nos Fóruns Sociais Mundiais. O Partido dos Trabalhadores tem relações de camaradagem com partidos e organizações de esquerda, de centro-esquerda e progressistas de todo o mundo, inclusive de Israel. As pontes que deseja construir e manter devem ser alicerçadas em princípios comuns, de soberania, de auto-determinação dos povos, de relações fraternais entre povos e nações, de solução pacífica e justa para os confrontos internacionais.
Uma diabólica espiral de sangue e dor, com raros interregnos, tomou conta da região nas últimas décadas. Guerras convencionais, ações terroristas e retaliações terroristas sem fim e com teor cada vez mais cruel e aterrador atingindo pessoas inocentes, governos árabes massacrando palestinos, assassinato de Rabin, negociações de paz torpedeadas ao sabor de interesses estratégicos e de poder, massacre de Munique e chacina de Jenin, intifada um e dois.
Desde 1948, os palestinos estão condenados a viver submetidos a uma revoltante humilhação. Perderam suas terras, perderam a liberdade e nunca puderam formar e organizar seu Estado. Hoje o cerco se estreitou e se tornou cruel. Sem permissão, não têm acesso à agua, a alimentos, a medicamentos. Não têm empregos nem vida econômica normal. Não podem ir de Gaza à Cisjordania, seus dois pedaços de terra. Não lhes permitem circular extra-muros sem passar por vexaminosos controles. Gaza se transformou numa prisão quando seus habitantes votaram em quem seus vizinhos acharam que não deveriam ter votado.
A Palestina hoje é muito menor que a que sobrou da Guerra dos Seis Dias. Colônias são assentadas em suas terras e atrás vêm os soldados corrigindo a fronteira. Se os assentamentos não são suficientes, que se erga um muro comendo mais pedaços de terra. Se olharmos comparativamente os mapas vemos que pouca Palestina restou.
Sabemos que a atual composição do eleitorado israelense levou ao governo líderes que abraçam a solução de confronto e não reconhecimento deDois Estados laicos e democráticos. Se de um lado, moralmente, não pode um povo que ao longo da história sofreu o que sofreu impor a outro povo sofrimentos que tem de sofrer, de outro, só a pressão dos povos e da comunidade internacional poderá levar as partes a uma séria mesa de negociações. Geograficamente - e isto é ineludível - Israel é território do Oriente Médio, tendo como vizinhos em todas as direções países árabes. Não é possível sentar-se o tempo todo sobre a ponta da baioneta, ao preço de transformar a nação numa simples fortaleza. Inexoravelmente, vai ter de conviver no futuro, e pacificamente, com seus vizinhos.
Contudo, a comunidade internacional deve abandonar os discursos vazios, as declarações ardilosas, a indiferença, as manifestações altissonantes, comportamentos ambíguos que servem de amparo à impunidade. Que os países árabes deixem de lavar as mãos. Que países europeus, que durante séculos costumavam praticar a caça aos judeus e há décadas passaram a cobrar essa dívida histórica dos palestinos, ponham de lado a hipocrisia de derramar umas tantas lágrimas enquanto celebram secretamente outro lance de mestre. E que os Estados Unidos deixem a parcialidade e ajudem a construir a paz justa entre Israel e palestinos, que seguramente servirá para estendê-la a outros rincões da mesma região.
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Prisão de Assange fere a democracia
Por Altamiro Borges
Satanizado pelos EUA e furiosamente perseguido pela Interpol, o australiano Julian Assange, criador do sítio Wikileaks, decidiu se entregar à polícia do Reino Unido na manhã desta terça-feira (7). A prisão representa um duro golpe contra a liberdade de expressão, principalmente contra a liberdade na internet. Não é para menos que os barões da mídia, no Brasil e no mundo, evitam fazer alarde. Se um blogueiro fosse detido na China, Irã ou Cuba, a gritaria seria infernal.
A desculpa para justificar a caçada a Assange é a denúncia da Justiça sueca de que ele teria cometido crimes de estupro, assédio sexual e coerção ilegal contra duas mulheres, em agosto passado. A sentença é bastante confusa, levando-se em conta que no país a prática de sexo desprotegido, sem o uso de preservativo, é considerada uma categoria leve de estupro. Assange nega as acusações e garante que a perseguição é uma retaliação ao Wikileaks pelo vazamento de documentos das embaixadas dos EUA.
