Reproduzo artigo de Washington Araújo, publicado no Observatório da Imprensa:
É fato que as campanhas eleitorais, a partir do estabelecimento da democracia plena no país, vêm se profissionalizando de forma crescente. Pesquisa de opinião tem para todos os gostos. Pesquisa de opinião é registro do momento. Pesquisa de opinião quando não derruba o governo, derruba o político-alvo; e quando não derruba este derruba o instituto, fazendo seu haraquiri.
O público eleitor se acostumou a falar em pesquisa, a discutir seus resultados, a acompanhar a evolução de seus candidatos através da mídia. E também passou a desconfiar dos resultados sempre que seu candidato favorito mostrou "anemia numérica" ou, então, quando outros institutos concorrentes apresentaram números diferentes.
É fato também que pesquisas de opinião exercem influência na escolha dos eleitores. Principalmente entre o contingente dos indecisos. É que existe a possibilidade – muito real – de boa parte dos indecisos não apostar em candidatos perdedores, aquiescendo assim à pressão psicológica do "querer ganhar" e não "perder". Outro fator de não menos importância é que resultados de pesquisas eleitorais têm efeito direto sobre a militância: pode mobilizar ou desmobilizar esforços em favor ou em detrimento das candidaturas.
Avaliação dos presidentes
As pesquisas de opinião vieram para ficar e podemos elaborar algo como "pensar em política é pensar em pesquisa". Pois bem, aproveitando o atual período de 25 anos ininterruptos de democracia no Brasil resolvi ir fundo na leitura de pesquisas realizadas para aferir a popularidade nossos governos legitimamente constituídos pós-golpe militar de 1964, que durou até 1985.
Optei pelo Instituto Datafolha por considerá-lo o mais controvertido, ao menos nestas eleições presidenciais de 2010. Acontece que o Datafolha começou a aferir a popularidade presidencial apenas a partir de 1987, e daquele ano até agosto de 2010 realizou nada menos que 129 pesquisas de opinião pública. E descobri coisas interessantes quanto ao quesito popularidade bafejando (positivamente ou não) cinco cidadãos que nas urnas, à exceção de Itamar Franco, foram sagrados presidentes do Brasil: José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva.
Considerando apenas as pesquisas do Instituto Datafolha ficamos sabendo que:
* José Sarney foi avaliado em 9 pesquisas no período de maio/1987 a março/1990. Sua melhor avaliação "Ótimo/Bom" alcançou 11% da população em pesquisa de novembro/1987 enquanto que seu pior "Ruim/Péssimo" verificou-se em setembro/1989 quando obteve 68% de impopularidade.
* Fernando Collor foi avaliado em 7 pesquisas no período de maio/1990 a setembro/1992. Sua melhor avaliação "Ótimo/Bom" alcançou 71% da população em pesquisa de março/1990, enquanto que seu pior "Ruim/Péssimo" verificou-se em setembro/1989 quando obteve 68% de impopularidade.
* Itamar Franco foi avaliado em 17 pesquisas no período de setembro/1992 a dezembro/1994. Sua melhor avaliação "Ótimo/Bom" alcançou 41% da população em pesquisa de dezembro/1994, enquanto que seu pior "Ruim/Péssimo" verificou-se em maio/1994 quando obteve 38% de impopularidade.
* Fernando Henrique Cardoso (dois mandatos) foi avaliado em 46 pesquisas no período de março/1995 a dezembro/2002. Sua melhor avaliação "Ótimo/Bom" alcançou 47% da população em pesquisa de dezembro/1996, enquanto que seu pior "Ruim/Péssimo" verificou-se em setembro/1999 quando obteve 56% de impopularidade.
* Luiz Inácio Lula da Silva (dois mandatos) foi avaliado em 50 pesquisas no período de março/2003 a agosto/2010. Sua melhor avaliação "Ótimo/Bom" alcançou 79% da população em pesquisa de agosto/2010, enquanto que seu pior "Ruim/Péssimo" verificou-se em dezembro/2005 quando obteve 29% de impopularidade.
* José Sarney (68%), Fernando Collor (68%) e Itamar Franco (38%) registraram sua mais elevada taxa de desaprovação popular ao término de seu exercício da presidência.
* Fernando Henrique Cardoso concluiu seu segundo mandato com 26% de avaliação positiva e 36% de avaliação negativa, registrado em pesquisa de dezembro de 2002.
