quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Roberto Freire vira aspone de Kassab

Até Ricardo Noblat, colunista do jornal O Globo, registrou a fato curioso no seu blog, replicando um artigo de José Dirceu intitulado “Roberto Freire recebe jetons da prefeitura”. Ele informa que o “presidente nacional do PPS, que posa e gosta de se apresentar como paladino da moralidade no país, recebe jetons no valor de R$ 12 mil mensais da prefeitura de São Paulo pela participação em dois conselhos municipais – Empresa Municipal de Urbanização (Emurb) e SP-Turismo... O conselheiro assina atas de reuniões a que não comparece, com o agravante de que é integrante da turma do falso moralismo, da turma dos gigolôs da ética alheia”.

A denúncia apareceu primeiro no Jornal da Tarde, no final de janeiro, num texto de Fábio Leite. Ele revelou que Roberto Freire é uma das 58 pessoas beneficiadas pela política de contratação de “conselheiros”, implantada em 2005 na gestão do José Serra, atual governador e o presidenciável preferido das elites. Reeleito, o demo Gilberto Kassab, pau-mandado do tucano, manteve o jetom do chefão do PPS. O texto do JT afirma que esta “bondade administrativa” visa acolher aliados e engordar os salários dos secretários municipais. Apesar da gravidade da denúncia, que lembra o tal “mensalão”, as emissoras de televisão e os jornalões não fizeram qualquer alarde, outra prova de que a mídia está totalmente engajada no retorno do bloco liberal-conservador ao poder.

A formalidade da fusão PPS-PSDB

O ex-deputado federal e atual presidente do PPS tem sido muito paparicado por tucanos e demos. Desde o final dos anos 80, quando da desintegração do bloco soviético, ele acelerou sua guinada à direita, convertendo-se num apologista do capitalismo. Após implodir o antigo “partidão”, ele virou líder do governo neoliberal de FHC e um expoente do projeto de privatização e desmonte do Estado. No governo Lula, tornou-se um raivoso opositor, posando de vestal da ética. Chegou a defender o impeachment do presidente, acusando-o de estar metido no escândalo do mensalão – logo ele que, ironicamente, recebe jetons da prefeitura paulistana e reside em Pernambuco.

Essa conversão direitista desidratou o PPS, partido que Roberto Freire comanda como um velho coronel. Nas eleições de 2006, este agrupamento híbrido sofreu as maiores baixas, perdendo 188 prefeituras e milhares de vereadores. Diante do baque, ele passou a defender a extinção do PPS e o seu ingresso no PSDB, vestindo de vez a roupagem tucana. Em novembro passado, José Serra fez o convite formal para a adesão, num jantar em Brasília oferecido à cúpula “socialista”. Ficou acertado que os dois partidos deverão se fundir até o final do primeiro semestre deste ano. “O PPS conversa há muito tempo com o PSDB. Precisamos montar um agrupamento político forte para a era pós-Lula”, relatou, na ocasião, o deputado Nelson Proença, seguidor de Freire.

Escândalo e indignação nas bases

Segundo Pedro Venceslau, num artigo para revista Fórum intitulado “tucanos de bico vermelho”, a fusão não terá maior impacto no mundo político. “Na prática, não passa de mera formalidade. Desde a eleição de Lula, os dois partidos mantêm relação para lá de carnal. Indignam-se juntos e assinam notas, manifestos e repúdios, em geral ao lado do DEM, sempre que surge um gancho contra o governo federal”. Mas, com base nas sondagens do jornalista, a fusão deverá produzir abalos no interior do PPS. Setores que ainda se identificam com a esquerda estão muito inquietos com a perda total de autonomia da legenda que ainda conserva o “socialismo” no nome.

A ex-candidata à prefeita do partido, Sonia Francine, já havia sido cooptada por Gilberto Kassab para a subprefeitura da Cidade Tiradentes. Agora, é o próprio Roberto Freire que vira aspone do prefeito demo. Se a mídia fosse isenta, o escândalo seria devastador. Afinal, os 58 “conselheiros” causam um rombo de R$ 4,17 milhões aos cofres públicos. Os jetons elevam, de forma ilegal, os salários de 15 secretários municipais e bancam aliados políticos que nem sequer moram em São Paulo. Diante destas maracutaias, será difícil manter o falso discurso da ética. Os militantes mais sadios do PPS devem, realmente, ficar indignados. Do contrário, jogarão o seu passado no lixo.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Uma década da revolução bolivariana

Empossado em 2 de fevereiro de 1999, o presidente Hugo Chávez completa 10 anos a frente da “revolução bolivariana” na Venezuela. Sua inesperada eleição, em dezembro de 1998, com 56% dos votos, foi uma resposta à devastação neoliberal e representou duro golpe ao bipartidarismo oligárquico imperante neste país desde 1958 – através do pacto de “Punto Fijo”. Ela deu início a uma experiência inédita na América Latina, com a vitória de inúmeros governantes progressistas, antineoliberais, e recolocou na agenda política o debate sobre o “socialismo do século 21”.

Nesta uma década, Hugo Chávez, que chegou ao governo sem contar com partidos estruturados e movimentos sociais consistentes, enfrentou enormes obstáculos. Além dos problemas estruturais de um país miserável, ele foi alvo da fúria das elites racistas, das conspirações do imperialismo e do cerco da mídia. Com base no apoio popular e num núcleo nacionalista das forças armadas, ele derrotou o golpe de estado de abril de 2002, o locaute petroleiro de dezembro/janeiro de 2003 e incontáveis iniciativas de desestabilização do seu governo. Segundo pesquisa recente, atuam no país 271 organizações não-governamentais financiadas pelos EUA e com propósitos golpistas.