Cresce o apoio ao Wikileaks
Apesar da cumplicidade da mídia ianque e das suas sucursais colonizadas, a prisão de Assange não deverá cair no silêncio. Desde que os EUA deflagraram a caçada mundial ao Wikileaks, exigindo sua retirada do ar e a prisão do seu criador, cresce o apoio ao sítio. Através do Twitter foi lançado na semana passada o movimento "imwikileaks" ("eu sou Wikileaks"). Em apenas dois dias, mais de 500 sítios na web clonaram o seu conteúdo para "tornar impossível que o Wikileaks seja retirado totalmente do ar".
Também está em curso uma jornada internacional de boicote à Amazon Web Server (AWS), empresa que hospedava o sítio, mas que se sujeitou à censura imposta pelo governo de Barack Obama. O portal está agora hospedado num servidor do Partido Pirata suiço e oferece instruções para que qualquer sítio use o seu conteúdo. No mundo da internet, pelo menos por enquanto, o poder imperial dos EUA mostra-se vulnerável. Eric Holder, censor dos EUA, já admitiu que Washington tem dificuldade para silenciar o Wikileaks.
A prisão de Julian Assange é um grave atentado à democracia, à verdadeira liberdade de expressão. Merece repúdio imediato. Uma das formas de solidariedade é continuar difundindo os textos "sigilosos" que comprovam que a diplomacia ianque é um antro de espionagem e terrorismo. Ela serve aos interesses do império - uma obviedade, mas que deve ser repetida para muitos que achavam que o imperialismo já não existia.
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Satanizado pelos EUA e furiosamente perseguido pela Interpol, o australiano Julian Assange, criador do sítio Wikileaks, decidiu se entregar à polícia do Reino Unido na manhã desta terça-feira (7). A prisão representa um duro golpe contra a liberdade de expressão, principalmente contra a liberdade na internet. Não é para menos que os barões da mídia, no Brasil e no mundo, evitam fazer alarde. Se um blogueiro fosse detido na China, Irã ou Cuba, a gritaria seria infernal.
A desculpa para justificar a caçada a Assange é a denúncia da Justiça sueca de que ele teria cometido crimes de estupro, assédio sexual e coerção ilegal contra duas mulheres, em agosto passado. A sentença é bastante confusa, levando-se em conta que no país a prática de sexo desprotegido, sem o uso de preservativo, é considerada uma categoria leve de estupro. Assange nega as acusações e garante que a perseguição é uma retaliação ao Wikileaks pelo vazamento de documentos das embaixadas dos EUA.
Cresce o apoio ao Wikileaks
Apesar da cumplicidade da mídia ianque e das suas sucursais colonizadas, a prisão de Assange não deverá cair no silêncio. Desde que os EUA deflagraram a caçada mundial ao Wikileaks, exigindo sua retirada do ar e a prisão do seu criador, cresce o apoio ao sítio. Através do Twitter foi lançado na semana passada o movimento "imwikileaks" ("eu sou Wikileaks"). Em apenas dois dias, mais de 500 sítios na web clonaram o seu conteúdo para "tornar impossível que o Wikileaks seja retirado totalmente do ar".
Também está em curso uma jornada internacional de boicote à Amazon Web Server (AWS), empresa que hospedava o sítio, mas que se sujeitou à censura imposta pelo governo de Barack Obama. O portal está agora hospedado num servidor do Partido Pirata suiço e oferece instruções para que qualquer sítio use o seu conteúdo. No mundo da internet, pelo menos por enquanto, o poder imperial dos EUA mostra-se vulnerável. Eric Holder, censor dos EUA, já admitiu que Washington tem dificuldade para silenciar o Wikileaks.
A prisão de Julian Assange é um grave atentado à democracia, à verdadeira liberdade de expressão. Merece repúdio imediato. Uma das formas de solidariedade é continuar difundindo os textos "sigilosos" que comprovam que a diplomacia ianque é um antro de espionagem e terrorismo. Ela serve aos interesses do império - uma obviedade, mas que deve ser repetida para muitos que achavam que o imperialismo já não existia.
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segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
Tereza Cruvinel: Legados da era Lula
Reproduzo artigo de Tereza Cruvinel, jornalista e presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), publicado no jornal Correio Braziliense:
Neste último artigo do ano aqui no Correio, não tenho como não falar dos oito anos trepidantes, em todos os sentidos, que estão chegando ao fim. Os anos Lula não apenas mudaram para sempre o Brasil. Mudaram também nossa forma de sentir e pensar nosso país.