* Luiz Inácio Lula da Silva está concluindo seu segundo mandato (23-24/8/2010) com 79% de avaliação positiva e 4% de avaliação negativa.
* Das 7 pesquisas durante a presidência de Fernando Collor o alagoano pontuou acima de 50% de avaliação positiva apenas em março/1990, quando atingiu sua melhor marca: 71%. As demais obtiveram pontuação positiva sempre inferior a 37%.
* Luiz Inácio Lula da Silva registrou popularidade positiva acima de 50% em 19 das 50 pesquisas divulgadas pelo Datafolha. De 2007 a 2010 sua popularidade tem sido regularmente acima de 50 pontos e de janeiro a agosto de 2010 é avaliado positivamente por índices sempre acima dos 70% da população brasileira.
Dilemas e desatinos
Feitas estas considerações observo que nossa grande imprensa não sabe lidar com governantes muito bem avaliados, desses que conseguem ser bem aceitos por mais da metade da população e por longo período de tempo, de forma quase ininterrupta. É exatamente este o caso do presidente Lula. Na falta de experiência nesse trato a grande imprensa termina por polarizar com o governante, não necessariamente por nutrir o desejo de polarização, mas sim porque governante algum – tenha avaliação positiva de 99%, seja até canonizado santo enquanto no exercício do cargo público – está isento de erros, defeitos e tudo o mais que se aloja no organismo do poder político.
Há também um quê de inveja devido ao fato de que o governante bem aceito pela população veste suas opiniões com elevado grau de assertividade, e tudo o que faz ou tudo o que fala recebe imediata aprovação – mesmo que tácita – da população. Enquanto que a imprensa precisa conquistar corações e mentes de seus leitores, ouvintes e telespectadores quase que minuto a minuto, diariamente, semanalmente.
É esta popularidade do presidente Lula, inédita em nossa recente história política, que transforma o errado em certo, o nebuloso em claro, e que transmuta o que é escandaloso em coisa da mais corrente normalidade. A grande imprensa escala um Everest por dia, planta-lhe com redobrado esforço e em seu mais elevado píncaro a bandeira tremeluzente do mais recente escândalo político, financeiro ou de costumes. E aguarda a próxima pesquisa de opinião pública; quando esta chega, constata que o governante bafejado com índices de estonteante aceitação popular respondeu à sua hercúlea provocação midiática com um silencioso "dar de ombros"... e eis que a coisa fica por isso mesmo, registrando-se não mais que meros ajustes matemáticos.
Quando muito, o presidente cada vez mais cônscio de seu capital de liderança incontrastável, ataca essa mesma imprensa, aponta o que entende ser grosseira fábrica de manipulação político-partidária, coloca-lhe guizos no pescoço e, ao fim, festeja o fato que é a própria imprensa que repercute o petardo presidencial como também sua própria constatação de que não consegue forças na sociedade para expressar à altura sua desaprovação à fala do governante, sabendo já de antemão que qualquer coisa que faça receberá de boa parte da população a tarja de "defesa em causa própria" – e isto retira-lhe, mesmo que por vias oblíquas, a legitimidade para dar curso ao debate.
A grande imprensa paga o preço de não saber conviver com políticos bem avaliados pela população por longos períodos de tempo, e descobre a contragosto que os dilemas, desafios e desatinos das forças oposicionistas são também os seus dilemas, desafios e desatinos, sendo esses expressos em capas de jornais e revistas, apresentados em ritmo de funeral nos telejornais da noite, objeto de análises repetitivas e quase sempre sem qualquer brilhantismo por parte dos mais renomados comentaristas de política e economia do país.
Espaço ao contraditório
É como se a grande imprensa perguntasse: "Quo vadis?" Mas a resposta é incisiva: "Para Roma é que não é". Porque há que se deixar aos políticos a política e aos jornalistas, o jornalismo. Há que se refazer o caminho de volta... porque esse negócio de tomar para si a missão de oposição política – pois esta se encontra fragilizada – nada mais é que grosseira falsificação do papel da imprensa em um Estado democrático de direito.
É hora de deixar as bandeiras do partido no chão e voltar à prática do bom jornalismo: buscar a verdade, manter pura sua motivação desde a escolha da pauta até sua realização, investigar cada caso antes de publicar, conceder espaço ao contraditório, deixar ao público a formulação de juízos de valor.
.
0 comentários:
Postar um comentário