“A palha e o furacão revolucionário”

Num processo radicalizado, ele insistiu na via democrática, ao contrário do que alardeia a mídia. Hugo Chávez enfrentou e venceu três eleições presidenciais (1998, 2000 e 2006), três referendos constitucionais (dois em 1999 e outro em 2004), quatro pleitos executivos (2000, 2004, 2005 e 2008) e dois legislativos (1999 e 2005). Na mais recente disputa, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) conquistou 17 dos 23 governos estaduais e 233 prefeituras (80% das existentes). Nesta trajetória, ele sofreu apenas uma derrota, no referendo de dezembro de 2007.

A cada nova vitória, Chávez foi firmando sua convicção no projeto bolivariano. “Eu sou apenas uma débil palha arrastada pelo furacão revolucionário”, explica. Após derrotar o golpe de 2002, ele exonerou os generais golpistas e acelerou os programas sociais. Com a derrota do locaute, ele demitiu a casta de diretores e gerentes endinheirados e assumiu, de fato, o comando da poderosa empresa de petróleo da Venezuela – a PDVSA. Ele também enfrentou a ditadura midiática, não renovando a concessão pública da RCTV e incentivando rádios e TVs comunitárias. A partir da eleição presidencial de 2006, Chávez anunciou sua idéia híbrida do “socialismo do século 21”.

Mudanças políticas radicais

Vários fatores explicam os avanços da revolução bolivariana, com seus ziguezagues e lacunas. A primeira é a radical mudança política no país, com o governo apostando na participação ativa das camadas populares – na chamada democracia protagônica. Através dos comitês bolivarianos, das missiones (programas sociais sob controle da sociedade) e dos conselhos, há um enorme esforço pedagógico para envolver os “excluídos”. Na retaguarda deste processo movimentista aparecem as forças armadas. “Nossa revolução é pacífica, mas não é desarmada”, enfatiza sempre Chávez.

O debate político na Venezuela é dos mais intensos e democráticos. As sucessivas eleições e as várias instâncias de participação popular procuram superar a fragilidade dos movimentos sociais e a debilidade de um processo centrado num único líder. Nesta empreitada se dá a guerra contra a ditadura midiática. Balanço recente indica que, além dos quatro veículos estatais, hoje já existem 250 rádios comunitárias, 24 emissoras de TV sob controle popular, 300 periódicos alternativos e uma potente rede de internet – de 640 mil usuários em 2002 pulou para 4,142 milhões em 2008.

Avanços no campo econômico

Outro fator determinante para os avanços da revolução bolivariana são as mudanças no terreno econômico. Inicialmente, o processo foi até conservador, cauteloso. Com o tempo, as mudanças ganharam ritmo – com a estatização, de fato, da PDVSA, introdução de tributos sobre ganhos das multinacionais e medidas de controle do fluxo de capitais, entre outras de cunho antineoliberal. Procura-se diversificar a base produtiva do país, que continua muito dependente do petróleo, no que se batizou de economia endógena. Há também o estímulo às cooperativas e às propriedades sociais. Com base nestas medidas, a economia cresceu em média 11,2% nos últimos cinco anos.

Na fase recente, a revolução bolivariana acelerou o processo de estatização de áreas estratégicas, comprando empresas privadas na telefonia (Cantv), energia (AES), siderurgia (Sidor) e bancos (Santander). A proposta do “socialismo do século 21” ainda é uma peça de propaganda. Diante da grave crise mundial do capitalismo, que afeta duramente o preço e o volume das exportações de petróleo, o governo tenta atrair o chamado setor produtivo. Em julho passado, promoveu um encontro com 300 empresários e lançou um forte programa de subsídios às empresas. Há muita polêmica sobre o lançamento de uma nova NEP, a exemplo do ocorrido na revolução soviética.

A força dos programas sociais

O que dá forte impulso à revolução bolivariana, porém, são os programas sociais implantados nestes 10 anos. Três reportagens recentes – “Uma década de Chávez”, da revista Carta Capital; “Chávez, as dez vitórias e a mídia”, do jornal mexicano La Jornada; e “A nova Venezuela do presidente Chávez”, do periódico francês Le Monde Diplomatique – evidenciam o esforço do governo para melhorar a vida da sua população. A oligarquia racista, o imperialismo e a mídia venal até hoje não entenderam estas mudança. Vale à pena listar alguns dados do período 1998-2007:

- Miséria extrema: baixou de 20,3% para 9,4%;

- Pobreza: de 50,4% para 33,07%;

- Diferença entre riqueza/pobreza: de 28,1% para 18%;

- Mortalidade infantil: de 21,4 para 13,9 para cada mil nascidos vivos;

- Desemprego: de 16,06% para 6,3%;

- Salário mínimo: de 154 dólares para 286 dólares, o mais alto da América Latina;

- Aumento do poder aquisitivo: 400%;

- Investimento na educação: de 3,38% para 5,43% do PIB;

- Educação básica: de 89,7% para 99,5% das crianças;

- Educação superior: de 21,8% para 30,2% dos estudantes;

- Investimento em saúde: de 1,36% para 2,25% do PIB.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Mídia, demos e a tragédia da Renascer

O sempre atento Nivaldo Santana, vice-presidente da CTB e ex-deputado estadual, postou no seu blog uma notinha reveladora do caráter da mídia. “O Bispo Gê Tenuta, o responsável pela Igreja Renascer, já foi deputado estadual e hoje é suplente de deputado federal pelo DEM/SP. Parece, inclusive, que vai assumir o mandato. Não vi uma única linha que tocasse nesta condição política do religioso. A mídia não quer associar a tragédia, que resultou na morte de nove pessoas, com a prefeitura. Kassab e Bispo Gê são do mesmo partido. Tanto a prefeitura como os responsáveis da igreja descuidaram de itens essenciais à segurança dos fiéis”, registra o texto “empresário da fé”.