Sob Lula, aprendemos a enxergar a pobreza, a importância de combatê-la e, mais recentemente, a celebrar sua redução. Vimos um presidente chegar ao poder contrariando tudo o que sempre nos pareceu natural: sem berço, sem diplomas, sem o apoio das elites econômicas e pensantes. Vimo-lo depois quebrar todas as convenções ao exercer o poder: falando a linguagem desabrida do povo, cometendo metáforas rasas e gafes frequentes, quebrando a liturgia do cargo, trocando o serviço à francesa do Itamaraty por um buffet self-service, tomando café com os catadores de papel e exercitando uma aguerrida diplomacia presidencial sem falar outra língua. Não haverá outro Lula, pois o Brasil que o gerou não haverá mais. E isso é bom.
Neste período, 28 milhões de brasileiros cruzaram a linha da pobreza e outros 20 milhões ascenderam à classe C. Mais extraordinário é que esse feito tenha acontecido sem a quebra de um só cristal. Ou seja, Lula não tomou uma só agulha dos mais ricos para dar aos mais pobres. Não privou os banqueiros de seus lucros para estender o crédito ao andar de baixo. Não reduziu as exportações do agrobusiness para dar mais comida ao povo. Não garfou a poupança da classe média para criar o Bolsa Família. Tudo fez harmonizando interesses e moderando conflitos. Todos ganharam, embora os mais pobres tenham começado a tirar a diferença. Em 2009, apesar da crise, a renda média dos 40% mais pobres cresceu 3,15% e dos 10% mais ricos apenas 1,09%. E isso é bom para todos, inclusive para os ricos. Este ano, os números serão mais eloquentes.
O crescimento da economia, que pode chegar aos 8% em 2010, será o maior em 24 anos. Desta vez foi crescimento sem inflação e com distribuição de renda. No final do período Lula, terão sido gerados 15 milhões de empregos. Este ano, a nova classe C vai gastar R$ 500 bilhões em 2010, superando o consumo das classes A e B. Isso é mudança.
Sob Lula, a percepção do Brasil mudou também lá fora. Agora o país é player, é líder no G-20, é um dos Brics, vai sediar a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016. Vamos perdendo o velho complexo de vira-latas.
Nem tudo foi resolvido, nem tudo foi feito e não faltaram as decepções. Sobretudo as políticas, com os casos de corrupção intermitentes. Mas o saldo a favor de Lula foi bem maior e levou-o ao píncaro da popularidade. Mesmo assim, ele continua sendo um presidente intragável para uma minoria. Talvez para aqueles 4% ou 5% que, nas pesquisas frequentes, consideram seu governo péssimo, contra os 80% que o consideram ótimo ou bom.
As relações com a mídia serão um capítulo na história a ser escrita. Vivi a minha pequena parte. Colunista política de O Globo, nunca apontei, nos seis governos e sete legislaturas que cobri, apenas o bem ou o mal. Assim erigi minha credibilidade de analista político. A partir de 2003, divergi do pensamento único que passou a vigir na mídia, não engrossando a cruzada anti-Lula. Na elite do jornalismo político, muito poucos, além de mim e de Franklin Martins, fugiram ao padrão monopólico e demonizador.
Houve preço. Em 2005, veio o maccarthismo e com ele os cães raivosos e o espírito de delação. Um deles espumou, em 2005, que Lula só não caíra ainda porque uma lista de jornalistas lulistas, aberta com meu nome, havia aparelhado a imprensa! Por algum tempo sustentei o apedrejamento, mas, já tendo sofrido uma ditadura, rejeitei a escolha entre autoimolação e sujeição. No final de 2007, aceitei o convite para dirigir a TV Pública que seria criada, cumprindo a Constituição Federal. Pouco vi o presidente depois disso. Tenho trabalhado com absoluta liberdade e os resultados estão aí. Nunca recebi queixas ou bilhetinhos de ministros.
Não tenho a menor importância na história maior que se encerra agora. Conto isso aqui porque esses detalhes fazem parte do ambiente venenoso, eivado de intolerância, elitismo e ódio de classe em que Lula governou e construiu o legado que deixa ao país.