A manipulação da mídia, como alerta Nivaldo, é realmente impressionante. Se o tal bispo tivesse apoiado Marta Suplicy na eleição paulistana, com certeza o vínculo seria manchete dos jornalões e das revistas. O “colunista” Arnaldo Jabor, cuja esposa, Suzana Villas Boas, presta assessoria ao governador José Serra, teria feito suas gracinhas na TV Globo. Mas como o líder evangélico é do demo (ex-PFL), nem a sigla partidária aparece quando citam seu nome. As imagens de Kassab e Bispo Gê juntos em campanha sumiram do ar. Talvez nem as centenas de pessoas soterradas nos escombros do prédio inseguro da Igreja Renascer façam a devida ligação bispo-prefeito-demos.

TV Globo esconde a sujeira

A Renascer fez ativa campanha para Gilberto Kassab, apadrinhado do presidenciável José Serra. Engajado na campanha, o diretor-executivo de jornalismo da TV Globo, Ali Kamel, deu até uma trégua na guerra liderada pela emissora contra as igrejas evangélicas. Para livrar a cara do demo, ela deixou de alardear a prisão, nos EUA, dos fundadores da igreja, Sônia e Estevam Hernandes, acusados de desvio ilegal de dinheiro. Também abafou as investigações que apontaram Fernanda Hernandes, filha dos fundadores da Renascer, como “funcionária fantasma do deputado estadual Geraldo Tenuta, conhecido como Bispo Gê”, segundo relato do casal global no Jornal Nacional.

Para interferir na batalha eleitoral, a mídia deixou de lado a “imparcialidade” nas apurações das irregularidades da Igreja Renascer – inclusive as que denunciaram o uso indevido de entidades assistenciais para enriquecer a instituição “religiosa”. Faz o mesmo agora, diante dos escombros do prédio e dos nove mortos, omitindo as relações do Bispo Gê com o DEM e o prefeito reeleito da capital paulista. A cada dia que passa, a mídia hegemônica se transforma no principal partido da direita no Brasil. O que ela chama de cobertura jornalística é, de fato, manipulação política.

Aero-Yeda e o silencia midiático

Outro caso emblemático desta distorção é o tratamento dado pela mídia à compra de um jato para governadora do Rio Grande Sul, Yeda Crusius. A tucana, que chafurdou o governo em inúmeros casos de corrupção, anunciou a aquisição do avião executivo orçado em US$ 26 milhões. Diante das críticas, ela rebateu: “Podem chamá-lo de Aero-Yeda, de Queen Air, do que quiserem”, em mais uma prova de inabilidade e arrogância políticas. A mídia, porém, parece que inocentou a governadora. Na Folha de S.Paulo foram publicadas apenas três notinhas, não houve destaque no Jornal Nacional. Bem diferente do escarcéu promovido contra o chamado “Aero-Lula”.

Até o blogueiro Ricardo Noblat estranhou as reações diante desta nova aquisição. “Quatro anos depois de criticar duramente o governo do presidente Lula pela compra do Airbus presidencial, integrantes do comando do PSDB se esquivaram de comentar a decisão da governadora do Rio Grande do Sul, a tucana Yeda Crusius, de também adquirir um jato para vôos internacionais”. O blogueiro, que também é colunista do jornal O Globo, só não criticou o vergonhoso silêncio da mídia hegemônica – por motivos óbvios.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

MST e a reforma agrária de Veríssimo

Na semana em que o MST comemora 25 anos de “teimosia” na luta pela reforma agrária, uma crônica do escritor Luis Fernando Veríssimo ajuda a entender o drama de milhões de expulsos da terra e a rechaçar o discurso preconceituoso de parte da sociedade, sempre ampliado pela mídia. O texto acaba de ressurgir no livro “Mais comédias para ler na escola”, recordista de vendas no final do ano. A obra irreverente e deliciosa de ler reúne assuntos sérios, mas sempre com humor inteligente, e outros nem tanto, mas risíveis. Reproduzo a crônica, intitulada “provocações”:


“A primeira provocação ele agüentou calado. Na verdade, gritou e esperneou. Mas todos os bebês fazem assim, mesmo os que nascem em maternidade, ajudados por especialistas. E não como ele, numa toca, aparado só pelo chão. A segunda provocação foi a alimentação que lhe deram, depois do leite da mãe. Uma porcaria. Não reclamou porque não era disso. Outra provocação foi perder a metade dos seus dez irmãos, por doença e falta de medicamento. Não gostou nada daquilo. Mas ficou firme. Era de boa paz. Foram provocando por toda a vida.

Não pôde ir à escola porque tinha que ajudar na roça. Tudo bem, ele gostava de roça. Mas aí lhe tiraram a roça. Na cidade, para onde teve que ir com a família, era provocação de tudo que era lado. Resistiu a todas. Morar em barraco. Depois perder o barraco, que estava onde não podia estar. Ir para um barraco pior. Ficou firme, firme. Queria um emprego, só conseguiu um subemprego. Queria casar, conseguiu uma submulher. Tiveram subfilhos. Subnutridos. Os que morriam eram substituídos. Para conseguir ajuda, só entrando em fila. E a ajuda não ajudava.

Estavam provocando. Gostava da roça. O negócio dele era a roça. Queria voltar pra roça. Ouvira falar de uma tal de reforma agrária. Não sabia bem o que era. Parece que a idéia era lhe dar uma terrinha. Se não era outra provocação, era uma boa. Terra era o que não faltava. Passou anos ouvindo falar em reforma agrária. Em voltar à terra. Em ter a terra que nunca tivera. Amanhã. No próximo ano. No próximo governo. Concluiu que era provocação. Mais uma.

Finalmente ouviu dizer que desta vez a reforma agrária vinha mesmo. Pra valer. Garantida. Se animou. Se mobilizou. Pegou a enxada e foi brigar pelo que pudesse conseguir. Estava disposto a aceitar qualquer coisa. Só não estava mais disposto a aceitar provocação. Aí ouviu que a reforma agrária não era bem assim. Talvez amanhã. Talvez no próximo ano... Então protestou. Na décima milésima provocação, reagiu. E ouviu, espantado, as pessoas dizerem, horrorizadas com ele: Violência não!”.


“Sou um gigolô das palavras”

De forma leve e cativante, o novo livro de Veríssimo fala de algumas coisas sérias, incomodas, no meio de várias histórias amalucadas do cotidiano. Numa penada, já que não dá para parar de ler, o leitor é provocado na sua consciência. O livro faz rir e pensar. Como afirma a professora Marisa Lajolo, no prefácio, ele reúne crônicas que “falam tanto de filosofia quanto de galinhas, de romances e de lingüiças... Se livro fosse remédio – que tem bula e rótulo –, aqui se leria que estas Mais Comédias para Ler na Escola não têm contra-indicação... [É] garantia de boas risadas e de boa leitura. Que não fica menos divertida ao se acompanhar de alguma reflexão”.

Luis Fernando Veríssimo brinca com as palavras. Como ele mesmo confessa numa das crônicas, “sou um gigolô das palavras. Vivo as suas custas. E tenho com elas exemplar conduta de cáften profissional”. Para ele, “o importante é comunicar. E, quando possível, surpreender, iluminar, divertir, mover”. Sem dúvida, Veríssimo consegue. Mesmo quando se discorda de algumas das suas maluquices, não há dúvida sobre o talento deste que é um dos maiores escritores brasileiros.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Os 25 anos do MST e o ódio da Folha

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) comemora nesta semana os seus 25 anos de existência. Lideranças políticas, artistas e intelectuais de renome já saudaram a data como um feito histórico, destacando a militância aguerrida do movimento, sua organicidade, seu papel pedagógico e civilizador e sua importante contribuição à luta por mudanças no país e na América Latina. O escritor uruguaio Eduardo Galeano, por exemplo, enviou uma nota singela e carinhosa: “Eu suplico aos deuses e aos demônios que protejam o MST e a toda sua linda gente que comete a loucura de querer trabalhar, neste mundo onde o trabalho merece castigo”.

O presidente do PCdoB, Renato Rabelo, destacou o papel do MST na luta pela reforma agrária, num país que “apresenta forte predomínio do monopólio da terra, de grandes áreas improdutivas e de gigantescas empresas monopolistas nacionais e estrangeiras”. Já Ricardo Berzoini, dirigente do PT, frisou a contribuição do MST na “reconstrução da democracia brasileira, tarefa ainda em curso que exige sempre a unidade na diversidade daqueles que lutam por um país democrático e justo”. E Roberto Amaral, vice-presidente do PSB, opinou que “o MST é o mais profundo e, por isso, o mais importante movimento social brasileiro”. PSOL, PSTU e PCB também deram apoio.

A teimosia e as conquistas

Artistas conscientes, como o dramaturgo Augusto Boal, a sambista Leci Brandão, a atriz Lucélia Santos e os atores Osmar Prado e Paulo Betti, enviaram suas mensagens de “parabéns”. Outras palavras de reconhecimento e de apoio devem chegar nestes próximos dias, inclusive do exterior – já que o MST possui núcleos de apoiadores em vários continentes e goza de prestígio junto aos presidentes Hugo Chávez (Venezuela), Evo Morales (Bolívia), Fernando Lugo (Paraguai) e Raul Castro (Cuba). As comemorações que se realizam em Sarandi, interior gaúcho, local da primeira ocupação de terras do MST, deverão ter intensa carga emocional, “mística”.

Esse reconhecimento, como aponta João Pedro Stedile, integrante da sua coordenação nacional, deve-se “aos 25 anos de teimosia do MST”. Ele lembra que movimento surgiu no embalo da luta contra a ditadura e teve forte inspiração da Teologia da Libertação. Os lutadores pela terra de 16 estados, reunidos em janeiro de 1984 em Cascavel, “estimulados pelo trabalho pastoral da CPT”, davam início a um movimento que ocupou terras ociosas, que garantiu assentamentos produtivos – evitando que centenas de milhares de lavradores vegetassem no desemprego e marginalidade nos centros urbanos –, que construiu centenas de escolas no campo, formando camponeses.

A violência das oligarquias rurais

Neste percurso, o MST “pagou caro pela teimosia” e enfrentou a violência das oligarquias rurais, formadas com a mentalidade dos senhores de escravos. Segundo balanço da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entre 1985/2007 foram assassinados 1.508 trabalhadores em conflitos agrários. Destes, 31 eram dirigentes do MST, que também sofreu mais de 600 processos judiciais contra 1.500 militantes. No ano passado, o Ministério Público gaúcho determinou, de forma arbitrária, a “dissolução” do movimento e sentenciou: “Cabe agora quebrar a espinha dorsal do MST”.

Além da violência do latifúndio e dos barões do agronegócio, com suas milícias de jagunços, o MST também enfrentou governos na luta pela reforma agrária e por justiça. “No governo Collor, fomos duramente reprimidos, com a instalação, inclusive, de um departamento especializado na Polícia Federal de combate aos sem-terra. Depois, a vitória do neoliberalismo do governo FHC foi o sinal verde aos latifundiários e as suas policiais estaduais. Tivemos em pouco tempo dois massacres: Corumbiara e Carajás... Mas seguimos na luta. Brecamos o neoliberalismo elegendo Lula”. Mas, lamentavelmente, “não houve a reforma agrária no governo Lula”, relata Stedile.

Parcialidade e rancor da mídia

Esta rica trajetória, que recolocou a reforma agrária na agenda política, conquistou terras em centenas de assentamentos e foi manchada de sangue de seus mártires, deveria ter, no mínimo, o respeito da imprensa nativa. Mas, a exemplo dos latifundiários, os barões da mídia nunca deram trégua ao MST. É só lembrar as capas e reportagens abjetas da revista Veja, a maneira pejorativa que a TV Globo trata os “invasores”, a cara de asco do fascistóide Boris Casoy ou os editorais rancorosos do jornal O Estado de S.Paulo, fundado pela família escravocrata dos Mesquitas.