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Neste último artigo do ano aqui no Correio, não tenho como não falar dos oito anos trepidantes, em todos os sentidos, que estão chegando ao fim. Os anos Lula não apenas mudaram para sempre o Brasil. Mudaram também nossa forma de sentir e pensar nosso país.
Sob Lula, aprendemos a enxergar a pobreza, a importância de combatê-la e, mais recentemente, a celebrar sua redução. Vimos um presidente chegar ao poder contrariando tudo o que sempre nos pareceu natural: sem berço, sem diplomas, sem o apoio das elites econômicas e pensantes. Vimo-lo depois quebrar todas as convenções ao exercer o poder: falando a linguagem desabrida do povo, cometendo metáforas rasas e gafes frequentes, quebrando a liturgia do cargo, trocando o serviço à francesa do Itamaraty por um buffet self-service, tomando café com os catadores de papel e exercitando uma aguerrida diplomacia presidencial sem falar outra língua. Não haverá outro Lula, pois o Brasil que o gerou não haverá mais. E isso é bom.
Neste período, 28 milhões de brasileiros cruzaram a linha da pobreza e outros 20 milhões ascenderam à classe C. Mais extraordinário é que esse feito tenha acontecido sem a quebra de um só cristal. Ou seja, Lula não tomou uma só agulha dos mais ricos para dar aos mais pobres. Não privou os banqueiros de seus lucros para estender o crédito ao andar de baixo. Não reduziu as exportações do agrobusiness para dar mais comida ao povo. Não garfou a poupança da classe média para criar o Bolsa Família. Tudo fez harmonizando interesses e moderando conflitos. Todos ganharam, embora os mais pobres tenham começado a tirar a diferença. Em 2009, apesar da crise, a renda média dos 40% mais pobres cresceu 3,15% e dos 10% mais ricos apenas 1,09%. E isso é bom para todos, inclusive para os ricos. Este ano, os números serão mais eloquentes.
O crescimento da economia, que pode chegar aos 8% em 2010, será o maior em 24 anos. Desta vez foi crescimento sem inflação e com distribuição de renda. No final do período Lula, terão sido gerados 15 milhões de empregos. Este ano, a nova classe C vai gastar R$ 500 bilhões em 2010, superando o consumo das classes A e B. Isso é mudança.
Sob Lula, a percepção do Brasil mudou também lá fora. Agora o país é player, é líder no G-20, é um dos Brics, vai sediar a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016. Vamos perdendo o velho complexo de vira-latas.
Nem tudo foi resolvido, nem tudo foi feito e não faltaram as decepções. Sobretudo as políticas, com os casos de corrupção intermitentes. Mas o saldo a favor de Lula foi bem maior e levou-o ao píncaro da popularidade. Mesmo assim, ele continua sendo um presidente intragável para uma minoria. Talvez para aqueles 4% ou 5% que, nas pesquisas frequentes, consideram seu governo péssimo, contra os 80% que o consideram ótimo ou bom.
As relações com a mídia serão um capítulo na história a ser escrita. Vivi a minha pequena parte. Colunista política de O Globo, nunca apontei, nos seis governos e sete legislaturas que cobri, apenas o bem ou o mal. Assim erigi minha credibilidade de analista político. A partir de 2003, divergi do pensamento único que passou a vigir na mídia, não engrossando a cruzada anti-Lula. Na elite do jornalismo político, muito poucos, além de mim e de Franklin Martins, fugiram ao padrão monopólico e demonizador.
Houve preço. Em 2005, veio o maccarthismo e com ele os cães raivosos e o espírito de delação. Um deles espumou, em 2005, que Lula só não caíra ainda porque uma lista de jornalistas lulistas, aberta com meu nome, havia aparelhado a imprensa! Por algum tempo sustentei o apedrejamento, mas, já tendo sofrido uma ditadura, rejeitei a escolha entre autoimolação e sujeição. No final de 2007, aceitei o convite para dirigir a TV Pública que seria criada, cumprindo a Constituição Federal. Pouco vi o presidente depois disso. Tenho trabalhado com absoluta liberdade e os resultados estão aí. Nunca recebi queixas ou bilhetinhos de ministros.
Não tenho a menor importância na história maior que se encerra agora. Conto isso aqui porque esses detalhes fazem parte do ambiente venenoso, eivado de intolerância, elitismo e ódio de classe em que Lula governou e construiu o legado que deixa ao país.
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