A Folha de S.Paulo, que ainda engana os ingênuos com o seu falso ecletismo – mas que clamou pelo golpe militar contra o “perigo comunista” e a reforma agrária –, não esconde seu ódio nem na semana do aniversário. Publicou editorial raivoso e várias reportagens marotas. Na primeira delas, ate faz um rico levantamento sobre os fundadores do MST, mas a edição refinada procura mostrar sua “decadência”, priorizando os que se “afastaram”. Outro texto, que poderia estar nas páginas policiais, é intitulado “MST foi processado mais de 600 vezes”; outro estimula a cizânia entre os sem-terra e o governo Lula; outro realça que o “MST perde adeptos e recursos”.

O “jornalismo canalha” dos Frias

Todos os textos seguem a linha traçada no título do editorial: “Decadente aos 25”. Nele, a senil família Frias afirma que “o MST completa 25 anos de existência, mas não amadurece. Ameaça, agora, ‘invadir’ cidades, ou seja, intensificar a sua atuação nos centros urbanos”. A manipulação é gritante: participar das mobilizações urbanas não significa “invadir”. O ataque é brutal, quase reforçando o coro da “dissolução” dos juízes gaúchos. “Encurralado pela própria decadência, o MST reage a seu modo... Enfrentará, além de mais processos judiciais, apenas a indiferença da maioria da população”. Haja arrogância desde jornal elitista ao falar em nome da sociedade.

O ódio da Folha ao MST é antigo. No livro “O jornalismo canalha”, o professor José Arbex Jr. cita um caso emblemático, ocorrido em maio/2000, quando o servil Josias de Souza “denunciou a cobrança de ‘pedágios’ pelo MST, prática posteriormente qualificada de ‘mafiosa’ em editorial do próprio jornal, em resposta a uma denúncia comprovada e admitida de que Josias, para fazer a sua ‘reportagem’, utilizou recursos e orientação da Incra”, como pau-mandado do governo FHC. Arbex relembra outros editoriais na mesma linha, taxando as “invasões” do MST como prática “criminosa, estúpida e afrontadora” (20 de março de 2002). Como se observa, a Folha realmente deve estar triste com a “teimosia” e as comemorações dos 25 anos do MST.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Os temas do Fórum Social Mundial

Inaugurado no sul do Brasil, em Porto Alegre, o Fórum Social Mundial retorna às terras nativas na sua nona edição, desta vez no norte do país, em plena região Amazônica, em Belém do Pará. De 27 de janeiro a 1 de fevereiro, cerca de 120 mil lutadores sociais do mundo inteiro participarão de centenas de debates, assembléias, marchas e protestos, num fervilhante caldeirão de luta de idéias e de manifestações dos que acreditam que “um outro mundo é possível”.

Desde a sua primeira edição, em 2001, o mundo passou por intensas mudanças. O capitalismo, vendido como “fim da história”, afunda numa grave crise. O socialismo, que os apologistas do capital consideravam “morto”, ressurge como perspectiva. O imperialismo estadunidense, que se considerava imbatível, entrou em forte declínio. A resistência dos povos ganhou força, seja na insurgência no Iraque ou nas vitórias progressistas na América Latina. O mundo hoje, com seus ziguezagues e armadilhas, não vive mais a “paz de cemitério” do pensamento único neoliberal.

Contribuições e avanços sensíveis

Com suas limitações e dilemas, o Fórum Social Mundial deu sua contribuição nesta alteração da correlação de forças. Ele ajudou a amplificar as críticas ao neoliberalismo, a denunciar a política imperialista dos EUA, com suas guerras e seus tratados neocoloniais, a desmascarar a ditadura midiática. Além de reforçar a resistência dos povos, ele contribuiu na busca de alternativas. A cada edição, o Fórum Social Mundial também enfrentou seus próprios equívocos, como o que tentava separar a luta social da luta política, excluindo partidos e governantes progressistas.

Como observa Ricardo Abreu, o Alemão, dirigente nacional do PCdoB, ocorreram importantes avanços desde a nascimento do fórum. “O evento está mais aberto à participação das fundações vinculadas aos partidos políticos. Diminuiu o preconceito que havia em relação às organizações partidárias e aos movimentos sociais ‘tradicionais’. Além disso, nas primeiras edições era vetada a presença de chefes de Estado, numa negação à luta pelo poder político. Isto agora não acontece mais”. Ele lembra que Lula, Chávez, Morales e Lugo serão destaques nesta nona edição.

Os novos desafios do fórum

Na sua nona edição, novos desafios se impõem ao FSM. Além de abordar as várias iniciativas atomizadas, todas com sua importância, ele necessita concentrar as energias nos temas centrais, totalizantes, que ajudem na unificação da resistência mundial e na busca de alternativa à barbárie capitalista. O enfrentamento à grave crise do capitalismo, evitando que seu ônus seja jogado nas costas dos trabalhadores; a luta contra a guerra imperialista, seja a patrocinada pelos sionistas em Gaza ou pelos ianques no Iraque e Afeganistão; a jornada contra a devastação e pela soberania da Amazônia, entre outros temas, poderão alavancar e dar novo realce ao Fórum Social Mundial.

Para o sociólogo Emir Sader, a nona edição do fórum, “significativamente realizada na América Latina, elo mais fraco da cadeia neoliberal, tem a possibilidade de superar os descompassos e de redefinir sua esfera de atuação – tanto em relação a restabelecer as relações entre a esfera social e a política, única forma de disputar uma nova hegemonia e de lutar realmente pela construção de ‘outro mundo possível’, como na luta contra as guerras imperiais... É o momento da construção de alternativas concretas ao neoliberalismo a nível mundial, regional e local. É a oportunidade do fórum se reciclar e se colocar à altura do maior desafio colocado à esquerda neste novo século”.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Operação-Serra e a demissão de Nassif

É bom ficar esperto. Está em curso uma ardilosa orquestração na mídia de blindagem do tucano José Serra, governador de São Paulo e candidato do bloco neoliberal-conservador à sucessão do presidente Lula em 2010. A mais nova vítima da “operação-Serra” é o jornalista Luis Nassif, que teve seu contrato de trabalho suspenso na semana passada pela TV Cultura, emissora controlada pelo governo de São Paulo. Numa entrevista exclusiva à jornalista Priscila Lobregatte, do Portal Vermelho, Nassif não vacilou em fazer o alerta: “2010 já começou, este é o ponto”.

O abrupto rompimento do seu contrato não teve qualquer explicação. E nem podia. Afinal, por suas posições críticas e independentes, ele é um dos mais respeitados colunista da mídia, já tendo recebido vários prêmios. No último prêmio Comunique-se, ele foi um dos três jornalistas da TV Cultura indicados para a categoria televisão. O motivo, então, não foi profissional. Nassif insinua que sua demissão se deve à proximidade da sucessão presidencial. “A maluquice das eleições de 2006 voltou antecipadamente”, afirma, referindo-se à brutal manipulação no pleito passado.

Silenciando as opiniões críticas

Ele lembra que recentemente criticou a publicidade da Sabesp, empresa paulista de água. “Como pode uma empresa com atuação estadual patrocinar eventos de televisão no Brasil inteiro?”. Este e outros comentários críticos, atestando que a campanha presidencial de Serra é ostensiva e usa recursos públicos, devem ter irritado o truculento governador. Para Nassif, há indícios de que a ordem para sua demissão veio de cima. “O Paulo Markun [presidente da Fundação Anchieta, a mantenedora da TV Cultura] não tomaria sozinho essa decisão... Se em dezembro ele acertava ampliar minha participação, é evidente que a mudança de orientação se deve a outros fatos”.

A suspensão do contrato de Nassif é um fato grave. Mostra a total falta de independência de uma emissora que deveria ser pública e que hoje serve abertamente ao projeto presidencial de Serra. Mas não é um fato isolado. Além de manietar a TV Cultura, o governador tucano conta hoje com o apoio ostensivo da maioria das emissoras privadas e dos jornalões e revistas do país, fechando o cerco midiático para sua campanha. Está em curso uma operação de limpeza nas redações para aplainar a sua decolagem eleitoral, evitando críticas a sua administração e bajulando o tucano.

Demissão na CBN e clima de medo

Em outubro passado, a Rede Globo demitiu o jornalista Sidney Rezende da rádio CBN. Segundo Rodrigo Viana, que deixou a emissora por discordar das suas manipulações na sucessão de 2006, “Sidney era tido por colegas e ouvintes como jornalista que exercia a sua independência... Na sua demissão se percebem os preparativos para a cobertura das eleições de 2010. O ‘moto-serra’ dos tucanos vai passar sobre várias cabeças do jornalismo global. Na CBN, conheço um outro âncora (não darei nome porque ele me pediu sigilo) que teve a sua cabeça pedida pelo governador”.

Após estranhar outro facão recente, de Luiz Carlos Braga da sucursal de Brasília, Rodrigo afirma que o clima na Rede Globo “lembra muito a operação-2006. Há dois anos, às vésperas da eleição presidencial, ela se livrou do comentarista Franklin Martins porque este não fechava com a linha oficial de ‘sentar a pancada’ em Lula e dar uma ‘mãozinha’ aos tucanos. Depois, foram limados outros jornalistas que se indispuseram com a emissora na cobertura das eleições (entre eles, eu, Luiz Carlos Azenha, Carlos Dornelles e o editor de política Marco Aurélio Mello)”.

A generosidade da mídia privada

Rodrigo Viana, que há muito tempo trabalha em veículos privados, garante que presidenciável tucano conta com o total apoio dos barões da mídia. Ali Kamel, diretor-executivo de jornalismo da TV Globo – também apelidado por quem o conhece bem de Ratzinger ou “senhor das trevas” –, não permite que saia uma linha sobre o atual governador paulista sem o seu aval prévio. A mesma rigorosa orientação é imposta pela famíglia Frias, que mantém sólidas e sinistras relações com o tucano-mor desde os tempos em que este foi editorialista da Folha de S.Paulo.

Este conluio explica a generosidade da mídia hegemônica até nos casos mais chocantes – como na “guerra das polícias” no ano passado, quando ela simplesmente isentou o governador paulista de qualquer culpa, ou na desastrosa operação policial do seqüestro e morte de Eloá Pimentel, em Santo André. Ainda segundo Rodrigo Viana, que conhece os bastidores da mídia, “a ordem era proteger o governador. Conversei com três colegas que trabalham na TV Globo de São Paulo e que pedem anonimato. A orientação aos editores era botar no ar trechos imensos da entrevista chapa-branca com o Serra”, na qual ele culpou as centrais sindicais pela greve na Polícia Civil.

Coberturas parciais e manipuladas

A “operação-Serra” também fica patente na forma como a mídia trata as obras do governo Lula, sempre tão vigilante, e na total omissão diante dos descalabros da administração paulista. Na semana passada, Folha e Estadão fizeram rasgados elogios às obras do Rodoanel, sem publicar uma crítica ao seu monumental atraso e altos custos. Já as TVs nada falaram sobre a interrupção da concessão das rodovias Ayrton Senna e Marechal Rondon devido às falcatruas nas licitações, ou da suspensão, pelo TCE, das obras na Marginal do Tietê porque o edital estava irregular.

Também é impressionante a bondade da mídia venal diante das graves denúncias do Ministério Público, que investiga quatro contratos no valor de R$ 1 bilhão da Siemens com o governo paulista para construção de três linhas do Metrô. Há suspeitas de superfaturamento e de que a multinacional alemã teria subornado políticos do PSDB. As apurações começaram no rastro de outro inquérito, o que investiga a multinacional francesa Alstom, que teria dado propina para obter contratos com estatais paulistas nos últimos 14 anos de reinado tucano em São Paulo.

Censura chega ao ciberespaço

Sem trabalho na TV Cultura, Luiz Nassif afirma que agora se dedicará ao seu blog, apostando na internet como arma de democratização da informação. Mas também neste campo a fúria de Serra já se faz sentir. Recentemente, a Justiça mandou tirar do ar o blog “Flit paralisante”, postado pelo delegado da polícia civil Roberto Conde Guerra. O delegado é famoso por suas críticas à política de segurança do tucanato, sendo fonte alternativa de jornalistas. Durante a greve da categoria, ele usou seu blog para convocar protestos e teve 130 mil acessos. Agora, foi censurado pelo “moto-serra”. A mídia, que sempre ataca o “autoritarismo” do governo Lula, não alardeou esta censura.

A demissão de Nassif até agora não indignou os jornalistas – alguns que tiveram papel de relevo na luta contra a ditadura e que hoje parecem dóceis serviçais das empresas, preocupados apenas com suas carreiras. Também não houve reação das entidades da categoria – o que é lamentável. Paulo Henrique Amorin, outra vítima de perseguição dos “amigos de Serra” quando foi retirado do ar, sem aviso prévio, do Portal IG, protestou solitariamente. “A TV Cultura de Serrágio (vem do pedágio mais alto do Brasil) não agüentava a independência de Nassif”, escreveu no seu blog.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Demissões na GM e subsídios estatais

Na semana passada, a General Motors comunicou à direção do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos (SP) a demissão de 744 operários contratados por tempo determinado. Poucos dias antes, ela já havia dispensado 58 temporários. O facão na GM criou forte temor nas bases sindicais e no governo Lula. O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, acusou a multinacional estadunidense de se aproveitar da crise mundial para demitir brasileiros e anunciou que qualquer novo subsídio à empresa será condicionado a cláusulas rigorosas de manutenção dos empregos.

A bronca do ministro é plenamente justificada – por isso gerou raivosa gritaria dos empresários e de sua mídia. Afinal, as montadoras de automóveis auferiram lucros recordes nos últimos anos e ainda mamaram nas tetas do governo, com empréstimos e redução de tributos. Agora, diante da grave crise capitalista mundial, elas jogam o seu ônus nas costas do trabalhador e chantageiam o governo para obter mais vantagens. Apesar do discurso falacioso da “responsabilidade social”, as multinacionais não têm qualquer compromisso com a sociedade nem com o Brasil.

Lucro recorde e socorro à matriz

Em novembro último, o jornal empresarial DCI publicou uma nota que revela toda a ganância e a desfaçatez desta multinacional. “O alto desempenho do setor automobilístico até setembro deve garantir a General Motors do Brasil o melhor ano de sua história, mesmo com a revisão negativa do faturamento, que deve ficar em US$ 9,5 bilhões ante a previsão de US$ 11 bilhões, com 575 mil unidades vendidas, um crescimento de 15% sobre 2007. Com isso, ela aumentará seus lucros e, conseqüentemente, o socorro à matriz que passa por dificuldades nos EUA”, relatou o artigo, que já dava uma pista sobre a atual sacanagem da empresa estadunidense – a remessa de lucros.

“Se o nosso lucro aumenta, o valor repassado à matriz naturalmente aumenta”, justificou Jaime Ardilla, presidente da GM brasileira. Animado, ele ainda se jactou dos novos investimentos da empresa no país, apesar da crise já ter estourado nos EUA. Seria mantida “a construção de uma nova fábrica de motores em Joinville (SC), a ampliação da capacidade de produção [maior intensidade do trabalho] nas unidades de São Caetano e São José dos Campos e a conclusão de um centro de engenharia e design, que juntos somam US$ 1,5 bilhão de investimentos”. Ardilla também elogiou os governos federal e paulista, que liberaram R$ 8 bilhões em linhas de crédito.

A estratégia perversa das montadoras

A notinha do DCI ajuda a desmascarar a estratégia da poderosa multinacional: elevar a remessa de lucros para matriz falida nos EUA, transferir parte da produção para regiões onde o valor da força de trabalho é menor, intensificar a produção nas unidades já existentes e, ainda, chantagear governos para assaltar os cofres públicos. Na fase da bonança, as multinacionais pressionam pela desregulamentação, numa orgia de lucros e transferência de riquezas. Na fase da crise, elas usam a ameaça de falências e demissões para exigir mais subsídios e isenções. Elas nunca perdem.

Após transferir os lucros obtidos na produção para a especulação financeira, atolando-se na crise, as dez maiores montadoras de automóveis do mundo já demitiram 35 mil operários. Para se safar do colapso, elas agora chantageiam os governos. Nos EUA, o governo já desembolsou US$ 17,4 bilhões para salvar a GM e a Chrysler. O Canadá seguiu o exemplo e doou mais US$ 3,3 bilhões. Já na Europa, a alemã Opel, braço da GM, foi a primeira montadora a pedir socorro, seguida pela Volkswagen. O “estado mínimo”, tão decantado pelos neoliberais, agora é a salvação do capital.

Redução de impostos e créditos

No caso brasileiro, a mamata se repete. Após superarem todas as estimativas de lucro até outubro passado, as montadoras começaram a dar sinais de retração nas vendas. De imediato, avançaram sobre as tetas do Estado. Como chantagem, elas anunciaram férias coletivas e programas de demissões voluntárias. Depois, começaram a aplicar o facão, sem dó nem piedade. O terrorismo, como sempre, teve sucesso. Além de liberarem R$ 8 bilhões ao setor, os governos Lula e Serra estudam ampliar os incentivos fiscais já existentes, reduzindo o ICMS estadual e o IPI federal.

Já em agosto passado, temendo os efeitos da crise mundial, o presidente Lula baixou o decreto nº 6.556 ampliando o uso do crédito do Imposto sobre a Produção Industrial (IPI) para compensar outros tributos num período posterior. Por sua vez, o governador José Serra elevou os benefícios fiscais às montadoras, concedendo R$ 6,8 bilhões em subsídios – mais da metade dos R$ 11,8 bilhões de investimentos programados pelas multinacionais no Estado. Através do chamado Pró-Veículo, elas poderão usar os créditos fiscais para pagar fornecedoras e reduzir impostos.

Unidade e luta contra as demissões

Está certo o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, ao afirmar que porá fim a esta mamata e exigirá compensação das montadoras para qualquer outro tipo de socorro. Estão certos os metalúrgicos de São José dos Campos, que realizaram uma paralisação de protesto na GM, exigem a redução da jornada de trabalho sem perda salarial e pressionam o governo por medidas mais duras contra as multinacionais. “Não dá para aceitar que o governo Lula dê bilhões de reais às montadoras e deixe os trabalhadores pagarem pela crise com demissões. Mais do que palavras, precisamos de ações do governo federal”, explicou Luiz Carlos Prates, o Mancha, secretário-geral do sindicato.

Na luta contra as demissões, será necessária muita unidade e luta. Qualquer sectarismo cobrará o preço do isolamento; qualquer omissão terá efeito reverso – hoje a GM de São José dos Campos, amanhã a Volkswagen de São Bernardo do Campo ou a GM de São Caetano do Sul. No combate à ganância e à chantagem das multinacionais, a disputa entre as centrais deve ficar à margem. Respeitando as leituras distintas sobre o caráter do atual governo, é preciso pressioná-lo para que ele endureça com as montadoras, no rumo proposto pelo ministro Lupi – não por acaso alvo de raivosa campanha do capital e da mídia para derrubá-lo. Nada de socorro aos abutres capitalistas.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Empresários e mídia detonam Lupi

O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, é o novo alvo dos poderosos empresários e de sua mídia. Quase todo dia, âncoras da televisão, como Carlos Nascimento, o tucano enrustido da SBT, Boris Casoy, o ex-militante do Comando de Caça aos Comunistas hoje hospedado na TV Bandeirantes, para não falar do casal global do Jornal Nacional, procuram desqualificá-lo. Diante de suas justas críticas às empresas, que se aproveitam da crise mundial para demitir trabalhadores, a campanha contra o ministro se intensificou. A intenção evidente é derrubá-lo ou, no mínimo, domesticá-lo.

Segundo fontes seguras, a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), liderada por Paulo Skaf – bastante ativo no uso dos recursos do Sesi/Senai para a sua futura campanha eleitoral – já teria pedido a cabeça do trabalhista ao presidente Lula. A campanha de desgaste parece orquestrada. Nesta semana, Luis Carlos Mendonça de Barros, economista-chefe da Quest Investimentos e ex-ministro de FHC, escreveu artigo na Folha de S.Paulo, intitulado “O governo precisa ter juízo”, acusando Lupi de atiçar “o confronto com empresas”, o que pode causar “resultados desastrosos” na economia. Na sua lógica, o capital seria racional e bonzinho; já o ministro seria um tresloucado.

Tucano se diverte com a crise

Numa linguagem rancorosa, típica dos tucanos enxotados do poder, o atual rentista disse que foi “muito divertido” ver os ministros do governo Lula anunciando o corte de 600 mil empregos no ano passado. “Gaguejando, [Lupi] disse que os empresários são os verdadeiros responsáveis pelas demissões e reviveu a marolinha de Lula na imagem da ‘espuma’. Seguia o padrão petista de sempre arranjar, fora do governo, um responsável pelos problemas”, atacou o tucano.

Mendonção, como era chamado no reinado de FHC, até se soma aos que lutam pela redução da taxa de juros, mas acha que o governo Lula deve promover outros ajustes na economia. Adepto do neoliberalismo, o ex-ministro talvez pretenda jogar o ônus da crise do capitalismo nas costas dos trabalhadores, com novas ondas de demissões e novas medidas de precarizaçao do trabalho. Como cupincha de FHC, ainda carrega a culpa pelo desmonte e privatização do Estado brasileiro e pelos recordes seguidos de desemprego no país. Ele deveria ser mais comedido em sua língua.

Noblat, adorador do deus-mercado

No mesmo diapasão, o jornalista Ricardo Noblat, no seu blog no site da Globo, também atacou o ministro, esquecendo-se de sua condição de classe, de instável empregado da famíglia Marinho. Adorador do deus-mercado, afirmou que “o ministro Lupi quer acabar com o capitalismo... No capitalismo, as empresas demitem e contratam a seu gosto. Não devem satisfação aos governos... Lupi está empenhado numa guerrilha verbal contra as empresas atingidas pela ‘marolinha’ que começaram a demitir. Defende que o governo puna de alguma forma... Lupi é um dos políticos mais deslumbrados com o fato de ser ministro. Imagina que é levado a sério”.

Bem que o veterano jornalista Argemiro Ferreira já havia alertado para as mudanças de posições do badalado colunista global. Ele lembra que “o blog de Ricardo Noblat teve sucesso ao nascer independente, depois dele deixar o Correio Braziliense e ser cooptado pelo portal do Estadão e, depois, por O Globo. Hoje o vínculo explícito (coluna no jornal e tudo) nega a independência, como escancararam sua adesão à campanha anti-Lula em 2006 e no caso Gilmar Mendes/Daniel Dantas”. Ao atacar com tanta veemência o ministro Carlos Lupi, Noblat dá inestimável ajuda à ofensiva do capital para lançar nas costas dos trabalhadores todo o ônus da atual crise capitalista.